Inaugurada em 2018, a GNR Fortaleza é uma unidade de produção de biometano instalada no município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (CE). A usina capta e trata o biogás gerado no Aterro Sanitário Municipal Oeste de Caucaia (ASMOC), responsável pelo recebimento da maior parte dos resíduos sólidos da região metropolitana.
Segundo Nelson Calixto, coordenador de limpeza urbana da Secretaria Municipal da Conservação e Serviços Públicos (SCSP), a pasta foi responsável pela contratação da EcoFor, concessionária encarregada pela implantação e operação do ASMOC.
A usina tem capacidade de produzir até 100 mil metros cúbicos por dia de biometano – um combustível equivalente ao gás natural. De acordo com os responsáveis pelo projeto, esse volume representa cerca de 20% do consumo total de gás natural do estado do Ceará.
A diretora da GNR Fortaleza, Suzana Marinho, destaca que a planta já se consolidou como referência nacional em inovação, eficiência e sustentabilidade na produção de biometano a partir de resíduos sólidos urbanos. “A usina foi responsável por cerca de 32% de todo o biometano produzido no Brasil em 2024, segundo dados da ANP. Com injeção direta na rede da Cegás, a planta supre aproximadamente 15% da demanda total de gás natural distribuída pela companhia no Ceará”, afirma.
Suzana ressalta ainda que a unidade ostenta a melhor nota de eficiência energético-ambiental do país, concedida pelo programa federal RenovaBio.
Inovação com desafios estruturais
Resultado de uma parceria entre o Grupo MDC e o Grupo Marquise, o empreendimento é o primeiro do Norte e Nordeste a transformar passivos ambientais em energia renovável. Um modelo pioneiro que, como ressalta a diretora, também enfrenta obstáculos importantes.
“O principal desafio está na infraestrutura nacional de distribuição de gás, que ainda é limitada e desigual entre as regiões. A ausência de uma malha de gasodutos mais ampla compromete o potencial de escala e, muitas vezes, exige a logística por caminhões – o que eleva os custos e pode inviabilizar economicamente alguns projetos”, analisa Suzana.
Ela também aponta a destinação inadequada de resíduos, a exemplo do uso ainda recorrente de lixões em muitos municípios, como um entrave à qualidade e estabilidade da matéria-prima necessária para a produção do biogás. “É essencial que políticas públicas avancem na erradicação de lixões e fortaleçam o uso de aterros sanitários legalizados – condição básica para qualquer projeto sério de valorização energética dos resíduos”, destaca.
Nesse sentido, o coordenador Nelson Calixto afirma que a Prefeitura de Fortaleza tem implementado diversas políticas públicas com foco na sustentabilidade. “A gestão vem buscando incentivar um comportamento mais consciente e ativo da população na preservação ambiental”, explica.
Ele ressalta que a usina de biogás do ASMOC está alinhada à visão de desenvolvimento sustentável da cidade. “Na SCSP, temos ações voltadas para a gestão de resíduos sólidos, como a promoção da coleta seletiva, incentivo à economia circular por meio da reciclagem e também projetos inovadores, como os biodigestores instalados em escolas municipais, que reaproveitam o material orgânico da merenda escolar, transformando-o em biogás e fertilizante líquido”, complementa Calixto.
Certificação e créditos de carbono
A GNR Fortaleza opera sob certificação da Organização das Nações Unidas (ONU), dentro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), e foi a primeira usina no Brasil a injetar biometano em gasoduto com reconhecimento do programa RenovaBio.
A planta também integra o projeto 4209 do Verified Carbon Standard, que valida a emissão de créditos de carbono por meio das Unidades de Carbono Verificado (VCUs).
Atualmente, a operação evita a emissão de aproximadamente 500 mil toneladas de CO₂ equivalente por ano na atmosfera.
Do biogás ao biometano: como funciona o processo
O biometano produzido na usina tem origem no biogás gerado a partir da decomposição da matéria orgânica presente nos resíduos aterrados. Esse biogás contém alta concentração de metano – um gás com potencial de aquecimento global 28 vezes superior ao do CO₂.
O processo industrial da GNR Fortaleza realiza a purificação do biogás, convertendo-o em biometano, um combustível com especificações compatíveis com as normas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O produto final pode ser injetado diretamente na rede de distribuição de gás natural ou usado como substituto em veículos e aplicações industriais.
Rota do lixo à energia renovável
Expansão e oportunidades no setor
A experiência da GNR Fortaleza já serve como modelo para outros projetos no Brasil. Segundo a diretora Suzana Marinho, os planos de expansão da Marquise Ambiental estão em andamento.
“A intenção é levar esse conceito para outras unidades de aterro sob gestão do grupo, tanto no Ceará quanto em outros estados. Hoje, o gargalo tecnológico da purificação já está superado – existem soluções viáveis, eficientes e economicamente competitivas no mercado nacional”, afirma.
O maior desafio, segundo ela, está na adaptação de cada projeto ao seu contexto local. “As condições legais, operacionais e de mercado variam muito entre municípios. Fatores como disponibilidade de rede de gás, perfil de consumo e a estrutura regulatória precisam ser avaliados caso a caso”, observa.
Apesar dos obstáculos, Suzana reforça o potencial do setor. “Nosso compromisso é com soluções que integrem resíduos, energia e desenvolvimento. O modelo é escalável, realista e pode transformar a gestão de resíduos no país”, conclui.