Jornalismo econômico para a inovação no Nordeste -
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19 de julho de 2025 11:09

O olhar do BNDES para o Nordeste

O olhar do BNDES para o Nordeste

Apesar da ampliação do programa Nova Indústria Brasil, os desembolsos do BNDES para o Nordeste recuaram no início de 2025; banco aposta em retomada no segundo semestre e articulação com parceiros regionais para impulsionar investimentos

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) iniciou 2025 com uma retração significativa na concessão de crédito à região Nordeste. No primeiro trimestre, os desembolsos somaram R$2,6 bilhões — uma queda de 30% em relação ao mesmo período do ano anterior. As aprovações de novos projetos também recuaram, totalizando R$1,7 bilhão, 33% a menos do que no primeiro trimestre de 2024.

A retração chama atenção especialmente por ocorrer em um momento de expansão do programa Nova Indústria Brasil, cuja meta de financiamento foi elevada de R$259 bilhões para R$300 bilhões. Ainda assim, o Nordeste respondeu por apenas 9% dos valores desembolsados pelo banco em âmbito nacional, número inferior ao peso da região tanto na população brasileira (25%) quanto no Produto Interno Bruto (14%).

De acordo com o boletim do BNDES, Sudeste e Sul concentram, juntos, 75% dos recursos. A disparidade reacendeu o debate sobre a necessidade de estratégias mais efetivas para enfrentar os desafios estruturais da região, como gargalos em infraestrutura, baixa industrialização e desigualdade de renda.

O Investindo por Aí conversou com a diretora de Crédito Digital para MPMEs e Gestão do Fundo do Rio Doce do BNDES, Maria Fernanda Ramos Coelho, que apontou dois fatores principais para explicar a desaceleração nos desembolsos — especialmente no Nordeste — no início de 2025.

Foto: Divulgação/BNDES

Causas da retração

Maria Fernanda destaca dois fatores principais que ajudam a explicar a desaceleração nos desembolsos — especialmente no Nordeste — no início de 2025.

“O primeiro deles está relacionado ao contexto macroeconômico global. Começamos o ano com uma série de restrições impostas pelo governo americano, o que causou uma instabilidade significativa nos mercados internacionais, impactando diretamente o planejamento de empresas e governos”, afirmou.

Para ela, esse ambiente de incertezas afeta de forma transversal toda a economia. “A economia precisa de previsibilidade. Quando essa previsibilidade é abalada, surgem entraves que atravessam setores, regiões e cadeias produtivas”.

O segundo fator destacado pela diretora é a sazonalidade, especialmente no setor agropecuário. “No primeiro trimestre, é comum uma desaceleração natural das operações, tanto na agricultura empresarial quanto na agricultura familiar. No caso do Nordeste, os dados de abril e maio já mostram sinais de reversão, o que reforça esse caráter temporário da retração”, comentou.

Queda concentrada nas grandes empresas

O BNDES opera por meio de dois modelos principais: o direto, voltado a grandes empresas que apresentam seus projetos diretamente ao banco; e o indireto, realizado em parceria com mais de 60 instituições financeiras públicas e privadas, como cooperativas de crédito e bancos de fomento. Essa rede garante capilaridade e cobertura de mais de 90% do território nacional.

Na análise dos dados do primeiro trimestre, Maria Fernanda destaca que a maior retração ocorreu justamente no crédito direto às grandes companhias.

“Se compararmos o primeiro trimestre de 2025 com o de 2024, saímos de R$2,5 bilhões para R$1,7 bilhão no Nordeste. O grande impacto se deu justamente nas grandes empresas, que possuem calendários de investimento mais flexíveis e podem adiar decisões estratégicas diante de incertezas”, aponta a diretora.

Em contrapartida, o desempenho entre micro e pequenas empresas foi positivo. “Na microempresa, nós crescemos 20%, e, na pequena empresa, crescemos 30% em relação ao mesmo período do ano anterior”.

Estabilização a partir do segundo trimestre

A diretora aponta que, apesar do início do ano difícil, os dados de abril e maio já indicam uma mudança de cenário. “O processo de mal-estar causado pelas decisões americanas começa a se diluir. Mesmo que continuem com certo nível de agressividade, o elemento surpresa se anula. A economia começa a buscar alternativas, e o setor agropecuário, por exemplo, já mostra sinais de retomada”.

Além disso, o calendário do Plano Safra, que vai de julho a junho, impulsiona o número de operações no período. “Maio e junho marcam o encerramento do Plano Safra, e é um período com volume de operações bastante expressivo”.

Com base nesses sinais, a expectativa do banco é de um segundo semestre mais robusto. “Considerando esse primeiro trimestre atípico, estamos confiantes de que, até o final do ano, vamos atingir, no mínimo, o mesmo desempenho de 2024. Mas a meta é ultrapassar”, destaca Maria Fernanda.

Parcerias retomadas com foco no Nordeste

Uma das estratégias para sustentar a recuperação tem sido a rearticulação institucional do BNDES com parceiros estratégicos da região. “Retomamos a relação com o Banco do Nordeste, que estava afastada até 2022. Em 2023, reconectamos com o Banco do Brasil. Em 2024, reestabelecemos com a Caixa Econômica Federal e o próprio BNB”, menciona a diretora.

Essa reaproximação exigiu adaptações tecnológicas para integrar sistemas. “Hoje, as operações são realizadas online, mas isso exige que os sistemas do banco e dos parceiros estejam integrados. Se houve um período sem operação, é preciso fazer essa readequação. Isso foi feito em 2023 e 2024, e agora, em 2025, já colhemos os resultados”.

Enquanto isso, as cooperativas de crédito mantiveram uma trajetória contínua de crescimento. Segundo Maria Fernanda, elas não interromperam o processo — ao contrário, até cresceram no ciclo anterior.

Os frutos dessa reorganização já começam a aparecer. “Quando observamos os dados de abril, vemos que a participação do Nordeste nas operações, que fechou 2024 com menos de 10%, já chega a 13%. E é um crescimento consistente”, reforça a diretora.

Apesar do avanço, o Consórcio Nordeste avalia com preocupação a queda registrada no primeiro trimestre. “O Nordeste representa 25% da população brasileira e 14% do PIB, mas terminou 2024 com uma participação de apenas 9,9% dos desembolsos do BNDES, e agora esse patamar baixou para 9%, apesar do crescimento no valor absoluto. Isso mostra que são necessárias medidas adicionais”, afirmou o Consórcio, em nota ao Investindo por Aí.

A entidade destaca que acompanha de perto a questão junto ao BNDES e está promovendo diversas iniciativas estruturantes, como a chamada pública Chamada Nordeste, no valor de R$10 bilhões, voltada a investimentos estratégicos da política Nova Indústria Brasil. O projeto é resultado de articulação com SUDENE, instituições financeiras federais e apoio técnico do próprio Consórcio. “A preocupação com o volume de investimentos na região está na pauta da Diretoria do Banco”, reforça a nota.

Novas linhas verdes e industrialização regional

Outro eixo da estratégia do banco envolve financiamentos com viés sustentável e regionalizado. No fim de maio, o BNDES lançou uma nova linha de crédito do Fundo Clima, com juros abaixo da Selic, voltada à transição energética, logística verde, florestas nativas e recursos hídricos.

Maria Fernanda destaca: “Essa linha tem um recorte mínimo para a região. Dos R$2,2 bilhões disponibilizados, nossa meta era que R$404 milhões fossem destinados ao Norte e Nordeste. Já superamos esse percentual: estamos perto de 34%”.

Além disso, uma chamada pública no âmbito do Nova Indústria Brasil, em parceria com o Consórcio Nordeste, FINEP e instituições financeiras, vai destinar R$10 bilhões exclusivamente à região. Os recursos, reembolsáveis e não reembolsáveis, se concentram em cinco eixos, como  cita a diretora:

  1. Energias renováveis com foco em armazenamento;
  2. Bioeconomia com foco em fármacos;
  3. Descarbonização com foco em hidrogênio verde;
  4. Data centers verdes;
  5. Indústria automotiva, incluindo máquinas agrícolas.

“Estamos fazendo uma grande divulgação nos estados. Já passamos por Piauí, Maranhão, Paraíba e outros. Essa chamada é uma grande oportunidade para impulsionar a inovação e industrialização da região”, detalha Maria Fernanda.

Além disso, a ampliação das fontes de recursos também está no foco do banco. A partir do segundo semestre, o BNDES passará a operar recursos do FGTS para projetos de saneamento e mobilidade urbana.

“Serão R$12 bilhões — R$6 bilhões para cada área. É a primeira vez que o banco atua com recursos do FGTS nessas frentes, o que abre um leque importante para investimentos no Nordeste”, garante a diretora.

Estratégia estruturante: agregar valor e gerar permanência

Para a diretora Maria Fernanda Ramos Coelho, o desafio maior está em reter os efeitos dos investimentos na região, agregando valor e dinamizando cadeias produtivas locais.

“O que acontece no Nordeste, com frequência, é que você tem um investimento, mas o dinheiro escoa para o Sudeste, porque as indústrias estão lá. Então, se vai fazer uma grande obra de saneamento, por exemplo, o maquinário e o equipamento são comprados no Sul ou Sudeste. Por isso esses incentivos — para que a gente possa ter indústrias que façam com que esses investimentos fiquem, de fato, na região”, explica.

A ideia é fortalecer iniciativas que promovam inovação e permanência dos recursos. “Isso é um processo, leva tempo para amadurecer. Mas os resultados já começam a aparecer, como nas experiências com Zonas de Processamento de Exportação (ZPE), que atraíram empresas e elevaram a renda das famílias por meio de empregos mais qualificados”, considera Maria Fernanda.

Desempenho do Nordeste em indicadores-chave (2016–2025)



Comparativo dos indicadores regionais – Participação por região (2016–2025)



Três pilares para reduzir desigualdades

Para enfrentar desigualdades regionais e internas ao próprio Nordeste, o banco aposta em três pilares fundamentais:

  1. Governança;
  2. Qualificação;
  3. Crédito.

“Você precisa ter governança, precisa de mão de obra qualificada e de crédito para que o investimento aconteça”, explica a diretora. Ela cita como avanços importantes a criação do Consórcio Nordeste, em 2019, e a ampliação da rede de Institutos Federais.

Também destaca parcerias com SENAI, SEBRAE, universidades e institutos técnicos, intensificadas pelo programa Mais Inovação, focado em formação continuada alinhada às vocações locais.

O BNDES também tem atuado para ampliar a inclusão digital como vetor de desenvolvimento. Em 2024, uma chamada pública do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações resultou em R$2,05 bilhões em operações — quase metade (46%) direcionadas ao Nordeste.

“Isso possibilitou levar internet a escolas rurais e periferias. São cerca de 570 mil alunos beneficiados nas regiões Norte e Nordeste. No Ceará, por exemplo, quase todas as escolas da periferia de Fortaleza já estão conectadas”, afirma Maria Fernanda.

Reaproximação com o Banco do Nordeste

Um dos avanços institucionais mais relevantes foi a reativação da parceria com o Banco do Nordeste (BNB), conforme destaca o diretor do Departamento Nordeste do BNDES, Caio Cavalcanti Ramos.

“Depois de quase 15 anos sem operar de forma integrada, fizemos um trabalho linha por linha para reconectar as operações. Algumas, como a do Clima e a Finame, já estão funcionando bem”.

Com essa retomada, o BNB poderá inclusive financiar municípios com recursos do BNDES — algo que não era possível com o FNE. “As primeiras operações estruturantes devem aparecer já no segundo trimestre, especialmente nos setores de energia, agricultura e turismo”, afirma Ramos.

Em nota, o Banco do Nordeste também reforçou a importância da parceria com o BNDES para destravar investimentos estratégicos. “As duas instituições estão atuando juntas em projetos importantes, como a Chamada Nordeste, que tem o objetivo de fomentar investimentos industriais com disponibilização de R$ 10 bilhões, e na Nova Indústria Brasil, que prevê investimentos superiores a R$ 300 bilhões, sendo R$ 9,5 bilhões pelo Banco do Nordeste”, diz o comunicado.

Segundo o BNB, a retomada da parceria institucional permitiu, desde 2024, a operação de linhas compartilhadas com crédito direto de cerca de R$200 milhões em apenas dois meses e R$1,3 bilhão em garantias.

Ramos destaca que esse trabalho está sendo feito não só com o Banco do Nordeste (BNB), mas também com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e outros parceiros que, de alguma forma, enfrentaram uma diminuição ou até um hiato na utilização de recursos do BNDES.

Apoio às micro, pequenas e médias empresas

Nesse sentido, Maria Fernanda ressalta um ponto importante para mostrar como essa estratégia está organizada: o BNDES também está focado em micro, pequenas e médias empresas. Esse é um dos principais focos do banco.

Para isso, o BNDES reduziu as taxas em sete linhas de financiamento, especificamente para as regiões Norte e Nordeste, onde há o objetivo de incrementar e democratizar ainda mais o acesso ao crédito.

A diretora destaca as linhas que tiveram redução de taxas:

  1. BNDES Finame – ônibus e caminhões;
  2. Finame Materiais;
  3. Crédito para Pequenas e Médias Empresas;
  4. Procapcred – voltado para cooperativas;
  5. Crédito Rural Finame;
  6. BNDES Finame (modo geral);
  7. Caminho da Escola – recurso direcionado para municípios, especialmente para a compra de ônibus escolares;

“Essa medida está alinhada com a estratégia do banco de ampliar e fortalecer os investimentos na região”, finaliza Maria Fernanda.

Evolução do apoio financeiro às micro, pequenas e médias empresas (2020-2025)



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