Após serem vistos há tempos como promessa futurista, os drones agrícolas deixaram de ser novidade no agronegócio brasileiro. Hoje, são peça-chave da agricultura de precisão e, mais do que isso, símbolo da transformação digital no campo. Dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) mostram que, em 2024, o Brasil ultrapassou a marca de 5 mil drones agrícolas registrados, um crescimento de mais de 375% em relação a 2022. A rápida adoção da tecnologia posiciona o país como referência global em uso de drones no campo, com destaque crescente para regiões como o Nordeste, onde a topografia, o clima e o perfil produtivo tornaram os equipamentos uma solução estratégica.
“O uso de drones no agronegócio brasileiro está em rápida expansão e caminha para se consolidar como referência internacional. Ainda há desafios, especialmente em termos de regulamentação e capacitação, mas o Brasil já se destaca pela escala de uso, pelo desenvolvimento de soluções locais e pelo potencial de inovação”, explica Fábio Torquato, economista e fundador da AgroTravel, agência de viagens técnicas especializada em agronegócios.
Uma revolução no ar e com raízes no Nordeste
As aplicações dos drones vão muito além da simples captura de imagens aéreas. No campo, os equipamentos vêm sendo amplamente utilizados em tarefas como pulverização de defensivos, mapeamento de áreas, monitoramento fitossanitário e identificação de falhas nas lavouras. No Nordeste, o uso tem ganhado espaço especialmente em culturas como cana-de-açúcar, frutas e algodão, segundo Torquato. “A topografia mais irregular de algumas regiões e o clima semiárido tornam os drones uma alternativa eficiente, reduzindo desperdícios e aumentando a produtividade. Além disso, são ferramentas importantes para pequenos e médios produtores ganharem escala com menos custo”, aponta.
Na Cooperfarms, cooperativa de produtores rurais com atuação no Oeste da Bahia e áreas do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), o uso dos drones está em franca expansão entre os cooperados. “Eles utilizam os equipamentos para monitoramento fitossanitário, identificando pragas, doenças e deficiências nutricionais com precisão nas lavouras, o que permite intervenções rápidas e localizadas”, afirma Marcelino Kuhnen, presidente da cooperativa.
A tecnologia também trouxe redução de custos operacionais, com menor uso de insumos, economia de combustível e diminuição de perdas na lavoura. Estudos apontam que a pulverização com drones pode reduzir em até 30% o uso de defensivos e fertilizantes, além de aumentar a produtividade em até 20%, dependendo da cultura.
Integração com dados e inteligência artificial
A nova geração de drones agrícolas é equipada com sensores multiespectrais, câmeras térmicas, sistemas autônomos de voo e, sobretudo, inteligência artificial. Esses dispositivos coletam dados em tempo real, que são integrados a plataformas de gestão agrícola, como ERPs e CRMs especializados, além de cruzarem informações meteorológicas, topográficas e históricas de produtividade. “Essa automação reduz custos, otimiza o uso dos recursos naturais e amplia a sustentabilidade das lavouras”, observa Torquato.
A capacitação técnica, no entanto, continua sendo um desafio-chave para o setor. O operador precisa estar registrado na ANAC, possuir curso específico e, em casos de pulverização aérea, ser credenciado pelo Ministério da Agricultura. “Mais do que pilotar, ele precisa interpretar os mapas e relatórios que os drones produzem. A qualificação técnica é um dos principais gargalos do setor hoje, mas também uma grande oportunidade para formação de novos profissionais”, completa o fundador.
Na Cooperfarms, esse processo de transformação digital tem sido incentivado de forma coletiva, com apoio de instituições como o SENAR e a Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), que oferecem treinamentos especializados. “Como o número de produtores na região é relativamente concentrado, há forte integração entre essas instituições, a cooperativa e os próprios produtores, o que facilita a realização e a adesão aos treinamentos. Além disso, a circulação de profissionais e a troca constante de informações entre cooperados contribuem para acelerar o processo de aprendizado e de implementação das tecnologias no campo”, explica Marcelino.
A sustentabilidade também ganhou força com o uso dos drones. “Cooperados enxergam nos drones uma ferramenta que alia eficiência produtiva e benefícios ambientais, pois permitem intervenções mais pontuais e precisas, reduzindo o uso excessivo de defensivos, minimizando impactos ambientais e promovendo maior sustentabilidade para o futuro do agro”, afirma o presidente da Cooperfarms.
Na outra ponta, os drones estão gerando novas demandas no mercado de trabalho, reforça Fábio Torquato. “Temos visto surgir uma geração de profissionais híbridos: que conhecem o campo e dominam tecnologia, análise de dados e automação.”
Concorrência internacional e próximos passos
Apesar de o Brasil ser referência, outros países como China e Estados Unidos seguem investindo fortemente em novas tecnologias, como enxames de drones, dispositivos movidos a energia solar e sistemas de IA preditiva, que indicam antecipadamente necessidades do solo e da planta. Para seguir competitivo, o Brasil precisa acompanhar essas tendências.
“O Brasil tem a seu favor a escala produtiva, a biodiversidade e o dinamismo do agro. Para se manter competitivo, o país precisa investir em pesquisa, formar mão de obra especializada e incentivar a adoção responsável dessas inovações. Um dos caminhos é também fazer imersões técnicas nesses países em que a tecnologia já é amplamente usada e divulgada”, destaca Torquato.
Se antes o uso de drones no campo era um diferencial, hoje começa a se tornar obrigatório para quem deseja manter-se competitivo. No Nordeste, em especial, onde a mecanização enfrentava limitações devido à topografia e infraestrutura, a adoção acelerada dos drones está nivelando o jogo tecnológico com outras regiões.
Mesmo ainda enfrentando desafios como o custo de aquisição e a necessidade de mão de obra qualificada, o panorama é promissor. O que se vê é um campo mais inteligente, mais eficiente e mais sustentável, onde tecnologia e tradição aprendem a voar juntas.
O agro digital não é mais uma tendência, é uma realidade em construção, e os drones são protagonistas dessa história.