Jornalismo econômico para a inovação no Nordeste -
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10 de outubro de 2025 17:11

Cooperativismo de plataforma ganha terreno no Nordeste, e é alternativa a trabalho precário oferecido pelas Big Techs

Cooperativismo de plataforma ganha terreno no Nordeste, e é alternativa a trabalho precário oferecido pelas Big Techs

O modelo, recente no Brasil, substitui a superexploração do trabalho em aplicativos pela cooperação entre iguais
Fotos: Arquivo pessoal

A ideia de tirar o carro da garagem e buscar uma oportunidade de renda é um lugar comum na vida dos brasileiros. Seja pela necessidade de complementar a renda, o desemprego, ou mesmo sob a promessa de horários flexíveis e não ter um chefe em cima todo o dia. Com o passar dos anos, no entanto, fica evidente tanto para quem trabalha quanto para quem usa os aplicativos de mobilidade, que esses são serviços estruturados na ausência total de garantias trabalhistas e sociais. Se os arranjos comerciais, em especial no setor de serviços, mudam com velocidade a partir da inovação tecnológica, antigos modelos de trabalho, como o cooperativismo, podem ser um horizonte de esperança para o que, neste momento, parece ser uma sinuca de bico. 

Em todo o mundo e no Brasil também, ainda que nos seus primeiros passos, o cooperativismo de plataforma surge como uma alternativa, aproveitando o desenvolvimento tecnológico, mas tendo como base a copropriedade, e distribuindo a renda de forma mais equitativa. Ou seja, é o conceito de cooperativismo aplicado às plataformas digitais de serviços.

Um exemplo brasileiro é a LigaCoop, Federação Nacional das Cooperativas de Motoristas por Aplicativos. Fundada em 2018 em Caxias do Sul, na serra gaúcha, como uma cooperativa local, entre altos e baixos, hoje, a LigaCoop atua em todo o país  estimulando que os trabalhadores de cada estado criem suas próprias cooperativas de motoristas. 

Em São Luís do Maranhão ela opera há um ano. Em Fortaleza, Recife e Maceió, a projeção da Federação é abrir aplicativos locais com o selo LigaCoop neste primeiro semestre. Em João Pessoa e Salvador as cooperativas estão em fase de estruturação. 

Em todo o país, a LigaCoop afirma ter cerca de 5 mil motoristas cooperados, e projeta fechar o ano com 50 mil motoristas com cooperativas espalhadas pelos 26 estados do país. 

O presidente da LigaCoop, Márcio Guimarães, afirma que para estruturar as cooperativas é fundamental que os motoristas participem de uma formação, onde as bases do cooperativismo são ensinadas. A partir de então, cabe aos trabalhadores elaborarem seus estatutos e regimentos próprios. 

“Convencer os motoristas não é difícil. Aplicativos como Uber e 99 estão pagando cada vez menos, e os motoristas tendo que trabalhar cada vez mais. Eu converso muito com os motoristas, e o que estamos vendo é eles se afastarem da família, não verem mais os filhos. Que liberdade é essa que você fica preso 15 horas em um carro todos os dias? O que a LigaCoop quer é dar condições dignas de trabalho. Ninguém vai enriquecer com isso”, afirma Guimarães. 

Poder decidir e o poder de dividir

Ter uma receita maior e poder participar das decisões no trabalho convenceu a motorista Tangela Vieira, de 44 anos, a entrar de cabeça na cooperativa que está se formando em Fortaleza, no Ceará. Ela afirma que a flexibilidade de horários é uma vantagem do trabalho por aplicativos em comparação ao trabalho de motorista em companhia de ônibus, seu antigo serviço, ainda mais levando em conta o equilíbrio entre tarefas domésticas e de cuidados com a família, mas que a remuneração cada vez mais baixa dos aplicativos fornecidos por gigantes do mercado, além da ausência completa de suporte aos motoristas está tornando o trabalho nas plataformas digitais esgotante. 

“Trabalho há 9 anos com aplicativos. Desde 2018, nosso valor por km só diminui. Fortaleza é uma cidade perigosa, e é comum vermos casos de assaltos a motoristas. Estamos muito desguarnecidos”, afirma. 

Tatá é uma das lideranças da formação da cooperativa de Fortaleza, e conta que participar das decisões em coletivo, tendo voz e tempo para ouvir, é a parte mais gratificante do trabalho. 

“Eu nunca imaginei que pudesse trabalhar dessa forma. É muito bom poder dar ideias, ouvir os colegas, ver um ajudar o outro. A Uber nem sabe o nosso nome, muito menos como é a nossa vida”, desabafa. Na LigaCoop, a taxa descontada é de 12% e vai para financiar a entidade. 

A Uber, por exemplo, não paga um valor fixo aos motoristas, mas sim uma porcentagem sobre cada corrida, que varia entre 1% e 40%. Os ganhos dos motoristas também dependem de fatores como a tarifa dinâmica (que varia com a demanda), o tipo de corrida (como UberX e Uber Black), e um sistema de pontuação que pode dar ou tirar corridas dos motoristas, com critérios pouco transparentes e sem dar ao motorista a prerrogativa de contestar a classificação recebida. 

Segundo Guimarães, esses 12% vão para a produção do aplicativo, e  afirma que do ponto de vista da estruturação das cooperativas, esse é o maior desafio. “Por um tempo locamos um aplicativo, que era ruim e caro. Ter financiamento para montar a cooperativa e desenvolver a plataforma é o mais difícil. Hoje nós contamos com apoio da Sicredi e do Ministério do Trabalho e Emprego para isso, do contrário não teríamos como fazer”, afirma. 

Antigos modelos são eficientes para lidar com a disrupção no mercado de trabalho

A falta de recursos para desenvolver as plataformas é apontada pela especialista em cooperativismo de plataforma Evelin Matos como o principal entrave para que as organizações passem a operar nesse sistema. “O que vemos é que a parte de gestão é menos complicada de estruturar. Os trabalhadores absorvem bem a forma de organização, mas na hora de montar o aplicativo, falta dinheiro, e esses espaços acabam reduzidos a coletivos e organizações que fomentam o cooperativismo de plataforma, mas sem conseguir tirar a coisa do papel”, explica. 

Tirar a coisa do papel é uma das preocupações do secretário substituto da Secretaria Nacional de Economia Solidária, órgão anexo ao Ministério do Trabalho (MTE), Fernando Zamban.  A nova secretaria do Governo Federal é uma das apostas do governo Lula para oxigenar a economia e garantir mais trabalho e renda para os brasileiros. 

Zamban afirma que o ministério tem feito parcerias com cooperativas de plataforma de todo o país, oferecendo subsídios e repasses que garantam a sobrevivência delas em um meio onde os investimentos em tecnologias são, na maioria das vezes, inviáveis para trabalhadores autônomos e pequenos empreendedores. 

“Nós estamos muito convencidos de que em algum momento dessa história, não muito distante, a sociedade vai perceber que a saída para sua própria continuidade e organização é a Economia Solidária. E aí precisa vir o Estado e colocar tinta e peso nessa forma de organização”, afirma o secretário substituto, que é diretor de parcerias e fomento no MTE. 

Os princípios do Cooperativismo de Plataforma 

O conceito de cooperativismo de plataforma foi criado há alguns anos por Trebor Scholz, professor-associado da New School, em Nova York (EUA). Scholz estabeleceu os seguintes princípios: 

  1. Propriedade – O cooperativismo de plataforma parte do princípio de que a internet deve ser de propriedade pública. Assim, a plataforma cooperativa é de propriedade coletiva. 

 

  1. Pagamentos decentes e seguridade de renda – Todos precisam e têm direito a pagamento e a benefícios justos. Isto significa garantir que as plataformas não pratiquem remunerações abaixo do razoável.

 

  1. Transparência e portabilidade de dados –  Diz respeito à transparência nas operações da cooperativa. Mas, principalmente, defende a transparência também na forma como os dados são coletados, analisados e para quem eles são vendidos.

 

  1. Apreciação e reconhecimento – É preciso que haja um bom ambiente de trabalho e ampla comunicação dentro da cooperativa, devidamente reconhecidos pelos associados.

 

  1. Trabalho codeterminado – Envolver os trabalhadores na empresa desde o início, para que cada um conheça o que o outro faz, fortalecendo assim a plataforma, interna e externamente. 
Tatá é uma das lideranças envolvidas na estruturação do cooperativismo de plataforma em Fortaleza
  1. Estrutura jurídica protetora – Para Scholz, as plataformas cooperativas demandam apoio jurídico, porque ainda são consideradas incomuns. Esse apoio é também necessário para defender as cooperativas contra eventuais ações legais. No Brasil, ainda é necessário construir ou adaptar a legislação para que as cooperativas alcancem o potencial máximo.

 

  1. Benefícios e proteção trabalhista portáveis – Todo trabalhador, independente se é autônomo, temporário ou registrado, deveria contar com benefícios trabalhistas e proteção social, não importa em que segmento ou plataforma esteja.

 

  1. Proteção contra comportamento arbitrário – A cooperativa não pode agir de forma arbitrária, desligando o trabalhador sem explicação plausível ou mesmo sem motivo, o que é comum acontecer com as plataformas convencionais.

 

  1. Rejeição ao excesso de vigilância no ambiente de trabalho – Não se pode aceitar o uso de sistemas com vigilância excessiva, porque eles violam a dignidade dos trabalhadores. Também não se admitem ações comuns nas plataformas tradicionais, que, no home office, adotaram sistemas e aplicativos de vigilância que constrangem os colaboradores.

 

  1. Direito de se desconectar – Nas palavras de Trebor Scholz, “os trabalhadores também precisam do direito de se desconectar. O trabalho digital decente deve ter fronteiras claras, as plataformas cooperativas precisam deixar tempo para o relaxamento e o aprendizado…”.

*Está é a terceira e última reportagem de uma série sobre mercado de trabalho. É possível conferir as duas primeiras aqui e aqui.

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