Com o avanço da energia limpa no Brasil e a busca por investimentos mais sustentáveis, os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) voltados à infraestrutura energética vêm ganhando espaço na B3, a Bolsa de valores do Brasil — especialmente aqueles que apostam em projetos solares e eólicos no Nordeste, região líder em geração renovável.
Ao contrário dos FIIs tradicionais, que investem em imóveis como shoppings, galpões logísticos ou lajes corporativas, esses fundos direcionam seus recursos para usinas solares, parques eólicos e centros de distribuição de energia. O objetivo é duplo: garantir retorno financeiro ao investidor e contribuir com a transição para uma economia de baixo carbono.
Sol e vento convertidos em dividendos
Mesmo com presença ainda discreta no mercado, os FIIs de energia vêm se consolidando como uma alternativa promissora para investidores que buscam aliar rentabilidade, sustentabilidade e previsibilidade. Com contratos de longo prazo, receitas estáveis e baixo risco de inadimplência, esses ativos demonstram que é possível transformar sol e vento em dividendos.
Segundo Lucas Bento, sócio do TN Advogados, o interesse crescente pelos fundos de infraestrutura energética decorre da combinação de segurança, rentabilidade e, até recentemente, incentivos fiscais.
“Tais fundos são comumente atrelados a projetos voltados à geração e distribuição de energia renovável, que, por sua vez, costumam ter longos contratos e receitas previsíveis, com baixos índices de inadimplência”, explica.
“Ainda que não estejam imunes à volatilidade, em um contexto de juros elevados no Brasil, os fundos de infraestrutura energética são opções de diversificação de portfólio que se enquadram em estratégias que visam retorno no longo prazo, com algum risco de liquidez, pagamentos periódicos de rendimentos, e potencial ganho de capital na valorização das cotas”, complementa.
ESG: da diretriz institucional ao diferencial competitivo
Além da atratividade financeira, Bento destaca que há um movimento institucional para consolidar os critérios ESG no setor. “A própria ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais adotou iniciativas para orientar e padronizar a integração com critérios ESG, por meio da publicação de guias e normas — ainda de adesão voluntária — aplicáveis a fundos sustentáveis e seus gestores”.
“Em 2022, a Resolução CVM nº 59 atualizou o Formulário de Referência das companhias abertas para exigir divulgação de aspectos ESG relevantes, enquanto, neste ano, a Autarquia lançou consultas e pesquisas de mercado para avaliar a implementação dos novos padrões internacionais de reporte de sustentabilidade (IFRS S1 e S2) no Brasil”, lembra Bento.
Segundo o advogado, embora essas medidas não se apliquem diretamente aos fundos de investimentos, elas já influenciam as decisões do mercado e, hoje, embasam análises sobre investir ou não em determinada companhia.
Ele detalha que a tendência, cada vez mais forte, é a de que os fundos alinhados a esses critérios desfrutem de um custo de capital menor e de uma base de investidores mais estável, enquanto projetos sem compromisso ESG enfrentam dificuldades crescentes para captar recursos no mercado de capitais.
“Os fundos de infraestrutura energética saem na frente nessa demanda, pois têm no seu DNA critérios ESG, sendo ainda mais destacados os focados na região norte e nordeste do Brasil por produzirem um impacto social muito mais material”, destaca.
Mais adiante, o tema ESG volta à pauta, com ênfase nos critérios utilizados na avaliação desses ativos e em seu impacto no mercado de capitais. A seguir, conheça alguns dos principais fundos que ilustram esse movimento.
SNEL11 e RENV11: os protagonistas da energia limpa na B3
Entre os fundos de destaque está o SNEL11, que concentra investimentos em projetos solares fotovoltaicos, incluindo usinas localizadas em Petrolina (PE). O fundo possui um patrimônio líquido de quase R$310 milhões e vem apresentando resultados atrativos: em 2025, o rendimento mensal médio por cota foi de R$0,10.
Esse valor corresponde a um dividend yield — indicador que mede o retorno dos proventos em relação ao preço da cota — de cerca de 14,7% ao ano. Em outras palavras, quem investiu no fundo recebeu um retorno equivalente a quase 15% do valor investido apenas em dividendos. Além disso, o SNEL11 tem boa liquidez, com um volume médio diário negociado acima de R$1 milhão, o que facilita a entrada e saída do investidor na Bolsa.
Outro nome relevante é o REV11, mais recente no mercado. Criado em 2024, o fundo já adquiriu usinas solares em operação no Ceará e em Goiás, e projeta alcançar 50 megawatts (MW) de capacidade instalada até o final de 2025. Ainda pequeno, com patrimônio em torno de R$10 milhões, o fundo paga um rendimento mensal de R$0,02 por cota — equivalente a um dividend yield de aproximadamente 5,5% ao ano.
Apesar do retorno inferior ao SNEL 11, o REV11 pode representar uma oportunidade futura, já que suas cotas estão sendo negociadas com desconto — a cerca de 67% do valor patrimonial. O ponto de atenção, no entanto, é a baixa liquidez: o volume negociado por dia ainda gira em torno de apenas R$4 mil, o que pode dificultar a venda das cotas rapidamente.
Como esses fundos se comparam a outros ativos de renda variável
Na comparação com ações e ETFs, ou Fundos de Índice (Exchange Traded Funds), os FIIs de energia apresentam características bem distintas.
Indicador | FIIs de Energia (ex: SNEL11) |
Ações de Energia (ex: NEOE3) |
ETFs (ex: BOVA11) |
---|---|---|---|
Rentabilidade (dividendos) | Alta (~14% a.a.) |
Média (~3% a.a.) |
Baixa ou nula (proventos reinvestidos) |
Liquidez | Moderada/Alta (depende do fundo) |
Alta | Alta |
Risco | Baixo a moderado | Moderado a alto | Variável conforme o índice |
Tributação | Isenção para PF nos dividendos* | 15% sobre ganhos de capital | Conforme o tipo (ações, renda fixa, etc.) |
Enquanto ações como Neoenergia (NEOE3) entregaram bons resultados em 2025 — com valorização de 45% no ano e dividendos de R$ 0,83 por ação (yield de 3,3%) —, os FIIs de energia se destacam por pagarem dividendos mensais, o que garante maior previsibilidade de fluxo de caixa para o investidor.
“Além disso, os FIIs contam com isenção de Imposto de Renda sobre os dividendos para pessoas físicas, desde que cumpram alguns requisitos legais (como serem negociados exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado e terem pelo menos 100 cotistas). Já as ações e ETFs estão sujeitas à tributação sobre ganhos de capital.”
Risco fiscal no radar
A atratividade dos FIIs de energia contou, até recentemente, com um diferencial tributário: isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas nos rendimentos e ganhos de capital das cotas. No entanto, esse cenário pode mudar com a Medida Provisória nº 1.303, publicada em 11 de junho de 2025.
A proposta revoga a isenção para diversos títulos incentivados, que passarão a ser tributados na fonte a uma alíquota de 5%, a partir de 2026.
“É importante destacar que o benefício fiscal desses fundos sofreu alterações desde a publicação da Medida Provisória nº 1.303, de 11 de junho de 2025, que acabou com a isenção de diversos títulos incentivados, agora tributados pelo IRRF à alíquota de 5%. A medida em questão passa a valer a partir de 2026, mas ainda depende de aprovação pelo Congresso”, alerta Bento.
Da retórica à rastreabilidade: como comprovar o ESG nos fundos de energia
Para além do retorno financeiro e dos incentivos fiscais, cresce a cobrança por comprovação concreta de que os fundos realmente cumprem os critérios ESG a que se propõem. É nesse contexto que entra a importância da rastreabilidade, da transparência e da adoção de métricas verificáveis.
O professor e empreendedor social, Marcus Nakagawa, autor do livro “101 dias com ações mais sustentáveis para mudar o mundo” — vencedor do Prêmio Jabuti em 2019 —, aponta ser essencial que empresas e fundos que adotam critérios ESG avancem do discurso para práticas verificáveis.
“Não basta produzir relatórios. É necessário contar com auditorias e evidências concretas — assim como já ocorre na área da qualidade — para demonstrar, de fato, sua atuação dentro dessas diretrizes”, comenta.
Nakagawa defende que a legislação atual é fundamental para oferecer uma base jurídica sólida de prestação de contas, permitindo que fundos e empresas desenvolvam práticas comparáveis, serviços consistentes e mais transparência diante de tudo o que está sendo proposto.
“Os fundos não podem ser apenas números em uma carteira, indicadores de rentabilidade, papéis ou documentos”, afirma.
Matheus Eurico, head de Energia Eólica Offshore e PhD em Estratégia e Inovação, complementa que a gestão ESG eficaz exige critérios adaptados a cada modalidade de investimento — especialmente no caso dos fundos.
“Essas diferentes modalidades, sobretudo em fundos, ajudam a orientar como utilizar o financiamento e os recursos disponíveis para viabilizar, por exemplo, a transição energética”, diz.
Segundo ele, os critérios ambientais dizem respeito ao impacto ecológico do projeto, à redução da pegada de carbono e ao retorno social gerado, com destaque para ações em educação e democratização da informação. No pilar da governança, avalia-se a transparência dos dados, a forma como as informações são compartilhadas e o grau de comprometimento da empresa com políticas claras e responsáveis.
“Todos esses pontos, quando olhamos para projetos de infraestrutura, direcionam a atenção para propostas que causam menor impacto ambiental e que, ao mesmo tempo, geram maior retorno social”, afirma.
Eurico reforça que o ESG, quando aplicado aos fundos de infraestrutura, tem potencial direto de impulsionar a transição energética e abrir caminhos para uma economia de baixo carbono.
No passado, lembra, era comum que obras de infraestrutura causassem desmatamento ou desconsiderassem impactos sobre comunidades locais. “Hoje, critérios como acessibilidade, impacto social e governança fazem com que as empresas se comprometam cada vez mais, o que se reflete em seus relatórios corporativos e documentos estratégicos.”
Ele destaca que os critérios variam conforme o tipo de ativo. “No caso da energia eólica, por exemplo, quantos empregos são gerados? Estima-se que, para cada megawatt instalado, sejam criados cerca de 10 empregos — número que pode chegar a 17 no caso da energia eólica offshore. Isso representa um retorno social”, exemplifica.
“Além disso, é preciso considerar os projetos realizados no entorno das usinas — como construção de escolas, pavimentação de estradas e melhorias na infraestrutura local”. Esses aspectos, segundo Eurico, devem ser avaliados pelos fundos que financiam tais empreendimentos.
Fortalecimento da transição energética
Mais do que retorno financeiro, os FIIs de energia também cumprem um papel estratégico no enfrentamento das mudanças climáticas. Eles viabilizam a captação de recursos privados para acelerar a implantação de usinas renováveis — como as quatro usinas adquiridas pelo SNEL11 em Petrolina (PE), que somam 5 MW de potência, ou os empreendimentos do RENV11 no Ceará.
Em termos de ambiente regulatório e incentivos, Bento afirma que o Brasil chama a atenção por seus benefícios fiscais e por contar com um arcabouço normativo atualizado, adaptado às necessidades do mercado atual.
“Além do regime de fundos em si, o Brasil tem ofertado condições macroeconômicas e setoriais atrativas. O governo federal e os entes reguladores setoriais (como a ANEEL — Agência Nacional de Energia Elétrica, no setor elétrico) promovem leilões regulares de geração e transmissão de energia, concessões de distribuição, programas de aceleração e parcerias público-privadas, formando um pipeline robusto de projetos bancáveis”, menciona Bento.
Essas iniciativas contribuem diretamente para o cumprimento das metas climáticas assumidas pelo Brasil, que incluem a redução de até 67% das emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2035. Atualmente, segundo relatório divulgado pelo Ministério de Minas e Energia e pela Empresa de Pesquisa Energética, o país já possui 88,2% de sua matriz elétrica composta por fontes renováveis — com o Nordeste se destacando como líder na geração de energia eólica e solar.
O especialista ressalta o papel estratégico do Nordeste nesse contexto. A região ocupa posição de destaque na infraestrutura energética nacional, especialmente por sua forte atuação nas fontes renováveis — concentrando a maior parte da capacidade de geração eólica do país, além de abrigar importantes polos de energia solar.
Bento diz que esse protagonismo se reflete diretamente na alocação dos fundos: grande parte dos recursos captados por FIP-IE e FI-Infra de energia tem sido direcionada a projetos localizados no Nordeste, financiando desde usinas eólicas onshore no sertão até fazendas solares.
Segundo dados do Banco do Nordeste, mais de R$37 bilhões foram investidos em energia limpa na região nos últimos anos, com apoio de diversos instrumentos financeiros, inclusive FIIs.
“A região hoje exporta excedentes de energia limpa para o restante do Brasil, e enfrenta até desafios de escoamento (eventos chamados de curtailment, em que a geração renovável precisa ser limitada por falta de demanda ou restrições de transmissão). Esse cenário tem motivado investimentos adicionais em linhas de transmissão ligando o Nordeste aos grandes centros de consumo”, diz Bento.
Em síntese, o advogado aponta que o Brasil oferece hoje um terreno fértil para os fundos de infraestrutura energética: um arcabouço regulatório sólido e atualizado, incentivos governamentais robustos (com as devidas ressalvas), e um mercado em expansão, impulsionado especialmente pelo avanço das energias renováveis no Nordeste.
“Essa combinação de fatores (segurança jurídica, vantagens tributárias – ademais recentes majorações – e demanda estrutural por infraestrutura), tem garantido condições, no mínimo, atrativas para a criação e o crescimento desses fundos, essenciais para o financiamento do desenvolvimento energético sustentável do Brasil”, conclui Bento.
Este texto integra a série de reportagens especiais do Investindo Por Aí sobre a COP30