Jornalismo econômico para a inovação no Nordeste -
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17 de novembro de 2025 21:02

O Nordeste que resiste em contar sua história

O Nordeste que resiste em contar sua história

A região enfrenta o maior apagão informativo do país, com 890 municípios sem jornalismo local. Mas o crescimento das rádios comunitárias e dos nativos digitais mostra que a resistência e a renovação estão em curso

No mesmo ano em que a Globo celebra com estardalhaço seu primeiro centenário, o Diário de Pernambuco atravessa duzentos anos de circulação. Sem campanhas grandiosas ou comerciais em rede nacional, o jornal mais antigo em atividade da América Latina dobra a idade da maior emissora do país e resiste, silenciosamente, como símbolo de um Nordeste que continua escrevendo sua história jornalística com esforço, criatividade e reinvenção.

Fundado em 7 de novembro de 1825 pelo tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão, o Diário de Pernambuco é publicado na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco. Na época da sua criação, o Recife ainda não era oficialmente a capital do estado — fato que só ocorreria um ano e três meses depois. Desde então, o jornal acompanha as transformações políticas, sociais e culturais da região, mantendo-se como um importante espaço de informação e debate público.

A transformação do mercado de mídia na região é profunda, embora muitas vezes invisível para quem observa apenas os grandes centros. Enquanto grupos tradicionais enfrentam crises, novas formas de comunicação ganham força em rádios comunitárias, portais digitais e redes sociais.

Essa reconfiguração ocorre mesmo em um cenário desafiador: o Nordeste ainda concentra o maior número absoluto de desertos de notícias do Brasil, com 890 municípios sem nenhum veículo jornalístico local. Se considerados também os quase desertos — cidades com apenas um ou dois meios —, mais de 76% dos municípios nordestinos enfrentam uma cobertura informativa precária.

Ainda assim, há avanços. Segundo o Atlas da Notícia, 143 municípios deixaram de ser classificados como desertos na edição mais recente do levantamento, com o surgimento de 283 novos veículos — crescimento superior a 10% em relação a 2023. O impulso vem sobretudo das rádios e dos nativos digitais, que já representam mais de 85% das 3.011 iniciativas jornalísticas mapeadas na região. Em Angicos, no sertão potiguar, uma cidade com cerca de 12 mil habitantes, o portal Angicos Notícias e sua equipe de oito colaboradores romperam o silêncio informativo local.

Esse impulso tem rostos e sotaques próprios. Em Beberibe, bairro periférico do Recife, o coletivo Redes do Beberibe leva notícias pela internet a uma comunidade de mais de 500 mil pessoas. Em Sergipe, o portal Periféricos propõe uma narrativa feita da periferia para a periferia. No Piauí, a Coar Notícias se especializou em checagem de fatos, com foco justamente nos territórios onde a informação escasseia. Muitos desses veículos, sustentados por apenas uma pessoa e presentes exclusivamente nas redes sociais, desafiam o modelo tradicional — ao mesmo tempo em que preenchem lacunas graves de informação pública.

A concentração, no entanto, persiste. Capitais continuam liderando em número de iniciativas, como São Luís, no Maranhão, com 127 veículos jornalísticos. Já estados como Pernambuco (30), Rio Grande do Norte (23) e Bahia (22) estão à frente na redução dos desertos. Por outro lado, o Piauí segue no topo da lista com a maior quantidade e proporção de municípios sem jornalismo local: 163 cidades, ou 72,77% do estado.

O Nordeste vive, assim, um paradoxo: é simultaneamente um laboratório vibrante de novas formas de fazer jornalismo e a região com os maiores vazios informativos do país. Essa realidade impõe desafios à democracia e ao combate à desinformação — mas também revela caminhos. Onde há silêncio, há espaço para novas vozes.

Mapa Cajueira e o novo ecossistema do jornalismo independente

Entre rádios comunitárias, perfis no Instagram e portais tocados por uma única pessoa, o Nordeste tem visto surgir uma nova paisagem informativa. Longe dos polos tradicionais, iniciativas independentes ganham força e reparam narrativas estruturais em territórios historicamente silenciados. Um retrato desse movimento é o Mapa Cajueira, plataforma interativa lançada em 2023 que reúne mais de cem veículos da região, organizados por tema e formato. Criada a partir da rede Cajueira, a ferramenta permite explorar conteúdos sobre meio ambiente, raça, cultura, política local e outros temas raramente presentes na mídia hegemônica.

Fundada por cinco jornalistas nordestinas, a Cajueira nasceu em 2020 como uma newsletter quinzenal e cresceu com o propósito de descentralizar a mídia no Brasil. Seu manifesto denuncia os estereótipos que marcam a representação do Nordeste, entre a miséria e o exotismo, e propõe uma reinvenção: “É uma invenção gestada nas disputas de poder das elites”, afirma o texto. “A gente quer mostrar os frutos suculentos que nascem aqui.” Frutos como o Coletivo Sargento Perifa, que atua na comunidade do Sargento com diferentes projetos de comunicação popular. “Cada iniciativa tentava mostrar a mesma realidade de formas separadas. Quando nos unimos, conseguimos fortalecer a identidade da comunidade”, explica Martihene Oliveira, uma das coordenadoras.

O coletivo produz conteúdos sobre cultura, esporte, educação e cotidiano, reconfigurando a forma como a periferia é vista pelos próprios moradores. “A gente mostra o aniversário da rua, a vitória do time do bairro, a história da costureira que virou empreendedora. Isso muda como os moradores se veem”, diz Martihene. A atuação também impacta diretamente os desertos de notícias. “Em lugares onde ninguém chega, somos nós que contamos. Não é só questão de informar, é sobre existir, ter voz, ter vez.”

A sustentabilidade segue como o maior desafio. Com apoio de editais, vaquinhas e parcerias locais, o coletivo resiste com esforço contínuo. “A gente não quer caridade, quer oportunidade”, resume Martihene. Enquanto o jornalismo comunitário se firma como alternativa potente, ainda carece de visibilidade e apoio institucional. Mas os caminhos estão sendo abertos — mesmo que em silêncio, como brotos teimosos sob o asfalto.

A ascensão de novos grupos regionais

A recente movimentação do Grupo Asa Branca para assumir a retransmissão da TV Globo em Alagoas simboliza uma mudança importante na configuração do poder midiático no Nordeste. Originado em Caruaru (PE), o grupo já é responsável pela afiliada da Globo na região desde 1991 e agora amplia sua atuação para Maceió, com promessa de dobrar o quadro de funcionários e ampliar sua influência no mercado local. “Pode esperar investimento em comunicação, que é o que nós gostamos de fazer. Vamos entrar em qualquer ramo que haja possibilidade: não teremos limitação”, afirmou Vicente Jorge Espíndola, sócio fundador, em entrevista ao programa Conexão Alagoas.

Com atuação que abrange rádio, televisão, plataformas digitais, ensino superior e indústria, o Asa Branca vê na comunicação o centro de sua identidade. “É aquilo de ter a comunicação no sangue, ter no DNA. Comunicação é muita coisa para nós – é quase tudo”, complementou Espíndola. A estratégia do grupo envolve mais que a manutenção da retransmissão: inclui um plano robusto de digitalização e a adoção da tecnologia TV 3.0, que integra televisão e internet. “Vamos oferecer vídeo sob demanda e tantas outras capilaridades que a nova tecnologia nos oportuniza”, explicou Sidrack Ferreira, diretor-executivo.

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