O mais recente leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizado no terça (17), marcou um novo capítulo na política energética brasileira. Com 34 blocos exploratórios arrematados, o evento movimentou R$ 989 milhões e atraiu a atenção de gigantes globais do setor, como Chevron, Shell, ExxonMobil e Equinor. Além das multinacionais, a Petrobras também foi protagonista, adquirindo dez blocos na Bacia da Foz do Amazonas e três blocos na Bacia de Pelotas, com um investimento total de R$ 139 milhões.
Ao todo, 172 áreas foram disponibilizadas para a licitação, espalhadas pelas bacias do Parecis, Foz do Amazonas, Santos e Pelotas — o que representa uma área de mais de 28 mil quilômetros quadrados. Apesar de representar um avanço significativo para o setor, o leilão foi acompanhado de protestos e críticas de organizações ambientalistas, lideranças indígenas e quilombolas, que denunciaram riscos socioambientais e ausência de diálogo.
A Margem Equatorial, região litorânea que inclui a Bacia da Foz do Amazonas, foi um dos grandes destaques do leilão. A diretora-geral interina da ANP, Patrícia Baran, destacou o elevado ágio obtido nas disputas pelos blocos da região, chegando a quase 3.000%. Para a ANP, o resultado comprova a confiança do setor privado no potencial exploratório do Brasil. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, reforçou o discurso oficial, defendendo o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e responsabilidade ambiental. Segundo ele, a inclusão dessas áreas faz parte de uma estratégia para ampliar a distribuição da riqueza do petróleo pelo território nacional.
O leilão também marcou o retorno de multinacionais à Bacia Foz do Amazonas, uma década após sua última presença expressiva na região. O consórcio formado pela Chevron e a estatal chinesa CNPC arrematou nove blocos e superou a concorrência da parceria Petrobras/ExxonMobil em parte das disputas. Essa reentrada das grandes petroleiras coincide com avanços no licenciamento ambiental da Margem Equatorial, considerada a nova fronteira exploratória do Brasil. Na Bacia de Santos, a Shell e a Equinor também ampliaram suas presenças.
Outro ponto que chamou atenção foi a estreia da Dillianz Petróleo & Gás como operadora no setor. Ligada ao agronegócio e com atuação em energia fotovoltaica, a empresa venceu a disputa por um bloco na Bacia dos Parecis, no Mato Grosso. Foi o primeiro arremate nessa região em 17 anos. Na contramão, a Bacia Potiguar, também na Margem Equatorial, não recebeu ofertas – foi a única a bacia a não despertar o interesse das petroleiras neste leilão.
Apesar da comemoração oficial, o leilão reacendeu a controvérsia sobre os impactos socioambientais da exploração petrolífera, principalmente na Margem Equatorial. A proximidade dos blocos com áreas sensíveis, como o sistema recifal amazônico e extensos manguezais, gerou preocupação entre cientistas, ONGs e comunidades tradicionais.
Lideranças indígenas, como Yaiku Tapayuna, protestaram em frente ao hotel onde ocorreu o evento, afirmando que os projetos ameaçam territórios sagrados e modos de vida tradicionais. Além disso, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) emitiu nota de repúdio ao leilão, denunciando o que classificou como racismo ambiental diante da ausência de diálogo com as comunidades afetadas.
Ambientalistas reforçaram os riscos climáticos da estratégia de expansão do petróleo, sobretudo em um momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP 30, em 2025. “Estamos falando de uma das regiões mais sensíveis do planeta”, alertou Ricardo Fujii, do WWF-Brasil, ao destacar que a exploração ameaça ecossistemas fundamentais para a segurança alimentar de milhares de famílias.
Em resposta às críticas, a ANP reforçou que todos os blocos licitados passaram por avaliação conjunta dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. Segundo a agência, o processo de concessão incorporou um novo conceito de “buffer”, que amplia a distância de blocos em relação a áreas sensíveis, além de prever participação social no rito regulatório.
O contexto do leilão também se conecta aos esforços da Petrobras em retomar projetos estratégicos. Na véspera do evento, a estatal anunciou a assinatura de contratos para a conclusão da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Com um investimento de R$ 4,9 bilhões, o projeto busca superar o trauma da Lava Jato e ampliar a capacidade de refino nacional.
Se, por um lado, o governo federal e a Petrobras apostam no petróleo como motor do crescimento econômico e do financiamento da transição energética, por outro, a aposta em novas fronteiras de exploração coloca o Brasil diante de um dilema: impulsionar o desenvolvimento ou reforçar uma matriz que especialistas consideram incompatível com as metas climáticas assumidas pelo próprio país.