
“Longe de casa / Há mais de uma semana/ Milhas e milhas distantes/ Do meu amor”. Os primeiros versos da música “A dois passos do paraíso”, da Blitz, retratam a típica dor de alguém que, seja por opção ou necessidade, precisou lidar com despedidas. Contudo, diferente do que o início da canção da banda carioca sugere, nem todas as mudanças possuem um tom melancólico. Nesse sentido, migrações são uma realidade do mundo moderno, e é cada vez mais comum pessoas em busca de mais qualidade de vida, tentando “escapar” do caos dos grandes centros urbanos.
Como refúgio dos caos, João Pessoa se apresenta como uma espécie de oásis do mundo moderno, ideal para aqueles que desejam “desacelerar”, ou pelo menos era assim que a cidade se identificava. Isso porque de acordo com dados do último censo do IBGE, realizado em 2022, a população de João Pessoa cresceu 15,2% em relação ao censo anterior, realizado no ano de 2010. Hoje, a estimativa populacional da capital está em 888.679 mil pessoas.
O crescimento no número de habitantes em João Pessoa pode ser explicado por diversos fatores, um deles diz respeito à qualidade de vida encontrada no estado como um todo. De acordo com o Índice de Progresso Social (IPS) 2025, divulgado no último mês de maio, a Paraíba é o melhor estado do Norte e Nordeste em termos de qualidade de vida. O IPS é construído baseado em índices de indicadores sociais e ambientais que levam em consideração necessidades humanas básicas, fundamentos do bem-estar e oportunidades.
O IPS fez uma análise de todos os 5.570 municípios do país e os ordenou em uma escala com notas que variam de 0 a 100. No ranking nacional, a Paraíba ficou em 10° lugar, o Distrito Federal ficou em primeiro e o estado do Pará em último na lista do IPS.
Além da qualidade de vida, o turismo, que vem ganhando um certo protagonismo no cenário brasileiro e mundial. De acordo com dados da construtora Massai, o turista que se encanta pela cidade e deseja se mudar para a capital representa 11% do total de compradores dos empreendimentos da marca na Paraíba. O professor doutor Swamy Soares afirma que João Pessoa pode e deve fazer do turismo como um potencial para o seu crescimento. Contudo, é preciso fazer tal movimento com estratégias que visam a melhoria da cidade como um todo, além de uma preocupação com a sustentabilidade ambiental, um dos diferenciais da capital perante outros municípios.
“No caso de João Pessoa, a grande atratividade que é colocada como um diferencial em relação a outras capitais do Nordeste, são a dimensão ambiental, a segurança dada ao turista, bem como a questão dos preços e dos valores. É preciso que a gente entenda que esses atributos fazem com que João Pessoa seja um dos destaques do Brasil. Então o crescimento, sem preservação ambiental, sustentabilidade e segurança, pode trazer complicações para a cidade, como aumentar as questões imobiliárias a médio/longo prazo, ou ter uma segurança apenas na região na orla. Isso faz com que a cidade perca a dimensão da tranquilidade”, afirma o especialista.
Foi através do turismo que a aposentada Flávia Lorenzi, de 59 anos, conheceu a cidade. A psicóloga, que é natural de Santos (SP), veio a João Pessoa pela primeira vez em junho de 2022, acompanhando o filho que havia ingressado na universidade. A beleza e o bem-estar da capital pesaram na decisão da mudança. “A cidade é linda e limpa. As praias são encantadoras, o custo de vida é menor que o de São Paulo e as pessoas são muito amigáveis. Até pensamos em morar em outras capitais do Nordeste, que já conhecíamos, mas nenhuma delas é tão bonita e atraente como João Pessoa”.
Assim como Flávia, Leonardo Medeiros, coordenador técnico de uma autorizada de celulares de 42 anos, escolheu João Pessoa pensando em qualidade de vida. Porém, diferentemente da psicóloga, turismo foi apenas parte da razão que trouxe Léo, como é conhecido, para a cidade; isso porque, apesar de carioca, ele é filho de paraibanos e conheceu João Pessoa em um período de férias que passou na terra natal dos pais, por volta dos anos 2000. Buscando baratear o custo de vida e aproveitando a pouca locomoção que João Pessoa oferece, Leonardo decidiu se mudar de vez para a cidade, e segundo ele, não há planos para uma nova mudança.
“Eu escolhi João Pessoa como nova moradia por conta da tranquilidade daqui, isso foi muito determinante para mim. Aqui também é tudo muito próximo, diferente do Rio. Além de que, custo benefício e questões de qualidade de vida pesaram também na minha decisão. A temperatura é mais tranquila em João Pessoa e, de maneira geral, aqui é menos violento em comparação com o Rio de Janeiro”, ressalta.
Infraestrutura em foco
Além desses motivos, o coordenador aponta para a mobilidade urbana como um fator determinante pela sua escolha, mesmo que, na percepção dele, o trânsito de João Pessoa tenha piorado muito ao longo dos anos, ainda sim é mais tranquilo em relação a sua cidade natal. Swamy Soares aponta para questões de segurança e mobilidade como dois dos principais fatores para que pessoas “fujam” dos grandes centros urbanos e optem por cidades mais tranquilas para morar.
“Os dois motivos centrais quando as pessoas pensam em fugir dos grandes centros é a dimensão da segurança e da mobilidade. Então por que eu saio de um grande centro? Porque estou inseguro e não consigo me mover na cidade”, afirma o professor que volta a apontar que é preciso pensar no crescimento da cidade viabilizando alternativas. “Se você também não não pensar a cidade em termos de mobilidade, ela vai travar e, portanto, a atratividade dela vai ser perdida. E a própria segurança, até porque ela tem a ver com elementos sociais, com ostensividade, planejamento e o processo de crescimento e distribuição de renda também pela cidade”, explica Swamy.

Diferentemente das histórias anteriores, a jornalista Vitória Soares, de 25 anos, foi a João Pessoa pela primeira vez para estudar. Foi em 2018, quando havia acabado de ser aprovada no curso de jornalismo na Universidade Federal da Paraíba que ela conheceu e se mudou para a capital paraibana. Natural de Santo André (SP), ela optou pela Paraíba por possuir parentes no interior do estado. Apesar de feliz e adaptada, na realidade da jornalista, João Pessoa ainda não é um grande centro para a profissão. A mesma diz que apesar de São Paulo possuir um mercado mais competitivo, há um “leque” maior de oportunidades, o que a motiva para voltar para sua cidade natal um dia.
“A longo prazo eu penso, sim, em voltar para Santo André. Apesar de gostar muito da cidade e me sentir muito bem em João Pessoa, não me vejo com a possibilidade de crescer mais na profissão e explorar novas coisas. Gostaria de tentar algo novo e acredito que em São Paulo tenha mais oportunidades nesse sentido”, observa a jornalista.
Usuária do transporte público de João Pessoa, Vitória teceu críticas à mobilidade urbana da capital, principalmente na rede de ônibus local “A oferta de transporte em Santo André, mesmo não sendo uma capital, é muito maior que em João Pessoa, lá possui uma variedade grande de meios de transporte, que te permite percorrer pequenas e longas distâncias pagando pouco. Aqui em João Pessoa ainda acho muito problemático, os ônibus são custosos, mal cuidados e com pouca oferta de linhas”, pondera. Vale lembrar que o ticket do ônibus de João Pessoa é um dos mais caros do Nordeste.
A partir de afirmações como as de Vitória, pode-se afirmar que a ideia uma vez posta de que João Pessoa é um “refúgio” dos grandes centros urbanos não é unanimidade. Percepção corroborada por Swamy, que defende que João Pessoa está passando por uma transição, e se tornando cada vez mais parecida com os grandes centros urbanos. “João Pessoa era vista de fato como uma cidade mais tranquila, para “desacelerar”. Agora, quando as pessoas vão chegando e descobrindo isso, a dinâmica da cidade muda. E isso não é ruim necessariamente; João Pessoa hoje tem uma diversidade econômica, tem se destacado como um polo gastronômico, por exemplo”.
Como apontado por Swamy Soares, João Pessoa, assim como qualquer cidade do mundo, está mudando. Nesse sentido, é preciso que o município perceba e acompanhe essas mudanças, agregá-las, e assim, crescer com elas. Assim quem sabe, João Pessoa pode estar de fato “a dois passos do paraíso”.