O segundo dia do evento Energia 360 Alagoas: Caminhos para a Segurança Energética reuniu especialistas, CEOs e autoridades para discutir os desafios da integração energética no Brasil, num cenário global cada vez mais complexo.
De painéis técnicos sobre a convergência entre gás e eletricidade à visão estratégica sobre o papel do país em uma ordem internacional multipolar, todos os atores foram unânimes em apontar o protagonismo do Nordeste no futuro da matriz energética brasileira.
Brasil como porto seguro em um mundo instável
Abrindo a programação, o cientista político e professor da FGV Oliver Stuenkel contextualizou o momento atual de transição da ordem global – de um consenso unipolar dos anos 1990-2000 para um cenário multipolar, com ascensão de China, Índia e do próprio Brasil. Oliver explica que esse novo arranjo traz instabilidade para as potências econômicas do século 20 e redireciona os investimentos dos setores sociais para a defesa, inclusive em países centrais como a Alemanha.
No setor energético, o impacto é direto: guerras e disputas comerciais estão atrasando cronogramas da transição verde. Ainda assim, o Brasil aparece como um fornecedor confiável de energia limpa, fora dos grandes conflitos geopolíticos – fator que o torna um destino atrativo para investimentos em energia renovável e infraestrutura.
“O país tem uma chance única de liderar pela estabilidade e pela sustentabilidade. Mas precisa investir em autonomia tecnológica, agregar valor à produção e trazer indústrias para perto da geração de energia – especialmente no Nordeste”, alertou Stuenkel.
Integração energética: equilíbrio entre renováveis, gás e segurança
No painel sobre Integração Energética e Estabilidade, especialistas abordaram como a crescente participação das renováveis na matriz brasileira – cerca de 40% da capacidade instalada já vem de solar e eólica – exige novos modelos técnicos e regulatórios.
A consultora Carolina Szczerbacki, da Origem Energia, destacou que o Brasil tem uma grande oferta de energia renovável, como a solar e a eólica. No entanto, essas fontes são chamadas de intermitentes — ou seja, dependem de condições climáticas e nem sempre produzem energia de forma constante.
Além disso, os sistemas que conectam essas fontes à rede elétrica usam inversores eletrônicos, e não grandes turbinas girando como nas hidrelétricas, o que reduz a chamada “inércia mecânica” do sistema. Isso torna a rede mais sensível a variações bruscas e pode dificultar o controle da tensão e da frequência da energia que chega até os consumidores. O desafio, portanto, é garantir que toda essa energia renovável seja integrada de forma segura, estável e eficiente ao sistema elétrico nacional.
O CEO da RegE Consultoria, Tiago de Barros, endossa: “o Brasil precisa de soluções integradas, como estocagem de gás, baterias, redes inteligentes e contratos que valorizem os atributos de flexibilidade e resiliência. E não existe solução única, precisamos de mercados que reconheçam e precifiquem esses serviços”, afirmou.
A diretora da EPE, Heloísa Borges, defendeu o gás natural como peça-chave da transição energética até pelo menos 2070. “O gás ainda é essencial para garantir flexibilidade, segurança energética e redução de emissões, principalmente se armazenado em campos depletados. Precisamos tratá-lo sem tabus”, disse.
Campos depletados são a forma mais simples e comum de estocagem geológica. Consiste em um reservatório que já produziu petróleo ou gás e é formado por estruturas rochosas de baixa permeabilidade.
CEO Talks: transição energética começa pelo consumidor e pela governança
O painel CEO Talks reuniu os líderes da Origem Energia e da PetroRecôncavo, Luiz Felipe Coutinho e José Firmo respectivamente, para uma conversa franca sobre o futuro do setor e as mudanças em curso.
Coutinho defendeu que a competitividade do gás não pode ser medida apenas pelo preço, mas também pela flexibilidade de fornecimento, estocagem e penalidades contratuais justas.
O executivo criticou a falta de planejamento no processo e a ausência de um modelo centrado no consumidor. “Precisamos educar o mercado e o regulador para essa nova realidade”, disse.
Já José Firmo destacou a importância das operadoras independentes para a revitalização de campos maduros e para o desenvolvimento regional. Com operações concentradas no Nordeste, a PetroRecôncavo investe R$ 2 bilhões por ano, sendo 70% nas regiões onde atua. “Nossas operações viraram motor econômico local. Isso só foi possível com eficiência, governança e visão de longo prazo”, afirmou.
Nordeste: polo de inovação e segurança energética
O papel do Nordeste na transição energética foi reforçado ao longo de todo o evento. A região, que concentra boa parte do potencial solar e eólico do país, também avança com projetos como o de estocagem subterrânea de gás natural em Alagoas, o primeiro da América Latina.
Para Stuenkel, esse protagonismo precisa estar vinculado ao desenvolvimento socioeconômico. “É preciso atrair fábricas, indústrias de hidrogênio verde, produção de baterias. O Nordeste pode deixar de ser apenas gerador de energia e se tornar uma cadeia produtiva completa”, disse.
O recado dos painéis foi claro: o Brasil tem os recursos, a posição geográfica e a estabilidade necessárias para liderar a nova matriz energética global. Mas precisa investir em governança, infraestrutura, qualificação e integração entre setores.
O evento mostrou que a transição energética no país não será feita apenas pela adoção de renováveis, mas pela capacidade de integrar gás, eletricidade, inovação e justiça social em uma estratégia nacional robusta – com o Nordeste no centro dessa equação.