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10 de outubro de 2025 18:03

Nordeste atrai olhar da China e vira peça-chave da geopolítica da energia limpa

Nordeste atrai olhar da China e vira peça-chave da geopolítica da energia limpa

Bloco de nove estados nordestinos tem se tornado um verdadeiro hub estratégico da transição energética global
Usina de energia solar em Trairi (CE) | Foto: Divulgação

Se há uma região no Brasil que parece ter compreendido o espírito da década – e se preparado para ele -, é o Nordeste. Enquanto o mundo se reorganiza em torno de novas fontes de energia e cadeias industriais mais sustentáveis, o bloco de nove estados nordestinos tem se tornado um verdadeiro hub estratégico da transição energética global. E, curiosamente, o impulso para esse protagonismo vem de muito longe: da China.

De repente, não é raro ver nomes como State Grid Brazil Holding (SGBH) e CGN Brasil estampando projetos gigantes no sertão cearense ou cruzando milhares de quilômetros com linhas de transmissão de última geração. São investimentos bilionários que, mais do que ampliar a oferta de energia limpa no Brasil, colocam o Nordeste no centro de uma engrenagem geopolítica que está sendo redesenhada em tempo real.

Mas por que, justamente agora, essa movimentação chinesa se intensificou tanto? E por que o Nordeste — e não o Sudeste ou o Sul — tem sido o palco dessas transformações?

Quando a energia vira diplomacia

A resposta está na interseção entre infraestrutura, estratégia e oportunidade. Ao contrário de décadas passadas, quando as disputas geopolíticas se davam por petróleo ou rotas comerciais, hoje elas se moldam em torno de energia limpa, conectividade digital e inovação industrial.

É nesse ponto que a China entra com força. Através de empresas estatais e privadas, como a SGBH (que opera a maior rede de transmissão do país) e a CGN (que lidera projetos solares no Ceará), Pequim tem fincado bandeiras no território nordestino — com apoio direto dos governos estaduais e interesse crescente do setor privado local.

“Essa nova geopolítica da energia é parte de um esforço global da China para ampliar sua influência sem recorrer à força militar. O foco está em parcerias, infraestrutura, inovação e energia limpa. E o Nordeste brasileiro oferece o cenário ideal para isso”, explica Ane Malta especialista em relações internacionais.

O movimento, no entanto, vai além dos painéis solares e das hélices eólicas. Ele também passa por pontes, ferrovias, carros elétricos e até por cabos submarinos de internet.

Foto: Montagem sobre reprodução

Uma nova lógica sul-sul

Exemplos não faltam. A ponte Salvador-Itaparica, uma das obras mais ambiciosas em execução no país, está sob responsabilidade de um consórcio chinês. Em Camaçari, a BYD — maior montadora de veículos elétricos do mundo — ocupa o espaço deixado pela Ford com a promessa de gerar milhares de empregos e reposicionar a Bahia na cadeia global da mobilidade sustentável.

Já no Piauí, a ZTE participa do projeto “Piauí Conectado”, que leva internet de alta velocidade a regiões remotas. No Ceará, a China Unicom atua em mais de 5 mil km de cabeamento óptico. Em Pernambuco e na Paraíba, empresas chinesas lideram a instalação de câmeras inteligentes, com tecnologia de reconhecimento facial. E no Maranhão, está em construção um porto de águas profundas com tecnologia e capital chinês.

Todos esses projetos revelam uma nova lógica de cooperação: o sul global ajudando o sul global. Mais do que nunca, a China se apresenta como parceira dos países em desenvolvimento, oferecendo investimento, tecnologia e crédito — muitas vezes com menos burocracia e exigências do que instituições tradicionais ocidentais.

Se por um lado a presença da China traz desenvolvimento, por outro, acende alertas geopolíticos. Os Estados Unidos, principais rivais estratégicos de Pequim, têm tentado conter o avanço de empresas como Huawei e Dahua, alegando riscos à segurança nacional. Durante o governo Bolsonaro, Washington pressionou diretamente para que o Brasil vetasse a atuação de chinesas no 5G e na área de vigilância urbana.

No entanto, com a autonomia dos governos estaduais e a articulação firme do Consórcio Nordeste, essas negociações seguiram avançando. Governadores nordestinos já visitaram a China diversas vezes nos últimos anos, e o movimento é recíproco: comitivas chinesas percorrem constantemente os estados em busca de novas oportunidades.

“Quem está oferecendo crédito barato e tecnologia de ponta é a China. E os estados não podem abrir mão disso”, afirmou à época o então governador do Maranhão, Carlos Brandão.

Energia limpa como ativo geopolítico

Em números, o Nordeste é imbatível. A região concentra 92% da capacidade instalada de energia eólica do Brasil e 60% da solar. Ou seja: já deixou de ser apenas consumidora e se tornou exportadora de energia para o restante do país.

Com a proximidade da COP 30, que será realizada em Belém, o momento é estratégico. O Nordeste quer mostrar ao mundo que pode ser, sim, um modelo de economia verde e industrializada – com base em inovação, inclusão e sustentabilidade.

“Temos projetos com hidrogênio verde, preservação da caatinga e tecnologias sociais de baixo carbono. Vamos apresentar propostas estruturadas e mostrar que o Nordeste é solução global”, afirma Vilma Freire, coordenadora ambiental do Consórcio Nordeste.

Apesar dos avanços, há gargalos que ainda travam esse protagonismo. A infraestrutura de transporte, por exemplo, ainda é considerada insuficiente por 74% dos empresários da região, segundo a CNI. Além disso, é preciso cuidado para que os projetos de energia não avancem sobre comunidades tradicionais e territórios indígenas.

“A emergência climática não pode servir de desculpa para violar direitos humanos”, alerta Mikaelle Palmares, ativista climática e estudante de engenharia de energias renováveis. “O desenvolvimento tem que ser justo, com participação popular e respeito às tradições locais.”

Ela também destaca a urgência de ampliar o financiamento. “Programas como o Fundo Clima são importantes, mas ainda tímidos frente ao nosso potencial.”

Um novo mapa do poder

No fim das contas, o que está em jogo vai muito além do Nordeste. O que está sendo redesenhado é o papel do Brasil no cenário global — e, mais especificamente, o lugar da região nordestina nesse tabuleiro. Com sol, vento, litoral estratégico, tradição cooperativa e abertura ao novo, o Nordeste tem tudo para ser vitrine da economia do futuro.

E se a China já enxergou esse valor, o resto do mundo pode não demorar a fazer o mesmo.

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