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25 de abril de 2024 11:25

A Regulamentação das Criptomoedas

A Regulamentação das Criptomoedas

O Projeto de Lei (“PL) nº 3.825 de 2019, de autoria do Senador Flávio Arns (REDE/PR), objeto de análise deste artigo, consagra em seu texto disposições que, embora baseadas em exatidões técnicas, figuram como potenciais ameaças ao futuro da tecnologia com pouca ou nenhuma consideração à sua natureza, uso e futuro.

Por Dra. Jessyca Arieira e Dr. Leonardo Nigri

O mercado de criptoativos, que teve seu pico no cenário econômico brasileiro em 2018 vem amanhecendo com uma vista diretamente voltada para um horizonte repleto de possibilidades, inovações e oportunidades. Entretanto, em que pesem as centenas de projetos com potenciais promissores desenvolvidos com base em sua tecnologia, é fato que a sua presença no mercado brasileiro há muito pendia de uma regulamentação própria capaz de trazer ordem às operações realizadas pelos operadores do mercado que se utilizam de criptoativos e da tecnologia blockchain, por exemplo.

Como se sabe, todo o ideal por trás das criptomoedas, especificamente, tem como preceito fundamental a disseminação da independência e da autonomia de cada um dos agentes que as utilizam, mediante a criação de um ambiente de controle descentralizado que confere a cada um dos indivíduos que dele fazem parte a possibilidade de atuar como os “julgadores” daquilo que pode ou não ser considerado válido perante o próprio sistema, a ser decidido com base em um protocolo próprio e integralizado. Desta forma, este modelo de ambiente faz com que o consenso geral, atingido através da manifestação individualizada de cada participante, elimine a necessidade de um centro de controle, tornando-o um sistema seguro, igualitário e extravagantemente disruptivo quando comparado aos sistemas que hoje utilizamos.

Entretanto, os players do mercado de criptoativos rapidamente identificaram a necessidade da criação de pequenos intermediários, cuja funcionalidade não implica em uma alteração no modelo descentralizado anteriormente descrito, mas sim em um maior conforto para aqueles que desejam adquirir e transacionar criptoativos. As chamadas exchanges são pessoas jurídicas de direito privado, constituídas sob a forma de empresas dos mais variados tipos (geralmente empresas de responsabilidade limitada, ou sociedades anônimas por ações), e que muitas vezes fornecem serviços de custódia, compra, venda e câmbio de criptoativos, em muito facilitando sua movimentação pelo sistema, sendo capaz ainda de gerar lucros aos seus clientes.

Conforme mencionado anteriormente, o cenário operacional dos criptoativos no Brasil não está inteiramente regularizado, contando apenas com algumas portarias e Instruções Normativas esparsas, emitidas por órgãos reguladores federais, tais como a Receita Federal e o Banco do Brasil, respectivamente. Na tentativa de regulamentar o serviço fornecido pelas exchanges, bem como dos próprios criptoativos, estes órgãos trouxeram regramentos que, muitas vezes, não refletiam a verdadeira realidade operacional das exchanges, ou, ainda, veiculavam conceitos inadequados quanto aos criptoativos, sua natureza e a melhor forma para seu tratamento.

O Projeto de Lei (“PL) nº 3.825 de 2019, de autoria do Senador Flávio Arns (REDE/PR), objeto de análise deste artigo, consagra em seu texto disposições que, embora baseadas em exatidões técnicas, figuram como potenciais ameaças ao futuro da tecnologia com pouca ou nenhuma consideração à sua natureza, uso e futuro.

De início, aponta-se para a mais relevante alteração trazida pelo Projeto de Lei: a atribuição do Banco Central como órgão de fiscalização e controle das exchanges, inclusive condicionando sua existência e funcionamento à autorização do BACEN. O Banco Central, como se sabe, foi criado para, dentre outras atribuições, regular o funcionamento das instituições financeiras que pretendem se instalar em território brasileiro, mantendo um rígido controle acerca das operações por estes realizadas, impondo, ainda, procedimentos e protocolos a serem seguidos para que as instituições financeiras que se encontrem sob sua competência fiscalizadora possam se manter operantes.

Entretanto, fato é que as exchanges de criptoativos, alvo principal do Projeto de Lei, em nada se relacionam com as instituições financeiras comumente reguladas pelo BACEN, de modo que não emitem nem tampouco transacionam moedas fiat, diga-se, utilizadas por entidades soberanas, não concedem linhas de crédito nem empréstimos, sendo, portanto, incapazes de se submeterem às mesmas exigências e normas impostas aos grandes bancos de varejo, por exemplo. Se não bastasse, aponta-se ainda para o fato de que os volumes transacionados diariamente por uma exchange não se comparam àqueles movimentados por instituições financeiras de grande porte, que possuem, inclusive, uma estrutura interna centenas de vezes maior, apta a lidar com as inúmeras burocracias que lhe são impostas.

Indo de encontro com sua própria “lógica”, o Projeto de Lei pretende ainda impor às exchanges diversas obrigações manifestamente descabidas, tais como a necessidade de manter em ativos de liquidez imediata o equivalente ao valor em reais aportado por seus clientes (art. 9º, II), exigência esta que não só se mostra como total e absolutamente impossível de ser cumprida, mas que sequer é feita aos bancos e demais instituições financeiras reguladas pelo BACEN, evidenciando assim uma espécie de tratamento “especial” que vem sido conferido às empresas e negócios que se utilizam de criptoativos na prestação de seus serviços, quase como se a regulação que lhes é imposta tivesse como verdadeiro objetivo inviabilizar seu funcionamento mediante uma enchente de exigências e requisitos notadamente incoerentes.

Como parte dessa regulação “diferenciada” a ser exercida pelo Banco Central sobre as exchanges, dispõe ainda o artigo 14 do Projeto de Lei quanto à possibilidade de que o BACEN, a qualquer momento, requisite documentos e livros de escrituração referentes aos dados por elas armazenados sem, no entanto, apresentar uma justificativa cabível para tanto. Caso aprovado, este Projeto de Lei fará com que a todo e qualquer momento possa o Banco Central questionar as exchanges quanto à origem, integridade e destinação, tanto das negociações através delas realizadas quanto dos clientes que se utilizam de seu serviço, de modo que poderão, ainda, ter sua autorização de funcionamento suspensa, mesmo que sem indícios da prática de um ilícito tipificado em lei.
Mais uma vez estamos diante de uma exigência imposta pelo Legislador que não só deixa de ser aplicável aos bancos e demais instituições financeiras e que terá por finalidade apenas embarreirar o bom funcionamento das empresas do segmento de criptoativos, que constantemente irão operar com o receio de que a transação mais recente realizada em sua plataforma seja a última, assim gerando e promovendo a insegurança no serviço prestado.

Ao dispor ainda em seu artigo 9º, inciso III, quanto à necessidade de que a exchange mantenha o patrimônio de seus clientes apartado de seu próprio conjunto de bens, o Projeto de Lei não teceu maiores considerações quanto ao mecanismo que seria adotado para tornar tal disposição realmente efetiva, fazendo ainda com que o impedimento de bloqueio dos ativos e valores aportados pelos clientes em suas respectivas contas, constantes no inciso II do artigo 8º, tenha verdadeiramente quedar-se inefetivo, eis que quando invocado em sede judicial não surtirá qualquer efeito, haja vista a falta de uma logística operacional capaz de tornar-lhe operante na prática.

Aventurando-se a regulamentar a oferta pública de criptoativos, comumente referida como ICO (initial coin offering) ou ITO (initial token offering), o Projeto de Lei, em seu artigo 7º, de certa forma, reiterou aquilo que já era de conhecimento comum, mas sem dispor quanto às suas consequências. Como se sabe, desde novembro de 2017, com a divulgação de Nota Técnica pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quaisquer ofertas públicas de ativos digitais que representassem lucros oriundos do esforço de terceiros ou que representassem partes de uma companhia seriam por ela regulamentados, como se fossem Ofertas Públicas de Ações. Entretanto, o precitado artigo 7º do PL teve que ir além, atribuindo à CVM a regulamentação de todo e qualquer processo de tokenização que seja publicamente ofertado, sem lidar com algumas situações resultante de tal disposição, tais como as dos i) projetos de tokenização já aprovados pela CVM; ii) dos projetos rejeitados pela CVM e que tiveram sua linha de operação suspensa pela falta de autorização; iii) dos projetos de tokenização dispensados de autorização pela CVM; e iv) das empresas que foram multadas pela CVM por terem realizado projetos de tokenização sem sua autorização ainda que em um ambiente desprovido de uma regulamentação palpável quanto ao assunto.

Em que pese a pendência de aprovação do Projeto de Lei nº 3.825 de 2019 por ambas as casas legislativas, bem como o veto ou sanção do Presidente da República depreende-se, desde já, quanto ao risco que ele representa, eis que aparenta ter sido editado em total desacordo não só com a aplicabilidade da tecnologia utilizada pelas exchanges, mas ainda com o ideal que a embasa. Sendo o sistema dos criptoativos baseado em um modelo verdadeiramente ímpar, descentralizado e que promove a privacidade do indivíduo que o integra figura-se verdadeiramente contra intuitivo conferir a um órgão governamental clássico a incumbência de regulação dos negócios que se utilizam desta tecnologia, atitude esta que, caso seja adotada pelo legislativo nacional, terá o condão de pôr em risco a viabilização de sua continuidade, potencialmente atirando o mercado brasileiro em uma rota que tem o retrocesso como destino final.

 

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