A maior crise ambiental de Alagoas segue acompanhada de um cenário de incertezas econômicas. A Braskem, responsável pelo afundamento de cinco bairros em Maceió, acumula um passivo de R$ 14 bilhões em indenizações e medidas de compensação socioambiental. Ao mesmo tempo, enfrenta pressões no exterior, como a reestruturação financeira da Braskem Idesa, joint venture no México, que sinaliza dificuldades no fluxo de caixa e levanta dúvidas sobre sua capacidade de manter compromissos no Brasil.
A instabilidade da companhia, que já perdeu mais de US$ 11 bilhões em valor de mercado na última década, segundo levantamento do InvestNews, ameaça não apenas a reparação integral às vítimas, mas também a manutenção das operações industriais em Alagoas, com reflexos na arrecadação estadual e na confiança de investidores.
Fiscalização e garantias para cumprimento das obrigações
O Ministério Público Federal em Alagoas (MPF-AL) detalha que sua atuação, em conjunto com Ministério Público Estadual, Defensoria Pública da União e Defensoria Pública de Alagoas, resultou no acordo coletivo que garantiu a obrigação da Braskem de reparar os danos causados. Esse acordo estabeleceu regras gerais para indenizações, sem interferir nos valores individuais negociados diretamente entre moradores e a empresa, com acompanhamento jurídico ou judicial em casos de discordância.
Segundo o MPF, o monitoramento da execução inclui relatórios periódicos protocolados pela Braskem junto à Agência Nacional de Mineração, visitas em campo e reuniões periódicas com moradores, autoridades e técnicos. Dentro do órgão, há um grupo de trabalho permanente que acompanha o cumprimento das obrigações, inclusive com a possibilidade de designar instituições especializadas para reforçar a fiscalização.
O Acordo Socioambiental prevê mecanismos de proteção em caso de crise financeira ou de reestruturação societária da empresa. Entre eles, a exigência de reforço de garantias — como fiança bancária, seguro-garantia ou gravame de imóveis — sempre que houver risco de descumprimento das obrigações. Se a Braskem não honrar os termos, o MPF pode acionar judicialmente o bloqueio de valores pelo sistema Bacenjud.
Outro ponto destacado pelo MPF é que a eventual venda ou mudança de controle acionário da Braskem não afeta a validade dos compromissos assumidos. As obrigações permanecem vinculadas à empresa e não a seus acionistas, o que impede que novos controladores se eximam da responsabilidade sobre indenizações e reparações.
Limites da geração de emprego direto
Apesar de seu peso fiscal e simbólico, a presença da Braskem tem impacto restrito sobre o mercado de trabalho local. De acordo com o economista alagoano Cícero Péricles, ouvido pelo Investindo por Aí, as grandes plantas petroquímicas são intensivas em capital e tecnologia, empregando diretamente um número reduzido de trabalhadores.
“Em Alagoas, o setor químico emprega menos de duas mil pessoas, segundo dados do Ministério do Trabalho. Isso é pouco diante dos 620 mil trabalhadores formalizados no estado. O efeito maior está nas indústrias menores da cadeia químico-plástica, que utilizam insumos fornecidos pela Braskem e absorvem uma quantidade maior de mão de obra”, explica.
Para o economista, uma eventual crise mais profunda da companhia poderia afetar essas empresas de menor porte, com reflexos indiretos sobre o emprego, mas não alteraria de forma significativa o quadro global do mercado de trabalho em Alagoas.
Operações industriais e dependência do sal-gema
A Braskem mantém em Alagoas duas grandes unidades industriais. Apesar da paralisação da exploração do sal-gema, que originou o desastre ambiental em Maceió, a empresa adaptou sua produção importando matéria-prima do Chile. Até o momento, não há perspectiva de fechamento das unidades.
“A discussão sobre desativação não está posta. A questão principal é a garantia de fornecimento da matéria-prima. A empresa continuará projetando suas decisões estratégicas com foco no mercado nacional e internacional, já que o consumo local é irrelevante diante de sua capacidade total de produção”, avalia Cícero Péricles.
Essa adaptação, contudo, eleva custos operacionais e pode comprometer a competitividade da unidade alagoana em caso de prolongamento da crise financeira global da empresa.
Efeitos sobre arrecadação e políticas públicas
Os impactos mais diretos de uma crise prolongada da Braskem em Alagoas se concentram na arrecadação fiscal. A companhia é uma das maiores contribuintes do estado, mas os incentivos fiscais de que é beneficiária são majoritariamente federais.
Segundo o economista, o governo estadual tem pouca margem de manobra para interferir. “As possibilidades locais se restringem à esfera ambiental, por meio do IMA, em articulação com órgãos federais de fiscalização e controle. No campo fiscal e financeiro, o Estado pode muito pouco diante do porte e da natureza da Braskem”, observa.
A indefinição sobre o futuro da companhia, somada ao peso das disputas judiciais em andamento — como a ação que cobra R$ 4 bilhões pela desvalorização de 22 mil imóveis em Maceió, revelada pelo portal Seu Dinheiro —, adiciona insegurança para investidores e amplia a percepção de risco sobre Alagoas.
O conjunto de variáveis — passivo ambiental bilionário, crise financeira internacional, risco de reestruturação societária e litígios judiciais — coloca Alagoas em posição vulnerável. Embora os acordos firmados pelo MPF garantam mecanismos de proteção para vítimas e para o patrimônio público, o futuro da empresa segue incerto.
Para os moradores desalojados e para o estado, o desafio será acompanhar de perto o cumprimento das obrigações e manter atenção às movimentações do setor petroquímico, que podem redefinir não apenas o papel da Braskem, mas a própria estratégia de desenvolvimento econômico regional.
A Prefeitura de Maceió e o Governo de Alagoas foram procurados pela reportagem, mas não quiseram se manifestar a respeito até o fechamento desta matéria.