O Brasil tem intensificado o apoio à participação feminina no comércio exterior por meio de iniciativas da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil). O destaque é o Programa Mulheres e Negócios Internacionais (MNI), que em junho deste ano celebrou dois anos de atuação com um encontro em Salvador, reunindo lideranças femininas, empreendedoras e instituições parceiras.
A diretora de Negócios da ApexBrasil e idealizadora do MNI, Ana Paula Repezza, explica que o programa foi criado com o objetivo de inserir empresas lideradas por mulheres nas cadeias globais de valor, apoiando-se em pilares como inteligência comercial, qualificação, promoção comercial, expansão internacional e atração de investimentos.
“Desde o lançamento do Programa, em junho de 2023, foram realizadas 138 ações no âmbito do MNI; destas, 17 ações foram específicas para empresas lideradas por mulheres e 121 foram ações inclusivas, ou seja, que incluem entre os critérios de seleção pontuação extra para empresas lideradas por mulheres”, detalha Ana Paula.
Em dois anos, o MNI apresenta resultados expressivos: já impactou mais de 4 mil empresas brasileiras lideradas por mulheres, realizou cerca de 3,5 mil atendimentos e apoiou diretamente mais de 2 mil negócios por meio de iniciativas da ApexBrasil.
Nordeste como prioridade estratégica
Dados do SheTrades Outlook e do programa Elas Exportam, uma inciativa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e ApexBrasil, apontam que a região é estratégica tanto pela biodiversidade quanto pelo capital humano. A interseção entre gênero, raça e território aparece como elemento central para uma nova geopolítica do comércio internacional.
A especialista da ApexBrasil e responsável pelo MNI, Maira Cauchioli Rodrigues, ressalta que a agência tem dado prioridade ao Nordeste nas iniciativas institucionais, por meio de políticas de incentivo à participação de empresas da região e de ações realizadas diretamente nos estados. “O foco da Agência, no que diz respeito à região norte e nordeste é o atendimento de micro e pequenas empresas, cooperativas familiares, startups e empreendedoras rurais, para que essas empresas possam se inserir nas cadeias globais de valor”, afirma.
Entre as empresas nordestinas lideradas por mulheres, destacam-se as chamadas “novas exportadoras” — negócios que iniciaram suas operações internacionais com o apoio da ApexBrasil. São quatro exemplos: a Latitude 13 Cafés Especiais, que nasceu do sonho de oferecer ao mercado brasileiro os mesmos cafés de alta qualidade produzidos há mais de 20 anos em suas fazendas na Chapada Diamantina (BA) e já exportados para Europa, Estados Unidos e Ásia; a Rodopar, também baiana, reconhecida nacionalmente como fabricante de ferramentas para mineração com alto rendimento e tecnologia; a Areia Dourada Comércio e Indústria de Vestuário e Acessórios, do Rio Grande do Norte; e a Tempo Turismo, agência de viagens sediada em Fortaleza (CE).
Impacto e alcance do Programa Mulheres e Negócios Internacionais
Confira abaixo o número de empresas impactadas diretamente pelo MNI, distribuídas por porte e por estado:
Porte | Quantidade | Participação |
Demais | 801 | 37,6% |
Empresa de Pequeno Porte | 308 | 14,4% |
Micro Empresa | 976 | 45,8% |
Sem Informação | 23 | 1,1% |
N/D | 24 | 1,1% |
Total Geral | 2132 | 100,0% |
Região | Quantidade | Participação |
Região Centro-Oeste | 168 | 7,9% |
Região Nordeste | 287 | 13,5% |
Região Norte | 169 | 7,9% |
Região Sudeste | 1041 | 48,8% |
Região Sul | 443 | 20,8% |
N/D | 24 | 1,1% |
Total Geral | 2132 | 100,0% |
Fonte: ApexBrasil
Segundo Ana Paula, o impacto das ações do Programa Mulheres e Negócios Internacionais pode ser percebido no número de empresas atendidas pela ApexBrasil ao longo dos últimos anos. Ao final de 2023, ano em que o Programa foi lançado, registrou-se um aumento de 33,4% no número de empresas lideradas por mulheres apoiadas pela instituição.
Em 2024, do total de 20.596 empresas atendidas pela ApexBrasil, 4.288 (20,8%) autodeclararam ser lideradas por mulheres. O crescimento é expressivo quando comparado aos anos anteriores: em 2022, foram 2.161 empresas apoiadas; em 2023, o número subiu para 2.883.
“É um programa que envolve mais de 40 profissionais, pontos focais de áreas da Presidência, de Gestão Corporativa e de Negócios, e mais de 80 instituições parceiras. Desde seu lançamento, em junho de 2023, foram realizadas 138 ações no âmbito do MNI; das quais 17 foram específicas para empresas lideradas por mulheres e 121 foram ações inclusivas”, aponta a diretora.
Ana Paula também destaca que o Programa tem alcançado reconhecimento internacional. Em 2024, recebeu o prêmio de Boas Práticas do Movimento Elas Lideram 2030, concedido pela Rede Brasil do Pacto Global da ONU, e o prêmio internacional WTPO Awards 2024 – Excellence in Export Development Initiatives, concedido pelo International Trade Centre (ITC). Já em 2025, o “Elas Exportam” — programa realizado em parceria com o MDIC e o Sebrae, inserido no escopo do MNI — recebeu o Prêmio de Igualdade de Gênero no Comércio, na categoria Mulheres Empreendedoras.
“Atualmente o Programa busca alcançar também a diversidade étnico-racial, e tem focado em estratégias com recorte interseccional. Realizamos a ação Mulheres e Negócios Internacionais Territórios – Salvador, focada em empreendedoras negras da Bahia e que promoveu workshops, networking, capacitação em skills de exportação e estratégias direcionadas a produtos com identidade afro-brasileira, fortalecendo visibilidade e participação brasileira nesse mercado”, reforça.
Entre as parcerias estabelecidas, estão instituições e iniciativas voltadas ao apoio do empreendedorismo afro, como a Funafro e a Feira Preta, que contribuem para ampliar a divulgação das ações e oportunidades junto a empresas lideradas por pessoas negras. “A inclusão de mais mulheres em atividades de exportação gera aumento de renda, que consequentemente contribui com investimentos em saúde, educação e bem-estar das suas comunidades e gerações futuras”, considera Ana Paula.
Segundo ela, o Programa MNI contribui diretamente para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: ODS 5 — alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; ODS 8 — trabalho decente e crescimento econômico; e ODS 10 — reduzir as desigualdades dentro e entre os países.
Ainda há um longo caminho para ampliar a participação feminina no comércio exterior
Apesar dos avanços, ainda há obstáculos a serem superados para ampliar a presença feminina no setor exportador brasileiro. Em 2024, apenas 14,5% das empresas exportadoras do país eram lideradas por mulheres — cerca de 4.170 empresas — e, em termos de valor exportado, somente 2% do total tinha origem em negócios com maioria feminina.
Maira analisa que persistem barreiras estruturais que dificultam o protagonismo desse público, como o acesso restrito ao crédito, a carência de capacitação especializada e a baixa visibilidade em cadeias de valor globais. Para ela, superar esses entraves exige ações direcionadas, com recorte interseccional, contemplando simultaneamente questões de gênero, raça e território.
“Nesse sentido, é necessário fortalecer políticas públicas, intensificando e coordenando iniciativas entre órgãos, a exemplo do que tem sido feito com o programa Elas Exportam”, diz.
Além disso, a especialista aponta que experiências territoriais bem-sucedidas, como a realizada em Salvador, ainda serão expandidas e replicadas em outros estados do Nordeste, com o reforço de parcerias estratégicas envolvendo governos estaduais, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e instituições voltadas à igualdade racial.
A coordenadora do Sebrae Delas, Renata Malheiros, explica que a instituição apoia mulheres no comércio exterior com cursos online, capacitações e mentorias realizadas em parceria com a ApexBrasil e o MDIC. “Focamos tanto na parte técnica como na socioemocional e na formação de redes. Exemplo disso é o projeto Elas Exportam, cuja idealização e operacionalização foi feita em conjunto com o Sebrae. Nele, mulheres que já exportam mentoram mulheres que farão sua primeira exportação”, afirma.
Protagonismo feminino no empreendedorismo nordestino ganha visibilidade
Renata comenta que, de uma maneira geral, há uma taxa relevante de empreendedorismo feminino no Nordeste. A média brasileira é de 34,1%, sendo que diversos estados nordestinos apresentam média superior, como é o caso do Ceará (36%), Bahia (35%), Pernambuco (35%) e Sergipe (35%). “A cultura nordestina é marcada pela criatividade e viés inovador, o que contribui para esse alcance, desde que haja infraestrutura necessária”, reforça.
É esta criatividade que encontramos na Exhibida Beauty. A empresária Alexia Luz começou a vender maquiagem quando as filhas gêmeas nasceram. Foi uma decisão que ela tomou para complementar a renda. Ela foi criando kits de maquiagem e começou a perceber que as pessoas gostavam daquela abordagem mais personalizada, de kits.
Daí, surgiu a oportunidade de ter uma linha de batons, com uma fábrica terceirizada. Ela conta que conseguiu lançar essa linha, mas elas ficaram prontas dois meses antes da pandemia. Isso frustrou os planos dela. Na época, as vendas ficaram comprometidas e ela comenta que também ainda não sabia nada sobre como gerir um negócio. Por isso, a ideia acabou ficando meio de lado.
Em 2023, ela retomou o projeto com uma nova linha de batons e glosses, com pigmentos e glíteres. E foi quando começou a entender o seu lugar, de que o que ela estava fazendo era inovação. Pensando em diversidade, ela consegue atender hoje até 20 tons de pele em pó compacto, sendo desses 10 tons só tonalidades para as mulheres negras.
“Então são produtos pensados para diminuir nosso tempo em maquiagem, pois sabemos que nosso dia a dia é extremamente agitado e não temos tempo de ficar com uma skin care de 30 etapas e maquiagem de 30 etapas. Precisamos de algo que realmente nos poupe tempo e nos ajude a melhorar nossa pele enquanto usamos isso”, comenta.
“Principalmente nossos produtos têm performance. Performance de aguentar o calor do nosso Nordeste, de nossa Teresina. Então, nossos produtos têm proteção solar, fator 50, e também temos produtos para aguentar o brilho, para aguentar a oleosidade”, acrescenta Alexia.
Ela diz que está trabalhando agora para lançar um sérum facial de caju. “O caju é o símbolo maior da nossa cidade, Teresina. Eu acho que não tem como vir em Teresina e não comer um caju, como não tomar uma cajuína. E pensando nisso, estamos criando um sérum de caju, que é um sérum facial antioxidante, hidratante e para deixar a pele sequinha”.
Ela conta que participar do programa de startups do Sebrae foi fundamental. “Nós não somente crescemos dentro do programa, como conseguimos entender nosso lugar dentro das startups, nosso público e para quem eu queria vender. Hoje a Exhibida Beauty consegue se entender como uma marca de beleza inteligente para mulheres ocupadas”.
O papel do Sebrae no crescimento de marcas
O Sebrae é a principal entidade de formação de competências técnicas (planejamento, finanças, mercado) e socioemocionais (liderança, comunicação assertiva, negociação, etc) necessárias ao exercício do empreendedorismo, segundo Renata.
“Temos especial atenção a grupos sub-representados como mulheres, pessoas negras e periféricas. Temos, inclusive, um programa nacional voltado a esse público, o chamado Programa Plural, cujo arcabouço engloba projetos como o Sebrae Delas, voltado para mulheres, e projetos de Afroempreendedorismo, voltado para pessoas negras em todo o Brasil”, comenta a coordenadora.
Desafios
O principal desafio a ser enfrentado pela ApexBrasil é compreender as especificidades e desafios do empreendedorismo de pessoas negras e das regiões Norte e Nordeste, para adequar suas ações e desenvolver outras que sejam necessárias para tornar esses apoios cada vez mais efetivos.
“Ainda precisamos enfrentar o desenvolvimento de estudos de inteligência comercial que apliquem a lente de gênero, raça e atributos de regionalidade aos diferentes mercados para identificação daqueles que são mais inclusivos e diversos, portanto, que valoriem a perspectiva de gênero, raça e território como diferenciais competitivos”, relata Ana Paula.
A diretora comenta que o empreendedorismo feminino se caracteriza predominantemente por sua concentração nos setores de serviços e em pequenas e microempresas, conforme documentado por diversos relatórios de organismos internacionais, como o Banco Mundial, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esses estudos destacam que as mulheres enfrentam barreiras estruturais, como acesso limitado ao crédito, às redes empresariais e aos mercados internacionais, o que as direciona para setores de menor intensidade de capital.
“Além disso, pequenas empresas lideradas por mulheres frequentemente recorrem a exportadoras indiretas para inserir seus produtos em mercados internacionais. Com isso, a sobrecarga com trabalhos domésticos, cuidados de crianças, idosos e da casa torna o cenário ainda mais desafiador, pois as mulheres costumam não ter tempo necessário para se dedicar às suas empresas e desenvolvimento profissional, em virtude da tripla jornada de trabalho”, reforça.
Segundo Ana Paula e Renata, políticas públicas como a universalização de creches, restaurantes e lavanderias comunitários podem ajudar a desafogar essa sobrecarga. Segundo estudos do Sebrae, as mulheres empreendedoras dedicam 17% menos horas aos seus negócios do que os homens. Ambas destacam que, segundo o IBGE, as mulheres dedicam o dobro de horas às tarefas de cuidado do que os homens.
No entanto, tanto as exportações indiretas quanto as exportações de serviços, comuns entre micro e pequenas empresas, geralmente não são mensuradas nas estatísticas internacionais. Isso resulta na invisibilização da contribuição real dessas empresas lideradas por mulheres no comércio global. Relatórios do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e do Fórum Econômico Mundial enfatizam a urgência de melhorar os métodos de coleta e análise de dados para refletir de forma mais precisa as contribuições dessas empresas ao comércio global e avançar em direção a um desenvolvimento econômico mais inclusivo e equitativo.
Renata ainda chama atenção para as barreiras culturais enraizadas, como preconceitos e estereótipos de gênero e raça, que ainda representam significativo obstáculo a esses grupos na hora de negociar e acessar mercados, inclusive os financeiros, necessários para alavancagem de recursos e crescimento da empresa.