
Em setembro, o Carnaval de Salvador foi oficialmente reconhecido como manifestação cultural do Brasil. A sanção da Lei nº 15.196, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, traz luz à principal festa popular do país e consolida juridicamente a celebração como uma das principais expressões da identidade cultural nacional.
O gesto simbólico do Governo Federal coloca a capital baiana em evidência e pode proporcionar desdobramentos concretos nos campos político, econômico e turístico. Em entrevista ao Investindo Por Aí, o secretário de Cultura da Bahia, Bruno Monteiro, afirmou que a decisão é vista com bons olhos. “Quando o Estado reconhece oficialmente essa festa como manifestação cultural nacional, é reafirmado que a história do país passa pelas ruas da Bahia, pelos tambores dos blocos afro e pela criatividade do nosso povo. Além disso, na prática, é ampliada a possibilidade de políticas públicas e de fomento à cultura, fortalecendo a cadeia produtiva que faz do Carnaval de Salvador um dos maiores espetáculos populares do mundo”, destaca.
Segundo dados do Governo da Bahia, o Carnaval de 2025 movimentou R$ 7 bilhões, com 95% de ocupação da rede hoteleira na capital e cerca de 3,5 milhões de turistas em todo o estado. Para o Ministério do Turismo, o reconhecimento traz ainda a possibilidade de ampliação desses números. “Com a lei, o Carnaval de Salvador passa a ser reconhecido não apenas como uma celebração popular, mas como um ativo cultural estratégico do país. Isso fortalece as ações do Ministério do Turismo para promover a festa em feiras e campanhas internacionais, posicionando o Brasil como destino singular no calendário mundial de grandes eventos. A visibilidade reforçada pode atrair mais turistas estrangeiros e também estimular investimentos em infraestrutura, hotelaria e serviços ligados ao setor”, afirma o órgão.
Apesar das boas expectativas em torno dos possíveis frutos colhidos a partir desse registro legal, especialistas afirmam que a medida deve estar acompanhada de outros respaldos institucionais. De acordo com Guilherme Varella, pesquisador e professor da Universidade Federal da Bahia, é preciso pensar além do simbolismo da lei. “O que faz a diferença é a política pública, e, nessa esfera, não é uma lei generalizante que vai dar conta disso. São instrumentos normativos específicos que devem dar conta dos problemas específicos de cada cidade. O Carnaval de Salvador se configura de uma forma que o que ele precisa para solucionar suas questões tem a ver com a própria dinâmica urbana da cidade”, aponta.
Diálogo e disputa com outros carnavais
No imaginário popular nacional, existe uma rivalidade entre o Carnaval de Salvador e outros grandes polos nacionais, como Recife, Olinda e Rio de Janeiro. Enquanto a festa pernambucana recebeu o mesmo reconhecimento em maio deste ano, a folia fluminense ainda não teve essa validação legal.
Para as autoridades, todas as celebrações dialogam e têm espaço no cenário carnavalesco. “Não vejo como uma disputa, mas como um movimento de fortalecimento da diversidade cultural do Brasil. Cada carnaval tem sua história e importância. No caso de Salvador, o que a lei faz é reconhecer o nosso jeito de fazer carnaval, com os blocos afro, os trios elétricos, a percussão e a ocupação democrática das ruas. A Bahia sempre contribuiu para transformar o carnaval em um espaço de arte, identidade e resistência, e esse reconhecimento amplia o entendimento de que o Brasil é um país plural, de muitas festas, manifestações e vozes”, reforça o secretário Bruno Monteiro.
Guilherme Varella destaca ainda que as comparações não se sustentam justamente porque cada cidade possui dinâmicas e festas muito distintas. “Não existe um carnaval melhor ou maior que o outro porque, para fazer uma comparação como essa, você teria que ter fatores de comparação iguais, e as cidades têm tamanhos diferentes, populações diferentes, condições geográficas e urbanas diferentes”, observa.
O Carnaval de Salvador se distingue pela ocupação democrática do espaço urbano. Ao contrário do modelo carioca, que tem como elemento central os desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, a folia baiana se espalha por toda a cidade. São seis circuitos oficiais e dezenas de trajetos alternativos, com blocos, trios elétricos e camarotes.
Valorização das tradições afro-brasileiras
A Lei nº 15.196 também reafirma a centralidade da herança afro-brasileira na formação do carnaval soteropolitano. De blocos como Ilê Aiyê e Filhos de Gandhy às expressões percussivas dos trios elétricos, o Carnaval da Bahia traz em sua essência uma celebração da negritude, da ancestralidade e da resistência cultural.
Bruno Monteiro aponta que a ideia da Secretaria de Cultura é transformar esse holofote dado às tradições afro-brasileiras em ações concretas para os grupos culturais locais. “Para a festa de 2026, temos um investimento recorde de R$ 17 milhões no Edital Ouro Negro, que há 18 anos fortalece blocos afro, afoxés, de samba, de reggae e de índio. Além disso, lançamos o edital de atrações do Carnaval do Pelourinho, com mais de R$ 3 milhões destinados à contratação de artistas e grupos da Bahia, e abrimos o concurso para o projeto de decoração do Pelourinho, no valor de R$ 700 mil, para valorizar a estética e a identidade do Centro Histórico durante a folia.”
Ainda de acordo com o secretário, a nova lei projeta a riqueza cultural do estado para todo o mundo. “A principal mensagem é que a Bahia é um símbolo da identidade cultural do Brasil. A oficialização do Carnaval de Salvador como manifestação cultural nacional reafirma o legado afro-brasileiro que moldou a nossa música, a nossa arte e a nossa forma de celebrar. A Bahia ensina o Brasil a transformar alegria em resistência e cultura em instrumento de liberdade. A nova lei reforça que não existe cultura brasileira sem a contribuição baiana.”