O Oscar de “Ainda Estou Aqui”, acompanhado de outros sucessos consecutivos como “O Auto da Compadecida 2” e “Homem com H”, enalteceu a cultura nacional e reacendeu, de fato, em 2025, a vontade de imaginar que “a vida presta”. No mesmo ano, o país atingiu o maior número de salas de cinema em funcionamento desde o auge da pornochanchada: 3.509 salas, superando as 3.478 de 2019. O Nordeste se destaca nesse cenário, com crescimento de 36,6% de cinemas comerciais na região, bem acima da média nacional, que ficou em 20%. O fenômeno reflete tanto a interiorização do circuito exibidor quanto o impacto de políticas públicas e incentivos do setor audiovisual.
Segundo o pesquisador Marcelo Ikeda, autor do livro Panorama do Mercado Audiovisual do Nordeste, o aumento expressivo de salas na região está ligado a dois fatores principais: o crescimento econômico e social do Nordeste na última década e a carência histórica de salas de cinema. “Em 2024, apenas 17% das salas de cinema do Brasil estavam no Nordeste, mostrando que ainda há muito espaço para expansão”, afirma Ikeda.
O pesquisador destaca que o incremento de salas é também um indicativo de desenvolvimento econômico e social dos municípios. Cidades médias e pequenas, em particular, podem se beneficiar da presença de cinemas como vetor de inclusão cultural e geração de emprego e renda.
Grandes redes e circuitos alternativos
Entre os principais exibidores do Nordeste estão a Cinépolis, Cinemark e UCI, com atuação concentrada em shoppings. “Essa lógica difere bastante dos circuitos independentes, que operam em cinemas de rua e têm perfil cultural ou universitário”, explica Ikeda. Ele ressalta, no entanto, que há espaço para complementaridade, garantindo diversidade de programação e formação de público.
O pesquisador afirma ainda que o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), por meio do programa Cinema Perto de Você, tem financiado construção e modernização de salas, com linhas especiais para o Norte e Nordeste. “O fundo teve um papel importante no crescimento do número de salas nos últimos dez anos e na digitalização das salas de cinema. Contudo, é importante destacar que priorizou o financiamento de grupos exibidores nacionais. Esse aumento se concentrou especialmente na periferia das capitais e em cidades médias, com população de 500 mil a 1 milhão de habitantes, que ainda não possuíam salas. Para impulsionar ainda mais a expansão, seria necessário um direcionamento maior das políticas públicas para os circuitos alternativos e independentes, além do fomento ao cinema nacional e a outras formas de programação cultural diversificada”, afirma.
A ausência de políticas públicas consistentes, como a não continuidade do programa Cinema da Cidade — um programa da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) que investiu na construção de novas salas de cinema no interior do estado, formando uma rede de exibição audiovisual em parceria com a Ancine e municípios cearenses — é apontada como entrave para a interiorização. “Essas políticas são essenciais para que mais municípios tenham acesso a serviços culturais e para reduzir a disparidade com regiões mais desenvolvidas”, completa o pesquisador.
Existe algum problema nesta interiorização?
Ikeda alerta para riscos de uma expansão voltada apenas à lógica comercial das grandes redes. “A promoção de filmes de todas as nacionalidades, incluindo o cinema brasileiro independente, é essencial para evitar a concentração de exibição apenas em filmes das grandes distribuidoras. As políticas públicas precisam garantir a diversidade no mercado e dar espaço para cinematografias independentes, para que o crescimento do mercado não seja apenas comercial, mas também cultural. Uma interiorização que não tenha esse foco pode resultar em um circuito exibidor homogêneo, sem a inclusão de outras formas de expressão cultural, limitando as oportunidades de formação de público e a promoção de uma programação mais diversificada.”
Apesar dos desafios, o cenário aponta crescimento robusto e consolidação do Nordeste como região estratégica para o desenvolvimento do cinema no país, sinalizando que mais salas de cinema podem refletir avanços sociais e econômicos, especialmente em cidades médias e pequenas.
Embora o crescimento tenha sido significativo, muitos municípios nordestinos ainda não contam com salas de cinema, especialmente no interior dos estados. “O Brasil ainda tem muito a crescer em relação ao número de salas, especialmente considerando que o México, um país latino-americano, possui o dobro de salas de cinema do que o Brasil”, afirma Ikeda.