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22 de outubro de 2025 14:08

De cooperativas em Pernambuco a indústrias no Rio Grande do Norte, reciclagem impulsiona empregos e desafia políticas públicas

De cooperativas em Pernambuco a indústrias no Rio Grande do Norte, reciclagem impulsiona empregos e desafia políticas públicas

Cadeia da reciclagem movimenta a economia e promove inclusão, mas ainda enfrenta gargalos de infraestrutura, formalização e articulação com o poder público
Coleta seletiva realizada pela Coopcapa | Foto: Acervo Pessoal/Simone Olímpio.

A jornada de Simone Maria Barbosa Olímpio começa cedo. Ela atua na parte administrativa da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Paudalho (Coopcapa), localizada na Mata Norte de Pernambuco, e divide com os demais 25 cooperados o planejamento e a organização das atividades.

“Nosso trabalho é conscientizar a população da importância do descarte correto dos resíduos”, afirma Simone.  É um ofício digno, mas desafiador – especialmente na hora de convencer os moradores, como ela própria ressalta.

Essa resistência cotidiana está diretamente ligada ao papel central que os catadores desempenham dentro da cadeia da reciclagem – uma atividade que não apenas contribui com o meio ambiente, mas impacta diretamente outras áreas essenciais da sociedade.

“Nosso trabalho influencia de forma direta outras profissões, com ações de prevenção. Na saúde, por exemplo, colaboramos para evitar doenças. Também promovemos a economia circular, evitando o desperdício de dinheiro público quando esses materiais deixam de chegar aos canais inadequados”, explica.

Foto: Acervo Pessoal/Simone Olímpio

Integrar para transformar

Quem nos apresenta à realidade de Simone é Stela Costa, fundadora e líder de negócios da Semeei – Estratégia em Gestão de Resíduos, consultoria especializada que atua com foco na economia circular e na inclusão socioprodutiva de catadores e catadoras.

Sediada no Cabo de Santo Agostinho (PE), a empresa não se limita às fronteiras do estado: tem presença em outros territórios do Nordeste, como no Rio Grande do Norte, onde a cadeia da reciclagem já movimenta mais de 26 mil toneladas de resíduos por mês.

Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias de Reciclagem do Estado (SindRecicla-RN), Etelvino Patrício de Medeiros, esse volume gera mais de 24 mil empregos, entre diretos e indiretos – número que, segundo ele, pode dobrar com os incentivos certos. No entanto, o potencial ainda está longe de ser plenamente explorado. Com uma produção mensal de 80 a 85 mil toneladas de resíduos sólidos, menos de um terço é reaproveitado.

Valor médio por kg dos resíduos recicláveis no Rio Grande do Norte

 

Preços Médios por Kg do Resíduo – RN

Plástico: R$ 1,00
Vidro: R$ 0,05
Metal ferroso: R$ 0,80
Metal não ferroso (latinha): R$ 10,00
Eletrônico: R$ 1,50
Papelão: R$ 0,60
Papel branco: R$ 0,50

Fonte: Dados médios do mercado de reciclagem no Rio Grande do Norte.

O infográfico foi elaborado pelo Investindo Por Aí, a partir de dados concedidos pelo SindRecicla-RN

Ainda assim, o setor já reúne 42 indústrias de reciclagem e mobiliza mais de 30 mil trabalhadores, entre os quais estão 6 mil empregos diretos em fábricas e 18 mil indiretos, ocupados em grande parte por catadores e cooperativas.

Nesse contexto, a Semeei atua como elo estratégico entre os diferentes agentes da cadeia da reciclagem, buscando construir pontes onde antes havia desarticulação. Com base em escuta ativa e planejamento sistêmico, a consultoria estrutura soluções que dialogam com a realidade de cada território.

“Muitas vezes, empresas desenvolvem ações de sustentabilidade isoladas, enquanto o poder público lida com limitações estruturais e operacionais, e as cooperativas enfrentam desafios históricos de acesso a infraestrutura, capacitação e reconhecimento formal”, detalha Stela.

A missão da consultoria é transformar obrigações legais em oportunidades concretas, seja no cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos, seja na implementação da logística reversa, com impacto ambiental positivo e inclusão socioeconômica. “Há um potencial enorme ainda inexplorado, principalmente quando unimos planejamento urbano, metas ESG e economia circular. Acreditamos que a eficiência na reciclagem só será alcançada com inclusão – e isso exige tanto inovação quanto escuta ativa e valorização do trabalho dos catadores”, destaca.

Treinamento realizado pelo Semeei com a equipe da Coopcapa nesta quinta-feira (26) | Foto: Acervo Pessoal/Stela Costa

Transformações concretas a partir da base

A Semeei tem atuado diretamente no fortalecimento de cooperativas, com resultados visíveis em pouco tempo. Em diversas experiências, o apoio técnico à gestão, a capacitação dos cooperados e a melhoria nos processos de triagem resultaram em ganhos reais: mais produtividade, maior renda, segurança no trabalho e valorização da profissão.

“Quando apoiamos uma cooperativa com capacitação, estruturação da gestão e melhoria nos processos de triagem, os resultados aparecem rapidamente: aumento de produtividade, maior renda individual, mais segurança no trabalho e reconhecimento da profissão”, afirma Stela.

Ela cita como exemplo uma cooperativa que, após reorganizar sua gestão com o apoio da consultoria, aumentou em mais de 40% sua capacidade de processamento, elevou significativamente a renda dos cooperados e ainda passou a atrair empresas interessadas em alinhar suas metas ESG com impacto social real.

Outro caso emblemático, segundo Stela, envolveu um clube de futebol que buscava estruturar uma ação socioambiental para viabilizar um contrato de patrocínio. Com apoio da Semeei, foi elaborado um plano de gestão de resíduos que incluía a atuação de uma cooperativa local. Os resíduos gerados em jogos e eventos passaram a ser destinados corretamente, com impacto direto na geração de renda dos catadores — e, como consequência, o clube fortaleceu sua imagem institucional junto aos patrocinadores.

“Ações bem estruturadas, mesmo quando motivadas por metas de negócios, podem gerar benefícios concretos para os trabalhadores da reciclagem e para a cadeia como um todo”, ressalta.

Ferramentas como instrumentos de cultura e gestão

Para Stela, o caminho passa por associar estratégia, dados e cultura. Certificações ambientais e ferramentas de monitoramento não são apenas burocracias: são mecanismos para consolidar mudanças reais.

“A certificação Lixo Zero não é apenas um selo: ela propõe um modelo de gestão baseado em reeducação, rastreabilidade e compromisso com o reaproveitamento máximo de resíduos”, explica.

Aliada a isso, está a mensuração contínua de resultados. “O monitoramento de indicadores socioambientais nos permite traduzir ações em dados concretos, mostrando onde estão os gargalos e os avanços. Isso orienta decisões estratégicas, fortalece a governança e garante que os compromissos ESG deixem de ser discurso e se tornem prática.”

A proposta da Semeei é moldar essas ferramentas à realidade de cada organização – fugindo de soluções genéricas. “Na Semeei, fazemos com que essas ferramentas se encaixem na realidade de cada cliente; sem fórmulas prontas. O diferencial está justamente na personalização das soluções, considerando a vocação de cada território e os recursos disponíveis”, pontua.

Gargalos na infraestrutura e na formalização

Apesar dos avanços, os desafios enfrentados pelo setor seguem significativos e recorrentes. “No que diz respeito à infraestrutura, destaca-se a falta de unidades de triagem adequadas, a carência de equipamentos modernos e seguros, a deficiência na coleta seletiva e na logística de transporte, além da inexistência de espaços apropriados para o armazenamento dos materiais recicláveis”, declara Medeiros.

Foto: Acervo Pessoal/Stela Costa

A informalidade ainda é um obstáculo expressivo. “Observa-se um grande número de catadores e cooperativas atuando de forma informal, sem acesso a direitos, benefícios ou apoio institucional. A ausência de capacitação em gestão e as dificuldades burocráticas para a regularização jurídica e fiscal das organizações também representam entraves importantes para o fortalecimento do setor“, reforça.

Outro ponto crítico é a ausência de uma articulação sólida com o poder público. “São raros os contratos firmados entre prefeituras e cooperativas para a realização da coleta seletiva, e os investimentos públicos são escassos e muitas vezes descontinuados a cada nova gestão”, comenta o presidente da SindRecicla-RN.

“Isso prejudica a consolidação de iniciativas e impede a criação de uma cadeia da reciclagem sólida e inclusiva”, complementa.

A realidade nos municípios

Esses obstáculos também se refletem no cotidiano de catadores em cidades menores, como destaca Paulo Francisco da Silva, presidente da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Arez (AMAREZ), município da Região Metropolitana de Natal, a cerca de 60 km da capital.

Paulo reforça que, além da infraestrutura, um dos maiores desafios está na falta de apoio da população e do poder público, e também na baixa articulação entre cooperativas, o que enfraquece o setor e facilita a atuação de atravessadores.

“O que é preciso é de política pública voltada para o setor da reciclagem, criação de cooperativas ou associação com estrutura para que possamos desenvolver a atividade de forma mais humanizada e com retorno financeiro para os profissionais da reciclagem e assim possam ter uma vida digna”, declara.

Foto: Acervo Pessoal/Paulo Francisco da Silva

A trajetória de Paulo revela como a reciclagem se torna alternativa concreta de sobrevivência. Ele começou a trabalhar no lixão de Arez no início dos anos 2000, logo após retornar do Rio de Janeiro. “Eu havia acabado de chegar na minha cidade vindo do Rio de Janeiro e não encontrei nenhuma oportunidade de trabalho e foi exatamente no lixão que eu comecei a enxergar a oportunidade que eu tanto buscava”, conta.

Hoje, com mais de duas décadas de atuação, ele deixa um recado direto à sociedade e aos gestores públicos. “A sociedade precisa entender que tem responsabilidade com o lixo que ela produz, é necessário um trabalho de conscientização permanente nesse sentido”, afirma.

E conclui com um apelo: “O poder público também precisa reconhecer que essa é uma atividade que deve ser remunerada, pois realizamos esse trabalho hoje praticamente com custo zero para o município e usamos nossos próprios recursos”.

O que ainda falta para o setor deslanchar

Apesar dos exemplos de sucesso, Stela Costa identifica três pilares que ainda faltam para que o setor da reciclagem avance com consistência no Brasil: vontade política, capacitação técnica e articulação intersetorial.

“Muitos municípios ainda tratam a gestão de resíduos como um custo, e não como uma oportunidade de desenvolvimento local e inclusão. Já no setor privado, algumas empresas ainda encaram suas metas de ESG como uma obrigação de compliance, sem compreender o potencial de transformação que existe quando se aposta em soluções integradas com cooperativas e municípios”, critica.

Stela Costa à esquerda e Paulo Francisco da Silva ao meio | Foto: Acervo Pessoal/Paulo Francisco da Silva

Ela também aponta a necessidade de incentivos financeiros e marcos regulatórios mais robustos, que estimulem o investimento em tecnologias limpas, em infraestrutura de triagem e em contratos justos com cooperativas. Na visão da especialista, o ponto de partida está em mostrar que é possível, e viável, fazer diferente.

“A Semeei acredita que o primeiro passo é mostrar que dá certo: com planejamento, metas claras, capacitação e uma boa articulação entre setores, é possível cumprir a política nacional e, ao mesmo tempo, gerar valor social e ambiental”, conclui.

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