
De acordo com relatório divulgado no dia 28 de julho pela Organização das Nações Unidas (ONU), após cinco anos de índices preocupantes, o Brasil deixou oficialmente o Mapa da Fome, um compromisso assumido pelo governo Lula. O anúncio foi feito durante evento oficial da 2ª Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, em Adis Abeba, na Etiópia.
Segundo o levantamento, menos de 2,5% da população está em risco de subalimentação (situação em que uma pessoa consome, de forma habitual, menos calorias do que o necessário para manter uma vida ativa e saudável).
O Mapa da Fome é elaborado pela FAO, agência da ONU especializada em Alimentação e Agricultura, e mede o acesso da população à alimentação suficiente para uma vida ativa e saudável.
O Brasil já havia saído da lista de países com fome em 2014. No entanto, após a análise dos dados de 2018 a 2020, a ONU recolocou o país na categoria, apontando um aumento da insegurança alimentar no período.
Neste marco importante para o Brasil, o Nordeste, mais uma vez, desempenhou um papel crucial, principalmente por meio de políticas públicas focadas na realidade socioeconômica e climática particular da região, historicamente a mais vulnerável à insegurança alimentar.
“Há pelo menos duas décadas, o Nordeste se tornou um laboratório de ações que combinaram programas sociais, apoio à agricultura familiar e iniciativas de convivência com o semiárido”, explica Laura Santana, socióloga da Universidade Federal de Alagoas.
Segundo um levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), em uma pesquisa realizada entre 2021 e 2022, a situação de insegurança alimentar no Nordeste era alarmante.
A pesquisa revelou que 21% dos domicílios no Nordeste enfrentavam a insegurança alimentar grave, ou seja, as famílias passaram por restrição de alimentos, incluindo crianças, e a fome se tornou uma realidade diária. Esse percentual foi o segundo maior do país, atrás apenas da região Norte.
Em alguns estados, a situação era ainda mais crítica: em Alagoas, 36,7% das famílias viviam com insegurança alimentar grave. Outros estados com altos índices foram Sergipe (30%), Piauí (25,7%) e Ceará (25,3%).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, com dados de 2023, mostrou que 6,2% dos domicílios no Nordeste enfrentavam insegurança alimentar grave. Embora ainda seja um número alto, foi uma redução importante em relação aos picos de 2022.
Programas de inclusão social e distribuição de renda
A base do sucesso foi o fortalecimento de programas de inclusão social e renda que impactaram diretamente a vida da população mais pobre nordestina.
A região foi a principal beneficiada pelo Bolsa Família, que garantia uma renda mínima para milhões de famílias. O acesso a esse recurso permitiu que essas famílias pudessem comprar alimentos de forma regular.
De acordo com dados oficiais, em janeiro de 2025, o Nordeste concentrava o maior número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família entre todas as regiões do Brasil. A região tinha 9,46 milhões de famílias contempladas. A Bahia, com 2,46 milhões de famílias, tinha o maior número de beneficiários do programa na região.
O programa em si, no entanto, não garante que famílias que precisam dele serão beneficiadas. “Se nos últimos anos voltamos para o Mapa da Fome é porque o programa foi sendo deixado de lado, sem uma ação para que ele de fato funcionasse. Nisso, a atuação dos governos do Nordeste foi fundamental, porque vimos os estados se unirem em um pacto para intensificar a busca por pessoas em situação de vulnerabilidade, garantindo que elas fossem incluídas no Cadastro Único e, consequentemente, em programas sociais como o Bolsa Família e outros benefícios”, afirma a socióloga.
Agricultura familiar e abastecimento
O combate à fome no Nordeste não se limitou à distribuição de renda, mas também se concentrou em fortalecer a produção de alimentos de forma sustentável e local.
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): Essencial para o Nordeste, o PAA comprava a produção de agricultores familiares por preços justos e a distribuía para a rede socioassistencial, como escolas e restaurantes populares. Isso não só garantiu o acesso a alimentos frescos para a população carente, mas também gerou renda para os pequenos produtores.
Programa de Cisternas: Uma das iniciativas mais emblemáticas da região, que permitiu que milhões de famílias do semiárido tivessem acesso à água para consumo e produção, garantindo maior autonomia e resiliência diante da seca.
Nessa lida, o Consórcio Nordeste se tornou um ator-chave na luta contra a fome, unindo os nove estados para criar e implementar políticas públicas regionais. A cooperação permitiu o compartilhamento de boas práticas e a articulação com o governo federal para fortalecer programas como o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), além de programas estaduais, como o “Bahia Sem Fome” e o “Ceará Sem Fome”.
A Secretária de Combate à Pobreza e à Fome, Luiza Trabuco, destaca que a maioria das pessoas em risco de insegurança alimentar no país está localizada em 500 municípios, com grande parte deles no Norte e no Nordeste.
Em virtude disso, a segunda etapa do programa Brasil Sem Fome irá focar em uma busca ativa de famílias que ainda não possuem assistência, priorizando as capitais e cidades de médio porte nessas regiões.
A secretária também menciona que a instabilidade de acesso à alimentação é explicada pela desigualdade, que está “impressa” em quem passa fome, incluindo pessoas de regiões que historicamente não receberam investimentos públicos, como o Nordeste.
								
 
							