No topo da produção nacional de energia eólica, o Rio Grande do Norte também lidera em outra frente: a inclusão de mulheres em áreas técnicas antes dominadas por homens. À frente desse processo está o Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER), unidade do SENAI-RN, que vem desenhando programas específicos para atrair, capacitar e inserir mulheres no setor.
“A indústria nos mostrou a demanda e o SENAI entendeu que precisava se reposicionar. Criamos estratégias de comunicação específicas, mudamos a identidade visual dos projetos e passamos a estruturar cursos sob medida para cada empresa parceira. O objetivo era claro: fazer as mulheres perceberem que essa oportunidade também era delas”, afirma Amora Vieira, diretora do CTGAS-ER.
O esforço deu certo. Nos últimos anos, turmas inteiras de mulheres foram capacitadas para atuar na operação e manutenção de parques eólicos, na instalação de sistemas solares e em atividades ligadas ao hidrogênio verde. Em 2023, por exemplo, a AES Brasil formou uma especialização exclusiva com 73 mulheres em O&M de parques eólicos — marco inédito no país.
Apesar dos avanços, Amora reconhece que os obstáculos persistem. “Muitas empresas pedem, por exemplo, que as candidatas tenham carteira de habilitação, e dezenas de mulheres ficaram de fora por não atenderem a esse requisito. Outras não têm acesso à internet de qualidade ou equipamentos adequados para acompanhar aulas remotas. São barreiras reais que precisam ser enfrentadas”, relata.
Para minimizar esses desafios, o SENAI incorporou ao currículo oficinas de habilidades complementares, como inglês técnico, comportamento em entrevistas e criação de redes profissionais. “Não basta formar tecnicamente. Elas precisam estar preparadas para disputar uma vaga e se manter nesse mercado competitivo”, ressalta a diretora.
Histórias de ex-alunas mostram o impacto concreto da estratégia. Wellen, por exemplo, saiu dos cursos do SENAI para empreender em projetos de energia solar. Carolina, que migrou da indústria de petróleo e gás para a energia eólica, hoje trabalha em São Paulo vinculada à Aurem. Já Thaysa Mota, oradora da primeira turma exclusiva de especialização em operação e manutenção de parques eólicos, segue trilhando carreira no setor e recentemente passou a atuar em energia solar.
“Essas trajetórias inspiram outras mulheres. Elas demonstram que é possível transitar entre áreas, mudar de carreira e ocupar funções técnicas em empresas de grande porte”, destaca Amora.
O protagonismo do SENAI-RN foi reconhecido pela ONU, que concedeu ao CTGAS-ER o Selo ODS Educação. “Esse prêmio nos deu visibilidade e reforçou nossa missão: formar pessoas para a indústria com estratégias específicas para atrair meninas e mulheres. Mostra que reinventamos a forma de fazer educação profissional, indo para campo, conversando olho no olho e ouvindo as necessidades dessas alunas”, afirma a diretora.
Além do selo, parcerias com empresas como Engie, Vestas, Neoenergia, CPFL Renováveis e AES Brasil têm financiado formações de mulheres em diferentes fases da cadeia produtiva — desde a construção civil de parques eólicos, com a capacitação de pedreiras e armadoras de ferro, até contratos de aprendizes em empresas de tecnologia de ponta.
Transformação social
A inclusão feminina vai além das estatísticas. Em comunidades indígenas do RN, por exemplo, mulheres foram formadas para atuar em usinas eólicas, resultado de projetos construídos conjuntamente entre SENAI, empresas e lideranças locais. “É um processo de transformação social. Essas mulheres passam a enxergar novas perspectivas de carreira, de renda e de reconhecimento em suas próprias comunidades”, pontua Amora.
Para Amora, o setor de energia renovável seguirá sendo um dos mais promissores do país — e precisa das mulheres para crescer. “A disciplina, a dedicação e a curiosidade de aprender que vemos nessas alunas são admiráveis. Elas participam ativamente, têm interesse e se desafiam constantemente. Nosso papel é abrir a porta e garantir que elas tenham condições de atravessá-la”, resume.
Do interior potiguar às empresas globais, a experiência do SENAI mostra que a transição energética no Brasil também pode ser uma transição de gênero e que o futuro das renováveis será cada vez mais feminino.
📊 Mulheres na energia: os números do protagonismo do SENAI-RN
- 73 mulheres formadas na primeira especialização em Operação & Manutenção de parques eólicos do Brasil, em parceria com a AES Brasil (2023).
- 3 comunidades indígenas do RN tiveram mulheres capacitadas para atuar em usinas eólicas, incluindo funções de construção civil (pedreiras e armadoras de ferro).
- + de 200 mulheres já passaram por formações específicas em energia eólica e solar no CTGAS-ER nos últimos anos.
- Parcerias estratégicas: Engie, Vestas, Neoenergia, CPFL Renováveis e AES Brasil financiaram formações exclusivas para mulheres.
- Reconhecimento internacional: Primeiro SENAI no Brasil a ser signatário da ONU na área de educação, recebendo o Selo ODS Educação.
- Jovens aprendizes: turma em Lagoa Nova (RN), em parceria com a Vestas, contratou meninas como aprendizes em cursos de técnico em eletromecânica.
Mulheres rompem barreiras
A história da engenheira Thaysa Mota é um retrato da revolução silenciosa que começa a tomar forma no setor de energias renováveis no Brasil. Oradora da primeira especialização em Operação & Manutenção de parques eólicos exclusiva para mulheres, promovida pelo SENAI-RN em parceria com a então AES Brasil, Thaysa representa uma geração que rompeu barreiras e abriu caminhos em uma área historicamente dominada por homens. Hoje, ela ocupa o cargo de Engenheira de Operação e Manutenção do Conjunto Fotovoltaico Assu Sol, da Engie Brasil Energia, levando para o setor solar a mesma determinação que a fez se destacar na eólica.
“Quando me deparei com a oportunidade oferecida pelo SENAI-RN, enxerguei que ali estaria a minha chance de ingressar no ramo de energias renováveis. Era gratificante ver tantas mulheres se dedicando, compartilhando suas lutas e aprendizados de vida”, relembra.
Para Thaysa, o curso foi muito mais do que formação técnica: abriu portas para networking com empresas patrocinadoras e permitiu enxergar, de perto, a dinâmica do setor. “O fato de ter sido escolhida como oradora me colocou na missão de representar todas que estiveram comigo nessa caminhada, dando visibilidade à rotina de mulheres que trabalham, estudam, cuidam dos seus lares e sonham em crescer em um ambiente acolhedor e cheio de oportunidades”.
A conquista, no entanto, não veio sem sacrifícios. Thaysa lembra que um dos maiores desafios foi conciliar a vida profissional com a maternidade. “Precisei morar em uma cidade diferente e mais afastada das minhas filhas. Para isso, contei e conto com uma rede de apoio bem sólida, que me permite vivenciar essas experiências de trabalho e crescimento”.
Ela destaca que, embora o setor de energia renovável ofereça cada vez mais oportunidades, a desigualdade de gênero ainda é uma barreira. “Estamos em um espaço onde ainda somos minoria, mas hoje faço parte de uma empresa que trabalha fortemente a igualdade de gênero e possui políticas de capacitação para cargos de liderança. Sabemos que essa é uma luta diária, mas ambientes como esse nos permitem enxergar um horizonte de possibilidades”.
Do vento ao sol
A trajetória de Thaysa também simboliza a versatilidade feminina em áreas técnicas. Após atuar na operação e manutenção de parques eólicos, ela migrou para a energia solar, mostrando que a transição energética também pode ser uma transição de gênero.
“Acredito que, por se tratar de uma área em expansão, veremos cada vez mais oportunidades disponíveis. Mas é essencial que as empresas continuem incentivando meninas a ingressarem nas ciências e tecnologias. Assim, a presença feminina deixará de ser uma exceção e passará a ser regra”.
O recado final é para as jovens que ainda hesitam em entrar nesse universo. “O conhecimento é a única ferramenta que ninguém poderá levar de você. Foi através da educação que conquistei essas oportunidades e hoje posso dizer que vivo um sonho realizado. Independente das condições de estudo, de tempo ou de recursos, jamais acredite que não possa realizar um sonho. Trabalhe duro, esforce-se bastante e tenha muita fé em Deus, porque o seu momento de glória chegará”.
Exemplos como o de Thaysa Mota reforçam que a transição energética brasileira não se faz apenas com turbinas, placas solares e hidrogênio verde. Ela também se constrói com mulheres que desafiam estatísticas, mudam paradigmas e abrem caminho para que outras possam trilhar um futuro sustentável e mais igualitário.
Diversidade como motor da transição energética
Se o SENAI atua na linha de frente da formação técnica e no estímulo direto às mulheres, são as empresas parceiras que dão escala, visibilidade e concretude a esse movimento. A Vestas, multinacional dinamarquesa considerada líder global em energia eólica, é um exemplo emblemático dessa engrenagem entre educação e indústria.
Desde 2020, a companhia já apoiou cerca de 35 projetos sociais no Brasil, com impacto direto sobre mais de 35 mil pessoas em comunidades próximas aos parques eólicos. O foco, segundo a empresa, não é apenas ampliar a empregabilidade, mas também transformar territórios. “Acreditamos que a transição energética só será bem-sucedida se for também justa e inclusiva. Por isso, apoiamos iniciativas que promovam capacitação técnica e geração de oportunidades para grupos historicamente sub-representados, como as mulheres”, afirma Luciana Leite, Estrategista Sênior de Marketing, Comunicação & ESG da Vestas para a América Latina.
Essa visão ganhou corpo em julho de 2024, quando a Vestas firmou uma aliança inédita com o SENAI Nacional para estruturar uma oferta de formação técnica em energia eólica em todo o país. As primeiras turmas, abertas no Rio Grande do Norte e na Bahia, já reúnem mais de 120 estudantes que se preparam para atuar em operação e manutenção de aerogeradores. O diferencial está no recorte: além de atrair talentos locais, o programa tem metas claras de inclusão feminina, e os resultados começam a se materializar.
Em Lagoa Nova (RN), metade das vagas foi preenchida por mulheres. Já em Umburanas (BA), a turma formada em 2025 trouxe uma guinada: a maioria absoluta dos concluintes foi feminina — um salto expressivo em relação à edição anterior, que contava com apenas uma aluna. Para Luciana, esse movimento é prova de que ações estruturadas podem alterar realidades de setores marcados historicamente pelo predomínio masculino. “Ao proporcionarmos a inclusão de mais mulheres em funções técnicas, ampliamos a base de talentos e fortalecemos a sustentabilidade do setor”, afirma.
A estratégia está alinhada a compromissos globais da empresa, que incluem alcançar a neutralidade de carbono até 2030 e fabricar turbinas com desperdício zero até 2040. Mas a executiva reforça: a diversidade não é apenas um item na pauta ESG — é parte essencial do modelo de negócio. “Diferentes perfis trazem novas perspectivas, impulsionam a inovação e geram soluções mais criativas e adaptadas às realidades locais. Diversidade, para nós, é sinônimo de eficácia”, resume.
Ao longo dos últimos anos, a parceria Vestas–SENAI também consolidou resultados em frentes complementares: foram quase duzentos moradores formados em comunidades vulneráveis do Nordeste, em cursos que abriram novas perspectivas de vida e ampliaram a presença feminina em áreas técnicas. Para Luciana, cada iniciativa desse tipo reafirma que a transição energética não pode ser apenas tecnológica — precisa ser humana, inclusiva e transformadora.
Na prática, isso significa que a construção de um futuro mais limpo e sustentável passa, inevitavelmente, pelo protagonismo de mulheres que se qualificam, ocupam funções técnicas e desafiam padrões de um setor ainda em processo de mudança. É o que já se observa nos parques eólicos e solares onde ex-alunas do SENAI atuam. E é o que empresas como a Vestas, em sintonia com a educação profissional, ajudam a consolidar.
Com a presença feminina crescendo dentro da indústria, o Brasil não apenas expande sua capacidade energética renovável, mas também mostra ao mundo que a transição para uma economia verde pode e deve ser liderada por mulheres.
Do vento e do sol, novos espaços para elas
Seja nas salas de aula do SENAI, nos parques solares do interior nordestino ou nos aerogeradores que recortam o horizonte do semiárido, cresce a presença de mulheres que encontram no setor de energias renováveis uma oportunidade concreta de transformação de vida.
A experiência de Amora, que deixou a zona rural do Rio Grande do Norte para se especializar em operação e manutenção de turbinas, se conecta com a de Thaysa, engenheira que hoje integra a equipe de um grande parque fotovoltaico no interior do país. Histórias distintas, mas atravessadas pelo mesmo desafio: conquistar espaço em um ambiente onde ainda prevalece a mão de obra masculina.
Os números revelam que essa mudança não é pontual. Programas apoiados por empresas como a Vestas mostram que o mercado de energia começa a se reconfigurar, atraindo cada vez mais mulheres para formações técnicas e cargos que até pouco tempo eram praticamente inacessíveis. Em alguns municípios nordestinos, turmas inteiras já contam com maioria feminina, um retrato inédito para o setor.
Ainda assim, a equação não se fecha apenas com boas iniciativas de capacitação. Persistem os obstáculos estruturais: a dificuldade de conciliar trabalho em regiões distantes da família, o peso de estereótipos que associam funções técnicas a homens e, sobretudo, a falta de políticas públicas que estimulem meninas a seguir nas áreas de ciência e tecnologia desde a escola.
Especialistas e empresas do setor convergem em um ponto: a transição energética não será apenas uma mudança de matriz, mas também uma disputa de narrativas sobre quem estará no comando desse processo. Mais mulheres em turbinas, painéis solares e centros de controle significam não só diversidade, mas também inovação e sustentabilidade de longo prazo.
No Nordeste, onde o sol e o vento são abundantes, esse movimento já começa a se materializar. Cada nova engenheira, técnica ou operadora que ingressa nos parques reforça que a energia que move o futuro também pode e deve ser feminina.