Nos últimos anos, o Brasil tem intensificado os esforços para reposicionar seu agronegócio no cenário internacional. De vilão ambiental, frequentemente apontado por índices de desmatamento e emissões, o setor agora busca ser reconhecido como protagonista nas soluções climáticas globais. Impulsionado por sua relevância econômica e pela crescente pressão internacional por uma economia de baixo carbono, o agro brasileiro se articula para assumir um novo papel: o de aliado estratégico na transição verde.
Durante o evento “Rumo à COP 30: O agronegócio e as Mudanças Climáticas”, promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o presidente da conferência, o embaixador André Corrêa do Lago, afirmou que o agronegócio brasileiro “faz parte da solução”, e que o Brasil pretende dar protagonismo ao setor agrícola durante o evento em Belém. O discurso marca uma tentativa de mudar a narrativa que historicamente associa o agro ao desmatamento ilegal e à degradação ambiental. Mas, até que ponto essa mudança é viável?
O professor Jorge Dietrich, coordenador dos cursos de Agronegócio da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica que ainda não é possível afirmar que o agro brasileiro, nas condições atuais, seja um agente de mitigação climática. “O setor responde por cerca de 70% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, segundo dados do INPE. No entanto, o Brasil tem um enorme potencial para tornar seu agronegócio ainda mais sustentável”, avalia.
Segundo ele, esse potencial passa por práticas como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) – já realizada em algumas regiões, o plantio direto e a recuperação de áreas degradadas. “Se houver compromisso do setor, incentivos adequados e cumprimento das leis ambientais, o agronegócio pode, sim, se transformar em um aliado no combate às mudanças climáticas”, afirma.
Inovações e programas existentes
Apesar das críticas e da imagem ainda desgastada, o setor já registra avanços concretos. O professor da ESPM cita que, entre as principais iniciativas, estão o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que incentiva práticas sustentáveis com menor emissão de carbono, e o sistema ILPF, que promove o uso eficiente da terra com menor impacto ambiental. Também se destaca o uso de biocombustíveis, como o etanol de cana-de-açúcar, que representa uma alternativa menos poluente frente aos combustíveis fósseis. Outras práticas com potencial são o plantio direto e a recuperação de pastagens degradadas. No entanto, como pondera Dietrich, a avaliação dos impactos dessas tecnologias deve considerar o escopo de atuação, objetivos e estratégias desejadas. “É fundamental que a avaliação seja contínua e considere variações climáticas, manejo e tecnologia utilizada, além de alinhar os dados com certificações e programas de crédito de carbono para validar o impacto. Envolver agricultores e técnicos no monitoramento prático e na adoção das melhores práticas também deve fazer parte do processo”, completa Jorge.
Créditos de carbono têm potencial, mas sua eficácia é limitada
Alguns mecanismos de mercado para redução de emissões, como os créditos de carbono agrícolas, surgem como uma das ferramentas mais promissoras para financiar essa transformação. Na teoria, produtores que adotam práticas sustentáveis podem gerar créditos negociáveis no mercado, monetizando a redução de emissões. No entanto, segundo Dietrich, na prática, os entraves são muitos: falta de regulamentação, baixa adesão e conscientização dos produtores, e dificuldades técnicas.
“O potencial é grande, mas ainda há limitações importantes. No entanto, com políticas claras, apoio governamental, infraestrutura adequada e maior conscientização, esse mecanismo pode se tornar uma ferramenta importante para reduzir as emissões do setor agropecuário”, explica.
Ainda segundo o professor, a conscientização é um problema no mundo inteiro. De acordo com o Madrid Energy Conference (maio de 2025), ainda há resistência da população quando há aumento no custo de vida, como em energia e transporte. “A população entende que existe a mudança climática, mas muitas vezes não quer pagar um custo extra para proteger o meio ambiente (e isso se reflete nas políticas empresariais e governamentais).”
Entre o discurso e a realidade
A tentativa de reposicionar o agro como solução climática esbarra em uma questão delicada – a persistência de práticas predatórias. O desmatamento na Amazônia e no Cerrado, associado à expansão da fronteira agrícola, continua sendo uma realidade. Dados do INPE mostram que grande parte das áreas desmatadas é convertida em pastagens, evidenciando um conflito entre o discurso sustentável e a prática de campo.
“Ainda existe o risco de o Brasil exportar alimentos ‘verdes’ enquanto mantém práticas convencionais para o mercado interno. Esse fenômeno, conhecido como “dupla moral ambiental” ou greenwashing estrutural, pode ocorrer principalmente quando os mercados externos têm exigências mais rígidas, enquanto o mercado interno é menos regulado, ou até com segmentação da cadeia produtiva, em que as empresas mantêm duas cadeias em paralelo: uma certificada para exportação e outra convencional, menos sustentável, para consumo interno. Essa prática precisa ser combatida com fiscalização rigorosa e regras de certificações confiáveis”, ressalta o professor da ESPM.
Outro ponto essencial no debate é como equilibrar justiça climática e inclusão social nas políticas agrícolas voltadas à sustentabilidade, visto que o agronegócio brasileiro é altamente competitivo, mas a distribuição da riqueza gerada pelo setor é desigual. Pequenos produtores ainda enfrentam dificuldades de acesso a crédito, assistência técnica e infraestrutura.
“A sustentabilidade só será real se for também socialmente justa”, resume Dietrich. Para ele, é necessário criar incentivos acessíveis, valorizar saberes locais e integrar metas sociais às políticas ambientais. “Precisamos de políticas agrícolas que cuidem do clima, mas que também promovam dignidade, renda e cidadania.”
Agro precisa passar por transição real e profunda
O esforço do Brasil em transformar seu agro em pilar da economia verde é legítimo e estratégico, especialmente diante das pressões por descarbonização global e da chegada da COP 30. No entanto, a consolidação dessa nova narrativa exige mais do que boas intenções. São necessários marcos regulatórios claros, governança robusta, fiscalização efetiva e, sobretudo, vontade política para alinhar o crescimento do setor aos compromissos climáticos.
O agronegócio brasileiro pode, sim, ser parte da solução. Mas, para isso, precisará passar por uma transição real e profunda, que vá além dos discursos e se enraíze em práticas sustentáveis, transparentes e inclusivas. A meta é ambiciosa, mas o Brasil tem o potencial e a responsabilidade de ser exemplo no uso estratégico de seus recursos naturais.
Este texto integra a série especial de reportagens do Investindo Por Aí sobre a COP30.