O Maranhão se destaca nacionalmente ao atingir 80% de sua população carcerária envolvida em atividades laborais, antecipando a meta do Plano Nacional Pena Justa – que prevê 50% de presos trabalhando até 2027. Ao todo, 9.376 dos 11.743 detentos do estado já exercem algum tipo de função.
O desempenho supera amplamente a média nacional. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), o Brasil tem hoje 670.265 pessoas presas em regime fechado ou semiaberto, das quais apenas 25,4% — cerca de 170 mil — estão empregadas.
O cientista político e professor da ESPM, Paulo Ramirez, observa que, em estados onde o desemprego é mais intenso, adotar políticas de contratação de presos como forma de reinserção social é fundamental. “E é interessante a gente pensar nessa questão da população carcerária, porque pode atrair também empresas de outros estados a irem até as regiões onde há presídios, ou então onde haja uma demanda muito grande de ex-presidiários, a fim de conseguir desenvolver a região, consequentemente, com mais mercado de consumo, com mais produção”, coloca.
“Isso não surge espontaneamente, depende de uma política”, ressalta Ramirez. Exemplos como o modelo adotado pelo Maranhão — que será detalhado nesta matéria — ilustram a efetividade de estratégias que unem capacitação e inclusão produtiva no sistema prisional.
“Agora o que a gente tem que observar também é até que ponto as empresas também não se beneficiam do trabalho desses encarcerados por conta de ser uma mão de obra mais barata e se está respeitando a legislação trabalhista e pagando o que de fato deve ser pago a esses indivíduos”, reflete o cientista político.
Por isso, ressalta Ramirez, é fundamental que o Ministério Público e outros órgãos fiscalizem a execução dessas políticas. Segundo ele, embora o trabalho prisional seja essencial para a reinserção e a redução da pena, é preciso garantir que não haja abusos trabalhistas. Trata-se de uma questão que merece atenção contínua.
Proporção maranhense supera grandes estados
Apesar de São Paulo registrar o maior número absoluto de presos empregados (42.937), o índice proporcional é mais baixo: apenas 20,8% dos 205.984 internos. O contraste reforça o êxito da política maranhense, que estruturou um plano específico para geração de renda e capacitação dentro do sistema prisional.
Região | Estado | População Carcerária Total | Inseridos no Trabalho (%) | IDH (Estimado) |
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Centro-Oeste | Distrito Federal (DF) | 16.128 | 22,98% | 0,814 |
Centro-Oeste | Goiás (GO) | 18.489 | 20,70% | 0,737 |
Centro-Oeste | Mato Grosso (MT) | 13.735 | 27,76% | 0,736 |
Centro-Oeste | Mato Grosso do Sul (MS) | 16.533 | 34,25% | 0,742 |
Nordeste | Alagoas (AL) | 5.240 | 30,71% | 0,684 |
Nordeste | Bahia (BA) | 13.721 | 20,53% | 0,691 |
Nordeste | Ceará (CE) | 22.296 | 52,78% | 0,734 |
Nordeste | Maranhão (MA) | 11.743 | 79,84% | 0,676 |
Nordeste | Paraíba (PB) | 12.410 | 12,63% | 0,698 |
Nordeste | Pernambuco (PE) | 28.983 | 12,98% | 0,719 |
Nordeste | Piauí (PI) | 7.198 | 16,50% | 0,690 |
Nordeste | Rio Grande do Norte (RN) | 7.420 | 5,78% | 0,728 |
Nordeste | Sergipe (SE) | 6.034 | 53,83% | 0,702 |
Norte | Acre (AC) | 5.401 | 67,26% | 0,710 |
Norte | Amapá (AP) | 3.257 | 20,40% | 0,688 |
Norte | Amazonas (AM) | 5.111 | 26,20% | 0,700 |
Norte | Pará (PA) | 15.498 | 26,20% | 0,690 |
Norte | Rondônia (RO) | 7.344 | 69,77% | 0,700 |
Norte | Roraima (RR) | 3.258 | 14,92% | 0,699 |
Norte | Tocantins (TO) | 3.888 | 43,34% | 0,731 |
Sudeste | Espírito Santo (ES) | 24.117 | 23,05% | 0,771 |
Sudeste | Minas Gerais (MG) | 66.282 | 26,88% | 0,774 |
Sudeste | Rio de Janeiro (RJ) | 46.115 | 2,95% | 0,762 |
Sudeste | São Paulo (SP) | 205.984 | 20,84% | 0,806 |
Sul | Paraná (PR) | 40.574 | 32,18% | 0,769 |
Sul | Rio Grande do Sul (RS) | 36.157 | 31,37% | 0,771 |
Sul | Santa Catarina (SC) | 27.349 | 30,54% | 0,792 |
Plano estadual impulsiona oficinas e reduz custos públicos
O avanço no Maranhão se deve à implementação do Plano Estadual de Trabalho e Renda para Pessoas Privadas de Liberdade. Oficinas foram montadas em unidades prisionais com foco em capacitação, remuneração digna e remição de pena. Os presos atuam em marcenaria, costura, reciclagem, digitalização de processos e produção de alimentos.
“Trabalhamos com carteiras escolares, móveis de escola, fardamento escolar, tudo em prol do governo com custos acessíveis bem menores que o mercado e beneficiando à população maranhense”, afirma o secretário de Estado de Administração Penitenciária, Murilo Andrade.
Ele explica que o modelo maranhense inicialmente não foi pensado a partir de uma visão estratégica de desenvolvimento socioeconômico mais amplo. “No entanto, no decorrer dos anos, a gente conseguiu visualizar esta possibilidade, uma vez que o principal intuito do projeto era capacitar e qualificar as pessoas para que os mesmos retornassem à sociedade e buscassem um emprego lícito. Sendo assim, eles conseguem adentrar no mercado de trabalho e realmente conseguem se sustentar”, considera.
Andrade reforça que o modelo traz impactos que vão além do sistema prisional. Paralelamente aos benefícios oferecidos aos internos, ele destaca que a iniciativa também gera resultados positivos para o Governo do Estado e, consequentemente, para a população.
Reintegração e impacto social ampliado
Ramirez ressalta que as políticas de ressocialização de pessoas privadas de liberdade são, evidentemente, fundamentais, especialmente diante dos diversos preconceitos que a sociedade impõe àqueles que passaram pelo sistema prisional; o que dificulta, sobretudo, sua reinserção no mercado de trabalho. “Em função disso, o aprendizado de habilidades profissionais, técnicas também de trabalho, pode ser uma forma de ressocialização que é muito importante. Então, acho que esse é o principal impacto”.
Do ponto de vista econômico, social, político e também moral, Ramirez destaca a importância de reintegrar esse grupo ao mercado. “Fora o fato de que o motivo de haver tanto preconceito contra os ex-presidiários acaba fazendo com que eles voltem ao crime. Por isso, dar essa oportunidade é fundamental para a reinserção social, influenciando a forma como familiares e a comunidade ao redor enxergam esse indivíduo. Por essa razão, essas políticas são, sim, essenciais”, observa o cientista político.
Além do trabalho realizado dentro das prisões, o Estado também firmou parcerias externas e estabeleceu escritórios sociais com o objetivo de garantir assistência aos egressos na sua reintegração à sociedade, reforçando a proposta de ressocialização por meio do trabalho.
“Nós trabalhamos em diversas frentes, principalmente através dos escritórios sociais que são hoje dentro da execução penal, os responsáveis pela reinserção dos egressos no sistema prisional. Em paralelo a isso, trabalhamos em parceria com o Tribunal de Justiça para inserção de egressos internos em regime semiaberto e aberto em frentes de trabalho vinculado ao setor público”, declara Andrade.
Nos presídios do estado, foram ampliadas as oficinas prisionais, que contam com atividades como marcenaria, serralheria, costura e reciclagem, com remuneração digna e remição da pena conforme os dias trabalhados. Também foram firmadas parcerias com entidades tanto para acompanhar os resultados quanto para oferecer suporte aos egressos, por meio de escritórios sociais que auxiliam no processo de reintegração pós-cárcere.
Antes sinônimo de violência, rebeliões e com constantes registros de mortes de internos e agentes, a Penitenciária de Pedrinhas é hoje um símbolo dessa mudança no sistema prisional do Maranhão. Localizado na capital, São Luís, o presídio passou, nos últimos anos, por investimentos estruturais, aquisição de equipamentos e reorganização das rotinas de segurança.
Atualmente, os internos de Pedrinhas atuam na fabricação de blocos, móveis, uniformes, digitalização de processos, piscicultura e produção de alimentos para o governo estadual e prefeituras. No interior do estado, outros 200 presos já estão inseridos em atividades como limpeza urbana e serviços diversos em parceria com as administrações municipais.
Andrade avalia que os avanços no sistema prisional impactaram diretamente em três frentes: “Primeiramente a reincidência, nós conseguimos realmente desviar essas pessoas da criminalidade. Uma grande parcela de quem foi capacitado e trabalhou no sistema prisional, por meio desse nível de capacitação, vai buscar um emprego lícito e não volta à criminalidade. Então, há sim uma diminuição da reincidência criminal”, garante.
“Quanto à produtividade interna, isso foi o fator mais impactante para a gente. Hoje nós temos praticamente todas as unidades do Estado com mão de obra carcerária desenvolvendo algum trabalho prisional e se qualificando. E dando retorno não só para as pessoas, para os internos que estão trabalhando, mas para o Governo do Estado e consequentemente para a sociedade”, acrescenta.
Por fim, o secretário destaca que o trabalho prisional contribui diretamente para a percepção de segurança pública. “Ou seja, ela vê que os internos estão desenvolvendo trabalhos, entende que aquilo é importante e vê que se realmente o interno trabalhar, ele não vai voltar a delinquir porque está se qualificando e podendo buscar um emprego lícito”, comenta.
Obstáculos para expansão nacional
Apesar dos bons resultados, ainda há desafios para que essa estratégia seja replicada em nível nacional. O avanço esbarra, principalmente, na infraestrutura: de acordo com a Senappen, embora existam mais de 600 mil pessoas presas em celas, seja em regime fechado ou semiaberto, há vagas efetivas para apenas 494.379 internos. Ou seja, a superlotação é evidente — e, diante da falta de espaço adequado, torna-se ainda mais difícil garantir ocupação e ressocialização para todos.
Ramirez avalia que o Maranhão pode funcionar como inspiração e até base para futuros aperfeiçoamentos. “Essa é uma tendência fundamental para os aprisionados, fazer com que haja uma reinserção. Caso contrário, há um retorno à criminalidade, a perpetuação e expansão dos tipos de crime a serem realizados, por isso mesmo que é fundamental que existam políticas como essas, que sirvam de modelo e que possam ser aprimoradas cada vez mais”, finaliza.
Andrade assegura que o Maranhão tem planos de garantir a continuidade desse modelo a médio e longo prazo. “A ideia é que tudo o que a gente vem fazendo hoje seja regulamentada em normas internas a nível estadual”, declara. Ele relembra que, atualmente, diversos trabalhos essenciais para o Governo do Estado são executados pela Secretaria de Administração Penitenciária, o que gera uma vinculação e dificulta a descontinuidade por gestões futuras.
“Então, todo esse alinhamento que a gente fez, tanto de normas quanto de nos tornarmos essenciais em diversos serviços e produtos, faz com que o trabalho hoje do sistema prisional seja difícil de termos a descontinuidade desse trabalho a nível estadual, até mesmo porque isso trouxe uma notoriedade positiva para o Estado no que concerne ao sistema penitenciário maranhense”, conclui o secretário.