Apesar dos avanços pontuais, a região Nordeste ainda enfrenta graves desafios no acesso à água tratada, coleta e tratamento de esgoto. O Ranking do Saneamento 2025, divulgado recentemente pelo Instituto Trata Brasil, analisou os 100 municípios mais populosos do país a partir de dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA), com ano-base 2023. O estudo ressalta a grande diferença existente entre as regiões brasileiras e acende um alerta de que a universalização do saneamento até 2033, como prevê o novo marco legal, está em risco, especialmente no Norte e Nordeste.
Entre as 20 cidades com os piores indicadores de saneamento do país, a maioria está nas regiões Norte e Nordeste. Municípios como São Luís (MA), Juazeiro do Norte (CE), Teresina (PI), Jaboatão dos Guararapes (PE) e Maceió (AL) figuram nas últimas posições da lista. Esses locais registram índices alarmantes de acesso à coleta de esgoto, com destaque negativo para São Luís, que trata apenas 15,89% dos resíduos.
Em contraponto, cidades do Sudeste como Campinas (SP), Limeira (SP) e Niterói (RJ) lideram o ranking, com quase a universalização do serviço e investimentos robustos. Segundo Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, essa discrepância regional não é nova, mas tem se aprofundado com o tempo: “Quando avaliamos os 100 maiores municípios, as 20 melhores cidades estão especialmente na região Sudeste do país, enquanto as 20 piores estão majoritariamente no Norte e Nordeste. O atendimento total de água, por exemplo, nas 20 melhores é de 99%, enquanto nas 20 piores é de 81,5%. Para coleta de esgoto, a diferença é ainda maior: 97,4% (acima do esperado pelo marco legal de saneamento) contra apenas 30%”.
Um dos principais motivos para esse cenário é a diferença no volume de investimentos. De acordo com o estudo, o investimento médio das 20 melhores cidades é de R$ 176 por habitante/ano, enquanto nas 20 piores ele despenca para R$ 78, valor muito abaixo da média considerada necessária, que é de R$ 223,82 por habitante/ano.
A situação é ainda mais preocupante quando se observa que nenhuma cidade do Norte ou Nordeste investe acima da média ideal. No Nordeste, a média de investimento por habitante é de apenas R$ 82,18, quase três vezes menos do que o necessário.
“A lógica é simples: o saneamento não foi priorizado, por isso não buscou-se a realização de investimentos, de obras ao longo dos anos e, com isso, não houve avanço em relação a esses indicadores ”, afirma Luana Pretto.
Cidades nordestinas e seus índices no ranking
Apenas algumas exceções no Nordeste destoam desse cenário. É o caso de Vitória da Conquista (BA), que ocupa a 23ª posição no ranking nacional e representa um exemplo positivo na região. Salvador, por exemplo, é uma das cinco capitais com mais de 80% de tratamento de esgoto.
Em contraste, diversos municípios nordestinos enfrentam desafios severos. Caucaia (CE), com perdas na distribuição de água abaixo do limite (20,27%); Juazeiro do Norte (CE) com apenas 22% de tratamento de esgoto; Teresina (PI), a perda de água é considerada aceitável (24,20%), mas o tratamento de esgoto é muito baixo (19%); e Jaboatão dos Guararapes (PE) também se destaca negativamente com apenas 24% de coleta de esgoto.
A cidade de Maceió (AL) apresenta uma das piores perdas de água do país, com 71,73%, além de integrar a lista das 20 piores no ranking geral. Já Petrolina (PE) investe apenas R$ 15,33 por habitante, valor insignificante frente à necessidade local.
A precariedade dos serviços de saneamento básico impacta diretamente outros indicadores sociais. “A falta de saneamento gera uma piora nos indicadores de saúde, que consequentemente levam a uma piora na escolaridade média e que levam a uma piora na renda média da população de uma maneira geral”, explica a presidente-executiva do Instituto.
No Nordeste, a escolaridade média de quem tem acesso ao saneamento é de 8,49 anos, enquanto quem não tem acesso registra apenas 6,71 anos. A renda média também é menor: R$ 2.130 para quem vive em áreas com saneamento, contra R$ 1.450 para quem não tem acesso ao serviço.
O papel da iniciativa privada e os desafios à frente
Diante da fragilidade econômica de muitas companhias estaduais de saneamento, a iniciativa privada tem se mostrado uma alternativa viável para alavancar investimentos, principalmente porque as companhias estaduais de saneamento básico passaram por um processo de comprovação da capacidade econômico-financeira, segundo Luana. Modelos como PPPs e concessões vêm sendo implementados em estados como Ceará, Alagoas e Amapá, com o apoio do BNDES.
Apesar de avanços pontuais, o ritmo ainda é lento. O novo marco legal de saneamento, que estipula a universalização até 2033, exige agilidade, planejamento e vontade política. “O prazo é curto, a demanda é enorme e o ciclo de vida dos projetos de engenharia para a universalização do saneamento é grande e longo. É necessário fazer o projeto, o licenciamento ambiental e as obras, que precisam de investimentos pesados. Então, é muito importante que haja priorização desse tema e, caso não haja comprovação da capacidade econômica financeira, que se busque parcerias nas estruturas regionalizadas para alavancar esses investimentos e buscar soluções que tragam uma expectativa de vida melhor para a população”, completa Pretto.
Conscientização da população sobre o tema é fator essencial
A presidente-executiva do Instituto Trata Brasil também destaca a importância da conscientização da população sobre o tema. “Muitas vezes, por desconhecimento, por não entender que o filho fica doente por conta da falta do saneamento, que ele tem muitas vezes menor desenvolvimento na escola por conta disso, a população não exige o avanço do saneamento e, para muitos governantes, o saneamento é visto como aquela questão de que “obra enterrada não dá voto”. Então, somado à falta de conscientização, com a falta de vontade política, esse tema foi se deixando de lado, os investimentos não aconteceram e por isso que a gente vive hoje essa realidade”, explica a executiva.
A recomendação específica do Instituto Trata Brasil em relação aos gestores municipais do Nordeste é a priorização do tema saneamento básico. “É preciso haver o entendimento de que há um custo muitas vezes enorme de saúde coletiva, de tratar internações, de ter casos de mortes por conta da falta de saneamento, que poderia ser evitado com o investimento na saúde preventiva – saúde que leva acesso à água tratada e a coleta e tratamento dos esgotos”, finaliza Luana.