Palmeira dos Índios é uma cidade localizada há quase 140 km de Maceió, capital alagoana, onde a população não passa de 75 mil habitantes, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessas quase 75 mil pessoas, algo em torno de 11 mil tem um trabalho (15%) , e quem tem um trabalho recebe, em média, um salário mínimo e meio. E lá que vive – e trabalha – a jovem contadora Viviane Silva de Souza.
Com 23 anos, ela integra a badalada Geração Z – pessoas nascidas entre as décadas de 1990 e 2010 – e que com frequência é debatida pela mídia por representar um perfil profissional distinto do das gerações anteriores, muitas vezes pintados como menos resilientes e entediados com o mundo do trabalho. Mas será que o país está planejando e criando oportunidades para os jovens?
Viviane começou a trabalhar aos 14 anos como babá, entrou para uma empresa como jovem aprendiz de maneira informal – sem carteira assinada – e depois trabalhou 5 anos como assistente em um escritório imobiliário na área administrativa. Nessa época, ela dividia o trabalho em tempo integral, sem carteira assinada, com o curso de contabilidade na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em um campus localizado há 70 km de Palmeira dos Índios. Ela ia e voltava todos os dias.
“Todos esses trabalhos eram informais, e eu me arrependo muito disso, de não ter batido o pé, porque enfrentei muitas dificuldades para trabalhar e estudar e essa conta chega. Mas as oportunidades na minha cidade são muito poucas, a maioria não consegue nada, então eu agarrei o que apareceu”, conta.
Ela encerrou o curso na UFAL em 2024, e graças ao currículo que foi para uma plataforma de recrutamento online, foi descoberta por uma empresa de contabilidade de fora da cidade Agora trabalha, enfim, com registro em carteira e na sua área de contabilidade para uma rede varejista.
“Eu tinha muito medo de não conseguir emprego na minha área, mas deu certo. Agora quero consolidar meus conhecimentos na área para, no futuro, abrir minha própria empresa e prestar serviços”, afirma. Essa escolha, segundo Viviane, tem a ver com os horários de trabalho rígidos e condições de trabalho que não condizem com o salário.
“Passei muitos anos sem ter tempo para nada, e quando você vai para o mercado, o que percebe, é que eles querem tirar mais e mais de você, mas oferecem pouco. Não quero me acomodar aqui. Quero me especializar para ter uma vida melhor, em tempo, moradia, dinheiro, tudo”, explica.
O conterrâneo e colega de contabilidade na UFAL José Matheus Gonçalves, de 25 anos, está na mesma lida de Viviane. Ele critica a falta de oportunidades no agreste alagoano, e afirma que, apesar dos esforços dos últimos anos, se sente frustrado.
“Eu estudei muito, me dediquei, mas quando a gente vai para o mercado de trabalho percebe que isso não tem esse peso todo. Consegue trabalhar quem é amigo de um e de outro. Me incomoda também ver colegas mais velhos acomodados em uma situação de trabalho ruim, ou perceber que não tenho oportunidades para as coisas em que me qualifiquei”, explica.
José Matheus trabalha no setor administrativo de um hospital, com registro em carteira, e esse foi seu primeiro trabalho. “Eu quis trabalhar mais cedo para ajudar em casa, mas não consegui nada. Agora estou procurando trabalho na minha área, e pensando em prestar concurso público, porque quero estabilidade, e estou percebendo que no mercado privado não é bem assim”, desabafa o jovem.
A última geração majoritariamente jovem
Até aqui, o Brasil se posicionou como o país do futuro também por ter uma grande população jovem. Segundo as Projeções de População do IBGE, após atingir seu máximo (220.425.299 habitantes) em 2041, a população do país vai diminuir, chegando aos 199.228.708 habitantes em 2070.
O economista Pedro Alcântara explica que o país está vivendo um bônus demográfico, com grande possibilidade de inserção produtiva de uma parcela grande de jovens, essenciais, por exemplo, para manter o sistema previdenciário saudável, mas que, via de regra, tanto setor público como o privado estão pouco implicados com o tema.
“A forma como esse jovem começa a sua vida profissional determina, muitas vezes, os caminhos que ele vai seguir para o resto da vida. Se ele cai num trabalho precário logo de cara as chances da ideia de trabalho como algo definidor da vida dele se derrete. Ele passa, então, a acreditar em soluções milagrosas das redes sociais ou a se desinteressar”, afirma o economista.
A tese de Alcântara é a de que os jovens de hoje, a exemplo de Viviane e Matheus, são interessados, atentos, inovadores, mas que não estão encontrando oportunidades para se desenvolver e, juntos, desenvolver produtivamente o país.
“O mundo muda de forma rápida e brutal hoje em dia, e isso gera desafios para a formação profissional, por exemplo, mas o principal problema é que estamos desperdiçando talentos por descuido em como essa inserção profissional está sendo feita”, garante o economista, que é mestre em Desenvolvimento Econômico com ênfase em Economia do Trabalho pela Universidade de Campinas – Unicamp.
Leia também: CLT vive sua pior fase, e informalidade é desafio para macroeconomia