O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses acaba de ser reconhecido como Patrimônio Mundial Natural da Humanidade pela Unesco, em um feito histórico que coloca o Maranhão em evidência no cenário internacional. Ao lado do Complexo Cultural do Bumba-Meu-Boi, já elevado a Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, o estado passa a reunir dois títulos de prestígio que sintetizam sua identidade e reforçam o potencial do turismo sustentável na região. A conquista projeta o Maranhão no mapa global do turismo, abrindo novas possibilidades de desenvolvimento econômico aliado à preservação ambiental e cultural.
Para Yuri Arruda, secretário de Estado da Cultura do Maranhão, o reconhecimento conjunto representa a essência do estado. “Os dois títulos da Unesco representam a síntese da identidade maranhense: de um lado, a exuberância natural dos Lençóis Maranhenses; de outro, a força imaterial do Bumba-Meu-Boi. Juntos, esses patrimônios consolidam o Maranhão como destino singular, onde natureza e cultura caminham lado a lado”, afirma. “A combinação dessas riquezas projeta o estado para o mundo, atraindo turistas em busca de experiências autênticas e reforçando o nosso compromisso de preservar tanto a biodiversidade quanto as manifestações culturais que traduzem a alma do nosso povo.”
A estratégia do governo, segundo Arruda, é integrar os dois eixos do turismo. “O visitante que chega para conhecer os Lençóis também poderá vivenciar nossa cultura, especialmente o Bumba-Meu-Boi. Essa integração será feita com programações culturais em polos turísticos, fortalecimento de eventos regionais e incentivo ao intercâmbio entre as comunidades tradicionais que vivem no entorno dos Lençóis e os grupos culturais que mantêm viva nossa tradição. Assim, oferecemos uma experiência completa, em que o turista contempla a beleza natural e, ao mesmo tempo, se conecta com a identidade maranhense”, explica.
Potencial de crescimento do turismo internacional
O reconhecimento da Unesco tende a atrair ainda mais visitantes estrangeiros. Dados recentes do Observatório do Turismo do Maranhão apontam que o Estado apresentou um crescimento de 7,7% no número de desembarques de 2023 para 2024, passando de 903.172 para 967.034. O fluxo de passageiros também subiu, registrando um aumento de 6,90%, passando de 1.809.637 para 1.934.492, levando em conta embarques e desembarques nos aeroportos maranhenses. Com a chancela internacional, a expectativa é que esse percentual aumente de maneira significativa, ampliando a presença do Maranhão nas rotas turísticas globais.
A projeção é que cidades como Barreirinhas, Santo Amaro e Atins, principais portas de entrada para o parque, recebam novos investimentos em hotelaria, transporte e serviços, mas especialistas alertam para os desafios de equilibrar essa expansão com a preservação ambiental.
Riscos e desafios ambientais
De acordo com a professora da ESPM e pesquisadora das relações de turismo e patrimônio com a Economia Criativa, Isabella Perrotta, o aumento da visitação traz riscos que não podem ser ignorados. “Ocupações irregulares e especulação imobiliária já pressionam cidades como Barreirinhas, Santo Amaro e Atins. Além disso, a sobrecarga da infraestrutura de água, energia e saneamento pode comprometer o ecossistema. O tráfego intenso de veículos não autorizados dentro do parque tem causado erosão das dunas e destruição da vegetação nativa”, alerta.
O professor Marcus Nakagawa, Coordenador Geral do CEDS – Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental, reforça que o impacto do turismo mal planejado já é perceptível. “Durante os passeios em jardineiras, nota-se o trânsito por áreas sensíveis, como o mangue, além do descarte inadequado de resíduos. Isso mostra que precisamos investir mais em educação ambiental e em práticas de turismo sustentável”, afirma.
Perrotta defende que o turismo seja aliado da preservação. “A criação de zonas de uso para proteger áreas mais sensíveis, implantação de um sistema de reservas online para controlar o fluxo de visitantes, e a capacitação contínua de guias e operadores turísticos com foco em práticas ecológicas, são medidas essenciais para proteger o parque”, explica. Já Nakagawa destaca a importância da governança. “A boa governança é fundamental para assegurar que a gestão do parque seja feita com seriedade e transparência”.
Lições de outros patrimônios mundiais
A experiência de parques como Yellowstone (EUA), Galápagos (Equador) e Plitvice (Croácia) mostra que limitar o número de visitantes e investir em monitoramento tecnológico são práticas eficazes. “Esses parques implementaram sistemas de cooperação com universidades para pesquisas de conservação, capacitação de guias turísticos e uso de drones para monitorar áreas sensíveis. O Maranhão pode se inspirar nessas iniciativas”, aponta Perrotta.
Nakagawa completa: “Somente com governança sólida será possível garantir um turismo verdadeiramente sustentável, não apenas do ponto de vista ambiental, mas também econômico, de modo que os Lençóis Maranhenses continuem recebendo visitantes sem perder sua beleza singular”
O desafio não é apenas ambiental, mas também social. O turismo nos Lençóis Maranhenses movimenta a economia de pequenas comunidades, de guias e pousadas familiares a restaurantes e transportes locais. Para Nakagawa, esse é o momento de garantir que o crescimento seja inclusivo. “Mais do que gerar divisas, o turismo sustentável deve criar empregos, distribuir renda de forma justa e trazer melhorias em áreas como educação, saúde e transporte. Não se trata de repetir práticas predatórias, mas de valorizar a população local e aumentar, junto com os indicadores de turismo, os indicadores sociais e de qualidade de vida da região”, afirma.
Em paralelo ao patrimônio natural, o governo estadual busca ampliar a difusão da cultura maranhense.
“Temos investido em projetos que levam o Bumba-Meu-Boi e outras manifestações a festivais internacionais, consolidando o Maranhão no cenário global. Em paralelo, ações de formação e preservação garantem que a base da tradição permaneça viva nas comunidades”, afirma o secretário Yuri Arruda.
Segundo ele, a internacionalização precisa respeitar a autenticidade. “O visitante é convidado a conhecer nossas manifestações como elas são, respeitando rituais, tempos e espaços da tradição. Esse cuidado é fundamental para que a cultura continue sendo símbolo de resistência, fé e pertencimento para as novas gerações”, reforça.
Com o título da Unesco, os Lençóis Maranhenses entram em um novo ciclo que exige visão estratégica. O desafio será conciliar o aumento do turismo internacional com a preservação ambiental e cultural. Se bem conduzido, o modelo pode transformar o parque em referência global de turismo sustentável, inspirando outros destinos brasileiros.
Patrimônios da Unesco no Brasil
O trabalho da UNESCO é impulsionado pela Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, que reconhece que alguns lugares possuem “valor universal e excepcional”, e devem fazer parte do patrimônio comum da humanidade.
Há categorias diferentes de sítios do Patrimônio Mundial, são eles: Patrimônio Cultural, Patrimônio Natural e Patrimônio Misto.