Ao longo desta série já foram abordados conceitos que permeiam o hidrogênio verde, bem como os investimentos relacionados no Nordeste e como eles podem ajudar a incrementar a industrialização da região. Contudo, outro tema fundamental no debate do H2V é a respeito das políticas públicas que permeiam a fonte de energia eletrolítica, sejam para regulamentar, ajustar produção ou estabelecer concorrências, por exemplo. Nesse sentido, compreender quais são as principais medidas a respeito e como está o Brasil em relação a outros países ajuda a entender a posição que o hidrogênio de baixo carbono ocupa no país.
O continente europeu, orientado pela busca da neutralidade de carbono nos próximos anos e apressado pelas tensões geopolíticas da região, como a guerra na Ucrânia, busca, de maneira cada vez mais célere, autossuficiência em novas fontes de energia. Diante das necessidades, a Europa saiu na frente no quesito de políticas públicas com normas como a “REPowerEu” e a “Fit for 55”, medidas que buscam adotar fontes renováveis de energia em todos os setores, indo da construção, para a indústria, transporte e agricultura.
Contudo, além da questão geopolítica que cerca o velho continente, a Europa possui outra série de dificuldades na transição da matriz energética e para projetos como o do hidrogênio verde. Uma delas é em relação a produção de energias de baixo carbono, o que faz com que países europeus financiem investimentos em lugares como o Brasil, que possui um grande potencial energético limpo, necessários para o H2V.
É notável o grande potencial do Brasil para a produção do hidrogênio de baixo carbono, mas será que o país tem se mobilizado para desenvolver políticas públicas para aproveitar sua aptidão para o H2V?
Nos últimos meses, importantes medidas foram tomadas nesse sentido. Em agosto de 2024, o presidente Lula sancionou a lei 14.948, conhecida como novo Marco do Hidrogênio Verde. A medida, que foi sancionada no estado do Ceará, importante agente do combustível no país, visa regulamentar a produção, assim como a comercialização e uso de hidrogênio verde no país. Com a aprovação do marco, investidores aguardam a definição de incentivos fiscais, contudo, o presidente vetou trechos que tratavam de programas de subsídios para a nova cadeia industrial, que previa a concessão de R$18,3 milhões.
Outra importante política pública no campo do hidrogênio verde também foi decidida em 2024. Em setembro do último ano foi sancionada a lei 14.990 que dá origem ao Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC). Entre os vários objetivos do programa estão: o desenvolvimento do hidrogênio de baixa emissão de carbono e o hidrogênio renovável, o suporte às ações em prol da transição energética e o estabelecimento de metas objetivas para o desenvolvimento mercado interno de hidrogênio de baixa emissão de CO2. Para isso, o PHBC concederá crédito fiscal na comercialização de produtos como o H2V e derivados produzidos em território nacional. A estimativa é que o total de crédito entre 2028 e 2032 seja de R$ 18,3 bilhões, com os limites anuais de de R$ 1,7 bilhão em 2028, R$ 2,9 bilhões em 2029, R$ 4,2 bilhões em 2030, R$ 4,5 bilhões em 2031 e R$ 5 bilhões em 2032.
Apesar das políticas públicas em torno do hidrogênio terem ganhado destaque no último ano, essas medidas não foram pioneiras no Brasil. De acordo com a professora de Engenharia de Energias Renováveis na Universidade Federal da Paraíba, Sayonara Eliziário, o país cresceu muito em medidas públicas nos últimos 3 anos.
“O país avançou consideravelmente de 2021 para cá, muito em função da definição do códice, que é um comitê gestor do mercado de hidrogênio do Brasil, que veio a publicar o plano de trabalho trienal (PTT) voltado para o hidrogênio. Ele não foi a primeira iniciativa, na verdade, mas a partir desse plano houve uma série de determinadas ações para cada um dos eixos de trabalho”, explica a especialista. “São cinco eixos, no qual se desenvolveram as iniciativas voltadas para desenvolver esse mercado, essa economia de hidrogênio no Brasil, um deles é o eixo regulatório, em que eu considero que caminhou bastante.”
Hubs no Brasil
Essencial para o desenvolvimento do hidrogênio de baixo carbono, as hubs são alguns dos principais beneficiados da regulamentação da produção do combustível. As hubs nada mais são que infraestruturas que concentram a produção, armazenamento e distribuição de hidrogênio.
No Brasil, esse equipamento possui um programa específico que é a Hubs Brasil, que tem como objetivo instituir alguns vetores de investimentos, como pesquisas, financiamento, entre outros. De acordo com Sayonara, a grande vantagem dessa infraestrutura é em relação a diminuição de custos com transporte. “A grande questão do Hub é que ele facilita a problemática do transporte, porque se você tem a produção e a aplicação no mesmo local, você diminui muito os custos”.
Ao fim de 2024 o Ministério de Minas e Energia realizou uma chamada pública para seleção de projetos em hubs. A convocatória, foi uma parceria do ministério com o Reino Unido, no qual 70 propostas foram recebidas e apenas 12 que estavam no âmbito do PNH2 foram selecionadas. Hoje, o Brasil possui 14 hubs especificamente voltados para o mercado de hidrogênio, com destaque para estados como Bahia, Ceará, Pernambuco e Piauí.
Bahia
Com uma parceria entre o Ministério de Minas e Energia e a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), a Bahia busca ser um importante estado para a produção do hidrogênio de baixo carbono. Para isso, o estado se apoia em uma massiva quantidade de parques eólicos e solares, 205 e 35 respectivamente, além disso, a Bahia ainda conta com três portos públicos (Salvador, Aratu e Ilhéus) e o Polo Industrial de Camaçari.
Ceará
Ao discutir Hubs de hidrogênio verde no país, o Ceará tem ganhado muito destaque recentemente. Em outubro de 2024, o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) aprovou o maior projeto de hidrogênio verde do país, que fica localizado em Pecém. O programa prevê um investimento de R$17,5 bilhões com capacidade de produção de 1,2 gigawatts (GW), por ano, podendo chegar a 2,1 GW em uma possível segunda fase. A proposta é que o plano utilize bens e serviços nacionais e invista em pesquisa, desenvolvimento e ação.
A perspectiva é que este projeto gere 9 mil postos de trabalho diretos e indiretos. O início das operações está previsto para agosto de 2028.
Pernambuco
O Estado também vem se movimentando para ser um polo de hidrogênio verde. Em maio, o governo anunciou um acordo com a empresa Qair Brasil. Os investimentos da companhia francesa no Porto de Suape podem chegar a US$3,8 bilhões. Além disso, também há uma parceria com a Neoenergia para um projeto-piloto de produção de hidrogênio verde no mesmo porto como objetivo de preparar o local para ser um Hub de hidrogênio de baixo carbono.
Piauí
O governo do Piauí está em fase final de um dos maiores projetos para construção de hub voltados para a produção de hidrogênio de baixo carbono no país. O projeto é para a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Parnaíba, financiado pela empresa Solatio, que investirá cerca de R$27 bilhões na produção de hidrogênio e amônia verdes, com capacidade anual de 3 GW. A expectativa é que o programa gere 2,7 mil empregos diretos e indiretos.
Embora o hidrogênio de baixo carbono ainda possa ser considerado uma “novidade”, se de fato o Brasil deseja caminhar para um momento de neutralidade de emissão de gases do efeito estufa, o H2V é um aliado imprescindível. Para isso, avançar nas políticas voltadas para o setor de energias limpas se faz necessário. Nesse sentido, ao ser perguntada se o quadro ainda é incipiente, Sayonara afirma que não e destaca as legislações já existentes. “A 14948 já está valendo e se propõe a apoiar e priorizar as ZPEs. A 14.990 está em processo de consulta e tomada de subsídio pelo ministério da Fazenda”. Ela ainda aponta para dois obstáculos enfrentados na atual conjuntura. “Neste momento, dois entraves são, a liberação da Aneel (em função do planejamento energético/disponibilidade de infraestrutura) e os investimentos do setor privado, que são de grande vulto”.
Nesta luta pela neutralidade de carbono e, consequentemente, pelo retardamento do avanço das mudanças climáticas, não há medidas milagrosas. O H2V, como outras fontes de combustíveis, são apenas partes de uma solução que passa por um longo caminho de políticas públicas e investimentos privados.