
Ao combinar práticas modernas, custos acessíveis e foco em sustentabilidade, a Roça Sustentável tem ampliado a produtividade em propriedades da agricultura familiar no Maranhão. O sistema já registra aumentos de até 50% nas lavouras de arroz e milho e permite colher a mandioca até sete meses antes do ciclo tradicional.
A tecnologia é um pacote de soluções referenciado no Sistema Bragantino da Embrapa, desenvolvido pela Embrapa Amazônia Oriental (AM) na região de Bragança (PA) e adaptado pela Embrapa Maranhão (MA) às condições do estado. A solução surgiu por meio de um processo de inovação aberta, dentro das próprias comunidades rurais, como resposta à baixa produtividade e à dificuldade de acesso a práticas técnicas enfrentadas pela agricultura familiar.
Segundo o analista Carlos Santigo, responsável pela implementação da tecnologia em municípios maranhenses, o sistema foi adaptado às condições locais com o uso de variedades de mandioca regionais e biofortificadas, desenvolvidas pela Embrapa. Já as cultivares de feijão e milho são híbridas ou biofortificadas, enquanto as de arroz são específicas para o cultivo no Maranhão.
“Outro fator que difere é que o sistema ‘roça sustentável’ tem bastante flexibilidade de tamanho de área e variação de culturas para atender às necessidades da Comunidade e do produtor. As Unidades que estão instaladas são para o treinamento de técnicos e produtores na instalação e manejo da roça sustentável, para que, uma vez treinados, eles possam replicar e difundir o sistema agrícola ‘Roça Sustentável’”, explica Santiago.

O agrônomo Francisco Elias de Araújo, assentado no PA Cristina Alves, no município de Itapecuru Mirim (MA), relata que os agricultores da região já realizavam plantios em sistemas convencionais – como o corte e queima – e com mecanização simples, adotando tanto o policultivo quanto o monocultivo.
“Com o Consórcio Rotacionado para Inovação na Agricultura Familiar (CRIAF), a produção passou a ser mais organizada, com melhor aproveitamento da diversidade de culturas, uso de sementes e manivas de maior qualidade, além da aplicação adequada de máquinas, equipamentos, fertilizantes e capina química”, diz.
De acordo com Araújo, como principal resultado, houve aumento da produtividade e a possibilidade de reutilização das mesmas áreas em safras seguintes, beneficiadas pelo sistema de rotação “Ou seja, as culturas da agricultura familiar no sistema remuneram mais o produtor e reduz a pressão sobre abertura de novas áreas para exploração agrícola”, garante o agrônomo.
Cultivos diversificados e sem competição entre plantas
A proposta da Roça Sustentável é reorganizar o plantio de forma técnica e eficiente. Os cultivos são dispostos em fileiras, respeitando o espaço e as necessidades de cada planta, o que evita a competição por nutrientes, água, luz e espaço. As culturas que mais vêm sendo beneficiadas pela tecnologia são o arroz, o feijão e o milho.
Em termos de produtividade, os resultados são expressivos: a média estadual do arroz no Maranhão é de 1.500 kg por hectare, enquanto, na Roça Sustentável, esse número varia entre 2.250 kg/ha e 3.500 kg/ha. Já o milho, cuja média estadual é de 3.700 kg/ha, apresenta uma produtividade de 4.000 a 6.000 kg/ha no sistema sustentável.
“No entanto, a preferência para o agricultor familiar é colher o milho verde, com maior rentabilidade na comercialização de espigas, tendo um rendimento médio de 25.000 espigas comerciais viáveis por Unidade de um hectare. Já a mandioca que tem uma produtividade média no Maranhão de 8 toneladas por hectare, mas na ‘roça sustentável produz de 20 a 30 toneladas por hectare’”, detalha Santiago.
Segundo o analista, a diferença de produtividade também se reflete na qualidade dos alimentos. “São lavouras bem manejadas e que oferecem produtos de excelente qualidade culinária, tanto para o consumo da família, quanto para a comercialização dos excedentes”, comenta.
Além do consórcio, o sistema também adota a prática da “safrinha”, intensificando o uso da terra durante o período chuvoso e promovendo a rotação de culturas.
O objetivo é modernizar práticas tradicionais como a “roça no toco”, que envolve o desmatamento e uso do fogo, substituindo-as por técnicas sustentáveis e contínuas, sem a necessidade de derrubadas e queimadas.
Comparativo entre a Roça Sustentável e o sistema tradicional
| Sistema | Cultura | Produtividade | Tempo de Cultivo |
|---|---|---|---|
| Sistema Tradicional | |||
| Mandioca | 8 t/ha | 18 meses | |
| Arroz | 1.500 kg/ha | — | |
| Milho | 3.700 kg/ha | — | |
| Milho verde | — | — | |
| Roça Sustentável | |||
| Mandioca | 20 a 30 t/ha | 11 meses | |
| Arroz | 2.250 a 3.500 kg/ha | — | |
| Milho | 4.000 a 6.000 kg/ha | — | |
| Milho verde | 25.000 espigas/ha | — | |
Araújo relata que a produtividade média da mandioca no Maranhão é de 8 toneladas por hectare. No entanto, no assentamento, já estão alcançando 13 toneladas, e, no CRIAF, com 8.600 plantas da cultura, obtiveram 24 toneladas. Ele também destaca resultados positivos com o milho, alcançando padrão comercial de milho verde, além de bom desempenho do feijão cultivado na sequência do milho.
“Penso ser importante destacar que, além do aumento da produtividade, o sistema possibilitou a redução no ciclo da mandioca, encurtando o tempo de colheita de 18 para 10 meses”, afirma o agrônomo.
Com isso, Araújo ressalta duas mudanças importantes:
- A colheita, realizada em dezembro (10 a 11 meses após o plantio), ocorre antes do período chuvoso, o que evita grandes perdas por podridão das raízes;
- A área é liberada a tempo para o plantio de uma nova safra de mandioca e milho, com rotação entre as faixas: milho onde havia mandioca, mandioca onde estava o milho, e o feijão entra na sequência.
Santiago comenta que a aceitação do sistema por parte dos produtores tem sido positiva, pois não há rejeição das culturas. Isso porque é o próprio agricultor quem escolhe o que deseja plantar. “Arroz, feijão, milho e mandioca são apenas uma sugestão para o produtor, não tem imposição. Se o produtor só quiser produzir mandioca e milho, é a vontade dele que prevalece”, afirma.

Em relação ao retorno financeiro e à rentabilidade, o analista destaca que a Roça Sustentável apresenta resultados variados conforme a cultura. O feijão-caupi, por exemplo, é colhido no ponto de maior valor comercial — ainda verde, em vagem, entre 50 e 55 dias após o plantio, e vendido diretamente nas feiras. O milho verde é colhido entre 75 e 80 dias e comercializado em espigas. O arroz, por sua vez, tem ciclo de 90 dias até a colheita. Já a mandioca, embora seja a cultura com ciclo mais longo — com colheita aos 11 meses — é considerada a mais rentável entre todas.
Sustentabilidade e eficiência ambiental
A reconfiguração do sistema produtivo permite cultivar a terra de acordo com as necessidades nutricionais das culturas e com o manejo preventivo de pragas e doenças. Ao reduzir a abertura de novas áreas, a Roça Sustentável contribui para a preservação da vegetação nativa e para a recuperação de áreas degradadas.
Com o uso rotativo e consorciado das culturas, há ganhos na ciclagem de nutrientes, conservação do solo, controle de ervas daninhas e aumento da biodiversidade no ambiente rural.
Santiago destaca que o uso de tecnologias que permitem o cultivo por vários anos no mesmo local evita práticas nocivas como as derrubadas e queimadas do sistema tradicional de desmate e plantio. “O produtor que planta no sistema rudimentar precisa trocar de área a cada dois anos, porque o solo se infesta de ervas daninhas e ele não consegue mais cultivar ali, sendo obrigado a abrir uma nova área”, explica.
“Já na Roça Sustentável, ele pode utilizar herbicidas recomendados para cada cultura, aplicados na dose e no momento corretos, o que possibilita o cultivo contínuo na mesma área. O sistema, além de integrar culturas em consórcio, também permite a rotação entre elas”, acrescenta.
Além do aumento da produtividade, os benefícios ambientais têm sido notáveis. Segundo Santiago, quando o solo tem sua acidez corrigida e a fertilidade ajustada às necessidades das culturas, a resposta é significativamente melhor — com o mesmo esforço, o agricultor passa a produzir muito mais por hectare. Outro ponto positivo, segundo o analista, é a maior facilidade no controle de pragas e doenças, além da manutenção da diversidade produtiva na propriedade.
“Produzir arroz, feijão, milho e mandioca na mesma área é manter viva a tradição das culturas mais consumidas e plantadas pela agricultura familiar no Maranhão”, enfatiza.
Implantação nas regiões amazônica e do cerrado maranhense
A Roça Sustentável já está presente em diferentes regiões do Maranhão, com Unidades de Referência Tecnológica (URTs) instaladas em áreas estratégicas.
Há duas URTs em São Raimundo das Mangabeiras e Balsas, no Cerrado maranhense; três em Itapecuru-Mirim, nas comunidades quilombolas de Canta Galo, Jaibara dos Nogueiras e Outeiro dos Nogueiras; e uma em São Luís, na zona rural do bairro Maracanã.
Mapa das URTs no Maranhão
“Na região do Cerrado geralmente são latossolos que não inundam e o manejo da roça sustentável é muito facilitado, alcançando produtividades bem superiores às produtividades da região amazônica que possui muitas áreas inundáveis e a escolha da área deve priorizar terrenos mais altos, sem encharcamento, porque culturas como mandioca, milho e feijão não suportam terrenos alagados. No restante o manejo da lavoura é igual nas duas regiões”, detalha Santiago.
Essas unidades funcionam como vitrines tecnológicas, onde agricultores e técnicos acompanham de perto os resultados do sistema.
O conjunto tecnológico inclui práticas de manejo do solo e do uso da terra, associadas ao controle de pragas, doenças e ervas daninhas. O uso de defensivos agrícolas é permitido, desde que feito na dose e no momento corretos, com o menor impacto ambiental possível.
A adubação também é planejada para atender às necessidades específicas de cada cultura. A diversificação do plantio permite um aproveitamento mais eficiente dos nutrientes. O arroz, por exemplo, absorve cerca de 20% do potássio aplicado e deixa os 80% restantes na palhada. Quando a mandioca é plantada em seguida, esse potássio disponível é naturalmente incorporado ao novo ciclo produtivo.
Capacitação técnica e valorização dos produtores
A Embrapa Maranhão promove a multiplicação do conhecimento técnico por meio da implantação de URTs e da realização de capacitações em parceria com instituições públicas e privadas.
Os treinamentos envolvem práticas de manejo do solo, uso racional de insumos, fertilização, arranjos produtivos e visão empreendedora. O objetivo é permitir que os agricultores familiares dominem o sistema e viabilizem sua permanência com produtividade e renda.
“Temos um sistema com emprego de tecnologia e material genético mais diversificado do que antes. Hoje, contamos com opções de cultivares de mandioca com maior teor de amido, outras com porte mais ereto para sistemas consorciados, entre outras vantagens”, conta Araújo.

O agrônomo acrescenta que, da mesma forma, para a cultura do arroz, embora seja mais produtiva em áreas mais baixas do assentamento, foram desenvolvidos sistemas de produção com cultivares de alta produtividade, graças às parcerias com a Embrapa.
Produção excedente e comercialização no médio prazo
O impacto da tecnologia é visível logo no primeiro ano. Os agricultores conseguem suprir a alimentação da própria família e, à medida que mantêm o manejo correto, passam a obter excedentes.
Com isso, ampliam suas áreas de cultivo, diversificam a produção e começam a comercializar parte da colheita, gerando renda e fortalecendo a permanência no campo.
“Quanto à comercialização, a cultura que apresentou melhor resposta no sistema foi a mandioca. Inicialmente, houve incentivo por uma parceria com a AMBEV, mas o resultado mais significativo veio mesmo com a produção da tradicional farinha d’água amarela”, conclui Araújo.

