
Os leilões agropecuários estão se consolidando como um dos motores mais vigorosos da economia rural nordestina. De Alagoas ao Ceará, o que antes era uma tradição restrita a fazendas e feiras regionais se transformou em um circuito de negócios de alta rentabilidade, com genética de ponta, cifras milionárias e presença de políticos e empresários que enxergam no campo um espaço de poder e projeção econômica.
Em apenas cinco anos, o número de eventos e o volume financeiro movimentado cresceram de forma expressiva. Associações de criadores estimam que, em 2024, os leilões nordestinos tenham movimentado cerca de R$ 250 milhões, um salto de 40% em relação a 2020. Parte desse avanço se deve à digitalização do setor, que ampliou o alcance das transmissões virtuais e atraiu investidores de outras regiões do país. A expansão das raças adaptadas ao clima semiárido, como Nelore, Sindi e Guzerá, também impulsionou o comércio de genética e transformou os remates em vitrines de tecnologia pecuária.
Empresas como a Masterboi e leiloeiras como a Agreste Leilões e a Lance Rural consolidaram-se como peças-chave desse mercado. Em eventos como a Expoagro Alagoas, o Leilão Matrizes Santa Fé ou a ExpoCariri, no Ceará, é possível ver a confluência entre o campo tradicional e o agronegócio corporativo, com estandes de frigoríficos, instituições financeiras e plataformas digitais. Ali, genética, marca e prestígio se misturam em um mesmo ambiente. Cada animal vendido simboliza não apenas produtividade, mas também status e poder de influência.
A ascensão desses leilões, porém, traz uma nova camada de leitura sobre a estrutura agrária e o capital político no Nordeste. Enquanto pequenos criadores ainda enfrentam desafios logísticos e acesso limitado a certificações, o circuito milionário da pecuária de elite reforça o protagonismo de uma aristocracia rural que ocupa cargos públicos, financia campanhas e dita parte das pautas do Congresso ligadas ao agronegócio.
Leilão de Arthur Lira e a ostentação do poder rural
A face mais explícita dessa fusão entre política e campo surgiu no início de outubro, quando o deputado Arthur Lira (PP-AL) — ex-presidente da Câmara e um dos nomes mais influentes do Congresso — promoveu a quarta edição do leilão “Nelore Lira”, em sua fazenda no interior de Alagoas. Ao lado dos filhos, Lira faturou R$ 3,9 milhões com a venda de 62 touros e centenas de bezerros, em um evento que reuniu prefeitos, deputados estaduais e empresários.
Em meio à ostentação rural, o parlamentar ironizou os casos de intoxicação por metanol no país, garantindo aos convidados que “o uísque é lacrado e com nota fiscal”. A cena, transmitida por plataformas de leilão e reproduzida nas redes sociais, sintetiza um traço simbólico da atual cultura agropecuária nordestina: a transformação dos leilões em espetáculos de poder e sociabilidade política.
Mais do que uma simples feira de gado, o “Nelore Lira” projeta a imagem de um agro que se torna espaço de legitimação social e articulação eleitoral. O deputado, que é vice-presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil, tem usado sua atuação como criador para reforçar vínculos regionais e consolidar influência em um segmento estratégico da economia. Ao lado do filho Álvaro, cotado para disputar uma vaga na Câmara em 2026, Lira ocupa o centro de um cenário em que a pecuária de elite é também palco de projeção familiar e de poder político.
O caso ilustra como o agronegócio nordestino, apesar de seu dinamismo econômico, carrega marcas de concentração e desigualdade. Enquanto leilões de luxo movimentam milhões em genética e reúnem parte da elite política, milhares de pequenos produtores ainda lutam para garantir pastagem, água e infraestrutura básica para escoar seus rebanhos. A distância entre o gado de elite e o gado de subsistência é também a distância entre dois modelos de desenvolvimento: um tecnificado e lucrativo, outro resiliente e marginalizado.
Especialistas apontam que o desafio da região está justamente em equilibrar esses dois mundos. A profissionalização dos leilões e a entrada de grandes empresas geram renda e visibilidade, mas também reforçam hierarquias históricas e concentram o acesso às oportunidades. Como analisa o zootecnista Rafael Pimentel, “o leilão é o retrato da modernização desigual do campo. Ele traz tecnologia e capital, mas também evidencia quem tem acesso a eles e quem continua apenas assistindo.”
O avanço dos leilões agropecuários no Nordeste, portanto, representa mais do que um movimento de mercado. É o reflexo de uma nova geografia do poder rural. Nela, genética e política se cruzam, e o martelo do leiloeiro não apenas define preços, mas também simboliza quem continua no comando da terra e do capital.