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17 de novembro de 2025 14:05

Modelo de SAF, Bahia reforça abismo de gestão que separa elite de futebol dos times nordestinos

Modelo de SAF, Bahia reforça abismo de gestão que separa elite de futebol dos times nordestinos

Saúde financeira dos times nordestinos, mesmo com o advento das SAFs, não é das melhores. Reportagem ajuda a entender o por quê
Foto: Leonardo Moreira e Gustavo Simão

Desde a adoção dos pontos corridos no Campeonato Brasileiro, em 2003, pela primeira vez o país conta com cinco clubes nordestinos disputando a série A (Sport, Bahia, Vitória, Fortaleza e Ceará), número recorde até aqui. A chegada de mais clubes nordestinos às principais competições de futebol faz bem ao espetáculo, já que as torcidas da região são conhecidas pela presença nos estádios e pela festa que promovem, e impacta, também, no negócio.

Cruzar a linha entre as séries B e A expressa um rearranjo dos clubes da região, com melhores resultados em campo, apostas em torneios regionais à margem das federações estaduais, mas também pela luta para garantir a saúde financeira dos times. Nesse esforço, muitos tentam se inserir na onda dos chamados “clubes-empresas”, as SAFs. 

A Lei das Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs) completa quatro anos de implementação agora em 2025. Ao converter associações sem fins lucrativos em empresas, com possibilidade de injeção de recursos por investidores externos, esse modelo permitiu que alguns clubes superassem problemas financeiros e voltassem ao primeiro escalão do futebol brasileiro. Mas nem todos os clubes tiveram a mesma experiência com esse modelo. 

Na região, o caso que ganha maior holofote é o do Esporte Clube Bahia, clube bicampeão nacional, que negociou a sua SAF para o City Football Group, a mais conhecida empresa do ramo. O Bahia é usado como exemplo de caso bem sucedido financeiramente  – praticamente zerou a dívida no período de um ano, e, ao mesmo tempo, realizou as maiores compras do futebol nordestino. 

Em campo, o time também mostra bons números. O “Tricolor de Aço” tem se mantido na série A e se classificou, em 2024, para a Libertadores após 35 anos. “O Bahia é um caso particular de clube que primeiro regulariza suas questões internas, democratiza, e depois vende. Se tornou um clássico exemplo. Mas grupos poderosos como o City não vão assumir times de um Brasil invisibilizado, não dá para se iludir”, afirma Anderson Santos, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). 

Via de regra, aqui no Brasil, os clubes que operam como SAF têm mais de 50% das ações nas mãos de investidores. A exceção mais notória é o Fortaleza, que se tornou SAF em setembro de 2023 – a sociedade é controlada pelos sócios do clube e, por enquanto, ainda não tem acionistas externos.

O clube se inspira no tipo de sociedade estabelecido pelo alemão Bayern de Munique, na qual o time é o controlador e as marcas patrocinadoras têm 25% das ações. Marcelo Paz, CEO da sociedade, afirma regularmente que o Fortaleza não tem dívidas e a saúde financeira é um ponto de atração para investidores, mesmo que para a aquisição de uma fatia minoritária no time.  

A impossibilidade de controle majoritário do clube é apontada como um dos entraves para a chegada de investidores, que mantém uma posição institucional firme diante de uma torcida engajada, mesmo em um período histórico: após 7 anos seguidos na terceira divisão, o clube venceu a Série B, fincou pé na elite, chegou a liderar o brasileirão e foi finalista da Copa Sulamericana, em 2023. A valorização do clube foi muito grande em pouco tempo. 

Um estudo do Ibesaf (Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol), publicado em novembro de 2024, menciona a existência de 17 SAFs no Nordeste. Nem todas, claro, festejando resultados revolucionários. Nem tudo nesse mercado é ganha-ganha. 

O professor da UFAL explica que o modelo de transformar times em empresas e, em maior grau, em capital de risco a partir de investimentos pouco planejados e que alienam a cultura dos clubes, é uma marca do capitalismo contemporâneo dentro do futebol. “Sempre iremos ouvir os bons exemplos das SAFs. Os que deram certo. Porque é assim que o neoliberalismo dá consistência às ideias, tomando o particular sobre o todo. Mas aqui no Nordeste já estamos vendo que não é bem assim”, afirma. 

Foto: Pernambuco Press

Santa Cruz e América-RN: não é bem assim 

No Nordeste, dois dos casos mais preocupantes são os infortúnios dos últimos anos do Santa Cruz e do América-RN, clubes altamente populares, com contas adoentadas. O clube pernambucano acumula uma dívida de aproximadamente R$ 300 milhões, cifra estrondosa para quem disputa a série D do Campeonato Brasileiro. A última vez que o Santa Cruz esteve na série A foi em 2015. 

Asfixiado pela urgência das contas, a solução, ao que tudo indica, será a transformação em SAF. As negociações entre dirigentes e investidores vão e vêm há mais de um ano, sem ainda chegar a um acordo. No início do ano, os dirigentes do clube coral anunciaram um contrato vinculante com investidores de Minas Gerais, que poderão ter controle de 90% do clube se fechado o acordo. 

“Recife tem um dos maiores PIBs do Nordeste, e o Santa Cruz uma das maiores torcidas, além de um estádio para 60 mil pessoas. É um caso de gestão muito aquém do potencial. A torcida do Santa Cruz comemorou nas ruas a possibilidade do time virar uma SAF como se fosse um título”, conta Santos. 

No caso do América-RN, entregar o clube para uma Sociedade Anônima de Futebol não tirou o gosto amargo de maus resultados em campo. O time subiu de divisão, da D para a C, em 2022, se tornando campeão da quarta divisão, mas foi rebaixado no ano seguinte e retornou para a divisão mais baixa.  Os balanços contábeis que o “Mecão” disponibiliza mostram que o clube segue gastando bem mais do que arrecada. 

“É comum que a torcida se iluda com o modelo de SAF como sendo a salvação. Em alguns casos, sobram poucas alternativas. Encontrar investidores locais, com identificação com os clubes, é mais difícil no Nordeste. Não temos grupos econômicos tão fortes como no eixo Rio-São Paulo. Os times em geral dependem muito do Estado”, explica Santos. 

Copa do Nordeste 

Torcida do CSA | Foto: Reprodução/Internet

Sucesso de público, a Copa do Nordeste está se tornando um exemplo para o restante do país de torneio bem sucedido que corre à margem do futebol hegemônico, do eixo Sul-Sudeste. Criado em 1994, o campeonato é organizado por uma liga de clubes da região, e não conta com a simpatia e a ajuda estrutural da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que nem sempre reconheceu a competição.

Segundo levantamento do Sr. Goool, em fevereiro deste ano, com o torneio ainda na fase de grupos, a Copa do Nordeste já havia superado a média de público dos jogos estaduais da região. O levantamento apontou um total de 222.185 torcedores presentes até aquele mês, o que dá pouco mais de 5 mil pagantes por jogo.

Presidentes, CEOs e investidores dos clubes veem a competição com potencial atrativo do ponto de vista esportivo e econômico. 

Maiores patrocínios da história – à base do salve-se quem puder 

No ano que terá recorde de participantes da série A do Campeonato Brasileiro, o futebol nordestino viu parte dos seus principais clubes conseguirem acordos com casas de apostas online, conhecidas por bets, liberadas no Brasil em 2018, que dominam o mercado atual. Até o fim dos contratos neste ano, Bahia, Sport, Fortaleza, Vitória e Ceará podem receber R$ 318 milhões. Um recorde histórico de arrecadação com patrocínios na região.

A modalidade dominante de patrocínio e arrecadação com publicidade das bets está sofrendo seus primeiros reveses. No segundo semestre de 2024 o Banco Central afirmou que só em agosto daquele ano R$3 bilhões do programa social mais importante do Governo Federal, o Bolsa Família, haviam sido consumidos pela roda viva das bets. Com a escalada assombrosa das apostas, o Senado abriu uma Comissão de Inquérito Parlamentar para apurar o que parece ter virado uma “pandemia de apostas”, conhecida como CPI das Bets. 

A inadequação de veicular anúncio de uma jogatina – que se vende como uma diversão, esconde que a aposta é um risco, provoca dependência e infelicita a família de milhões de brasileiros, não impede, no entanto, clubes e federações de se valerem dos patrocínios. 

Foto: Thiago Gadelha

O caso mais expressivo é da Betano, que comprou o direito de colocar seu nome na série A do Campeonato Brasileiro de futebol masculino, que passou a se chamar Brasileirão Betano. Estima-se que ela tenha pagado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) algo em torno de R$80 milhões, segundo informações reveladas por reportagem da revista Piauí. Já a BETesporte é patrocinadora da Copa do Nordeste e os Campeonatos Baiano, Cearense e Pernambucano. 

O vencedor da Copa do Nordeste deste ano levará R$ 7 milhões como premiação pelo título. Relativamente pouco, se comparado aos maiores orçamentos e prêmios do futebol nacional, notadamente clubes de fora do Nordeste. A maior dívida, ao que tudo indica, é do futebol nacional com os clubes nordestinos. 

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