Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2025 mostram que Salvador (BA) e Natal (RN) perderam população, com quedas estimadas de 0,18% e 0,14%, respectivamente. Entre as capitais nordestinas, a maioria cresceu abaixo da média nacional de 0,39%: Recife (PE) 0,04%, Maceió (AL) 0,05%, Fortaleza (CE) 0,16%, Teresina (PI) 0,34% e Aracaju (SE) 0,33%.
João Pessoa (PB) foi a única capital da região com crescimento superior a 1%, avançando 1,01%. São Luís (MA) teve aumento modesto de 0,11%.
No total, o Brasil atingiu 213,4 milhões de habitantes em 1.º de julho de 2025, um crescimento de 0,39% em relação a 2024. As 27 capitais concentram 49,3 milhões de habitantes, ou 23,1% da população nacional.
Capitais do Nordeste: estimativa populacional e variação em 2025
UF | Município | População 2025 | TGC (%) |
Ceará | Fortaleza | 2.578.483 | 0,16 |
Bahia | Salvador | 2.564.204 | -0,18 |
Pernambuco | Recife | 1.588.376 | 0,04 |
Maranhão | São Luís | 1.089.215 | 0,11 |
Paraíba | João Pessoa | 897.633 | 1,01 |
Piauí | Teresina | 905.692 | 0,34 |
Alagoas | Maceió | 994.952 | 0,05 |
Rio Grande do Norte | Natal | 784.249 | -0,14 |
Sergipe | Aracaju | 630.932 | 0,33 |
Segundo o superintendente do IBGE na Bahia, André Urpia, a retração da população em Salvador é explicada por um conjunto de fatores, entre eles um movimento já observado em outras capitais, como Belo Horizonte, desde o Censo de 2010. “A capital perde dinamismo, enquanto os municípios vizinhos crescem de forma mais acelerada”, afirma.
Damião Ernane de Souza, analista da Seção de Disseminação de Informações do IBGE no Rio Grande do Norte, também destaca que a queda populacional de Natal pode ser explicada por diferentes fatores, entre eles saldos migratórios, envelhecimento e redução da fecundidade. “Dos 15 municípios da Região Metropolitana, apenas três apresentaram redução populacional nas estimativas de 2025 em relação a 2024: Ielmo Marinho, Natal e Tangará”, detalha.
Ele lembra que, no comparativo entre os Censos de 2010 e 2022, a capital também aparece com retração, enquanto cidades vizinhas crescem rapidamente. “Extremoz aumentou 150% no período, São Gonçalo 32% e Parnamirim 24%. Isso indica que parte da população está se redistribuindo dentro da região”, explica.
Outro fator importante é a mudança no perfil demográfico. “O número de filhos registrados em Natal caiu de 14.663 em 2003 para 9.290 em 2022. Já a população com 60 anos ou mais saltou de 12,7% em 2010 para 17% em 2022”, aponta.
Segundo o analista, esses dados ajudam a compreender como cidades médias ganham relevância diante da retração demográfica da capital. “Esse crescimento pode estar ligado à busca por novas oportunidades de moradia, trabalho e estudo em municípios vizinhos, que passam a se fortalecer como polos regionais”, avalia.
Enquanto capitais nordestinas enfrentam retração populacional, cidades médias crescem
Entre os 5.571 municípios do país, 2.079 (37,3%) apresentaram redução populacional. A maior parte das perdas ocorreu em cidades pequenas, com até 20 mil habitantes, que tiveram 45,8% de retração. Já os municípios com 100 mil a 500 mil pessoas tiveram maior proporção de crescimento acima de 1% (19%).
Urpia cita o exemplo de Lauro de Freitas, município da Região Metropolitana de Salvador que vem registrando taxas de crescimento superiores às da capital. “Além disso, o Censo mostra expansão em áreas próximas ao limite de Salvador, como Itapuã e São Cristóvão. É um indicativo de que parte da população está migrando para regiões periféricas e cidades vizinhas”, explica.
Para ele, esse deslocamento é favorecido por melhorias na infraestrutura urbana, maior oferta de serviços e melhor qualidade de vida em cidades do entorno. “Esse processo já aconteceu em outras regiões, como no interior de São Paulo, e tende a se estruturar também na Bahia”, avalia.
Outro ponto citado é a queda da natalidade em Salvador, que hoje se aproxima dos índices do Sudeste, além do histórico de altas taxas de desemprego. “Muitos baianos, não apenas de Salvador, têm buscado oportunidades em outros estados, especialmente Santa Catarina, que possui a menor taxa de desemprego do país”, observa.
O Nordeste concentra 39,2% dos municípios em queda, enquanto o Sul registra 41,6%. O Centro-Oeste lidera em crescimento, com 26,5% dos municípios aumentando acima de 1%.
Segundo Vagner Araújo, secretário municipal de Planejamento, do Orçamento e Gestão de Natal, a capital potiguar, assim como outras capitais, tem perdido população para municípios vizinhos, em um fenômeno conhecido como conurbação urbana. “Natal tem uma área pequena – a segunda menor do Brasil, com 167 km² – e está conurbada com São Gonçalo e Parnamirim”.
Ele explica que essa proximidade facilita a saída de moradores para cidades vizinhas. “Muita gente tem deixado Natal para morar nessas cidades próximas. Lá, os terrenos costumam ser mais baratos, o custo de vida é menor e surgem novas opções de moradia. Essas cidades tiveram crescimento populacional, o que comprova esse movimento de migração interna”, afirmada.
Araújo acrescenta que há quem tente permanecer em Natal, mas não consiga se firmar, acabando por ocupar áreas irregulares, como loteamentos sem infraestrutura, principalmente na Zona Norte e Oeste. “Isso leva muitas pessoas a buscar lugares mais estáveis nas cidades vizinhas”, complementa.
Outro fator destacado pelo secretário é o envelhecimento populacional e a redução do número de nascimentos, que contribuem para um crescimento mais lento da cidade ou até para a perda de moradores ao longo do tempo.
Araújo ressalta que é importante avaliar se essa diminuição populacional é positiva ou negativa. “Nem sempre a queda é ruim. Pode refletir uma redistribuição para municípios vizinhos mais baratos, que se tornam ‘cidades-dormitório’, sem perda do dinamismo metropolitano”, considera.
Para ele, o problema surge quando a redução populacional indica perda de competitividade, êxodo de jovens qualificados ou estagnação econômica – situações que podem ter ocorrido na década passada, mas que vêm se revertendo nos últimos anos.
“O ponto central não é apenas a quantidade de moradores, mas a qualidade de vida. Uma cidade que cresce de forma desordenada pode enfrentar graves problemas de mobilidade, saneamento e habitação. Já uma cidade que perde levemente população, mas melhora indicadores de renda, emprego e serviços, pode estar, na verdade, avançando”, conclui.
No caso de Salvador, a região metropolitana também apresentou retração populacional de 0,01%, sendo a única entre as regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes a registrar queda.
Para José Cláudio Rocha, professor pleno da Universidade do Estado da Bahia e coordenador do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB), além de economista, advogado e analista e desenvolvedor de sistemas, o primeiro fator relevante é o custo de vida elevado da capital baiana, que engloba moradia, alimentação, saúde e educação, contrastando com a perda salarial, o desemprego e a precarização do trabalho. “Essa combinação leva famílias a buscarem melhores condições em cidades vizinhas, como Lauro de Freitas, Camaçari, Simões Filho e Dias D’Ávila, ou até em outros estados”, observa.
Ele acrescenta que Salvador enfrenta ainda problemas estruturais em mobilidade, saneamento e segurança, que reduzem sua atratividade diante de cidades menores, percebidas como mais seguras e com maior qualidade de vida. Há também fatores culturais, como a baixa natalidade da capital em comparação a municípios do interior, o que reduz o ritmo de crescimento populacional.
Outro aspecto destacado é a mudança no mundo do trabalho, com o aumento do home office. “Esse modelo reduz as oportunidades para o comércio e serviços da cidade, impactando a dinâmica econômica”, explica.
Rocha chama atenção ainda para o deslocamento do dinamismo econômico para o território metropolitano, impulsionado por investimentos industriais, especialmente no Polo Industrial de Camaçari. Esse processo se combina à expansão da urbanização difusa, que levou a mancha urbana além dos limites de Salvador.
O pesquisador aponta ainda um movimento particular: a saída de praticantes de religiões de matriz africana, que necessitam de áreas maiores e verdes para seus rituais. “A expansão imobiliária de Salvador tem forçado esses grupos a se deslocarem para a Região Metropolitana, onde encontram espaços mais adequados e com custos menores”, afirma.
Impactos econômicos e redesenho populacional
O deslocamento populacional influencia diretamente a economia local e o planejamento urbano. Municípios médios e áreas periféricas demandam mais habitação, transporte e saneamento, pressionando os orçamentos municipais e exigindo novos modelos de governança.
A redistribuição também gera oportunidades para investidores: cidades médias com crescimento populacional acima da média atraem comércio, serviços e empreendimentos imobiliários. João Pessoa, por exemplo, registra aumento populacional superior a 1%, destacando-se como polo emergente na região.
O superintendente do IBGE na Bahia, ressalta que ainda não é possível falar em impacto direto na dinâmica econômica da capital baiana. “Salvador segue com um mercado de trabalho incapaz de absorver toda a força de trabalho disponível. Por isso, a saída de moradores ainda não representa uma perda significativa de competitividade”, conclui Urpia.
Na avaliação de Rocha, a perda de população traz impactos diretos para a economia da capital. Entre eles estão a queda na arrecadação tributária, com redução de receitas como IPTU e ISS, e a evasão de divisas, já que menos moradores significam menor consumo local. No médio e longo prazo, ele aponta também riscos de desvalorização imobiliária e de estagnação da construção civil.
Outro efeito é a pressão sobre políticas públicas. O deslocamento para municípios vizinhos exige readequações em transporte, saúde e educação, tanto em Salvador quanto nas cidades receptoras. Para Rocha, o mais grave é a possível perda de dinamismo econômico, com jovens migrando para centros como João Pessoa e Recife em busca de trabalho.
“É preciso repensar o modelo de desenvolvimento econômico de Salvador e da Bahia como um todo”, defende. Em seminários organizados pelo CRDH sobre economia criativa e oportunidades na RMS, ficou evidente, segundo ele, que a capital não consegue reter seus próprios moradores. “A baixa frequência de soteropolitanos ao Centro Histórico é um sintoma disso. Essas regiões não podem sobreviver apenas do turismo, que não existe sem a presença do cidadão local”, alerta.
Rocha destaca que é necessário investir na educação pública e privada, promover empreendedorismo de vanguarda e difundir a cultura de inovação nas empresas e organizações. “Salvador precisa romper com uma modernização conservadora e investir em ambientes de inovação capazes de gerar avanços empresariais, sociais e públicos”, conclui.
Concentração populacional e relevância regional
Cerca de 42,8 milhões de brasileiros vivem em apenas 15 municípios com mais de um milhão de habitantes, equivalentes a 20,1% da população. No Nordeste, Fortaleza (CE), Salvador (BA), Recife (PE) e São Luís (MA) somam 7,8 milhões, ou 18% do total dessas grandes cidades.
Entre municípios com mais de 500 mil habitantes que não são capitais, destacam-se Jaboatão dos Guararapes (PE) com 684 mil moradores e Feira de Santana (BA) com 661 mil. Esses locais atraem investimentos e ampliam o mercado consumidor regional.
Metodologia
As Estimativas da População são calculadas anualmente com base no Censo 2022, ajustadas por projeções de crescimento e alterações de limites municipais. A Taxa Geométrica de Crescimento (TGC) expressa a variação relativa da população entre 1.º de julho de 2024 e 1.º de julho de 2025. Os dados servem ao Tribunal de Contas da União (TCU) para cálculo dos Fundos de Participação de Estados e Municípios e orientam políticas públicas e decisões de investimento.
A Seção de Disseminação de Informações da Superintendência do IBGE no Rio Grande do Norte (SDI/RN) reforça que, com base nos dados produzidos e divulgados oficialmente, é possível identificar indicadores que ajudam a compreender as dinâmicas populacionais e a oferecer subsídios para o debate público e acadêmico. Contudo, ressalta que o IBGE não realiza análises ampliadas ou diagnósticos sobre fenômenos demográficos, nem emite pareceres, consultorias ou recomendações de natureza fiscal, tributária ou de investimento.
As contribuições do professor José Cláudio Rocha, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), partem de pesquisas realizadas no âmbito do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB), órgão suplementar da universidade considerado estratégico para o desenvolvimento sustentável da Bahia e do Brasil. O CRDH, sediado no Centro Histórico de Salvador, atua como ambiente de inovação social e desenvolvimento de tecnologias sociais. Rocha coordena os projetos “Bahia Sociedade 5.0: Arranjos Produtivos Locais, Inovações e Tecnologias Sociais” (CNPq, 2024-2027) e “Marcos Legais: colocando as mãos na massa – acesso à Justiça, Direitos Humanos e da Natureza e Desenvolvimento Sustentável” (UNEB, até 2030).