O bioma Caatinga, único exclusivamente brasileiro, ganha força com duas importantes iniciativas que buscam combater a desertificação e promover a recuperação sustentável de suas áreas degradadas. As ações representam um investimento significativo tanto em recursos financeiros quanto em políticas públicas para proteger um dos ecossistemas mais ameaçados do país.
O Banco do Nordeste (BNB) lançou na sexta-feira (4) o primeiro edital de seu Fundo Sustentabilidade, disponibilizando R$ 15 milhões em recursos não reembolsáveis. A iniciativa foi apresentada no cineteatro da Universidade Federal do Piauí (UFPI), em Teresina, com foco na recuperação, preservação e uso sustentável da Caatinga.
Entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos com sede ou filiais nos estados do Nordeste, além de parte de Minas Gerais e Espírito Santo, podem concorrer à chamada pública. Os projetos aprovados receberão entre R$ 1 milhão e R$ 2,5 milhões, com prazo de execução de 24 a 36 meses. As inscrições seguem até 28 de agosto.
“É preciso que a gente entenda a relevância do semiárido e da caatinga, de suas vulnerabilidades, mas também suas potencialidades, como geração de energias renováveis, principalmente solar e eólica”, destacou José Aldemir Freire, diretor de Planejamento do BNB.
Cenário crítico demanda ação urgente
A necessidade de ação é urgente. Segundo o diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Alexandre Henrique Bezerra Pires, a Caatinga já perdeu mais de 42% de sua cobertura vegetal nativa e é um dos biomas mais afetados pelas mudanças climáticas.
O Rio Grande do Norte exemplifica a gravidade da situação. Com 95% de seu território coberto pela Caatinga, o estado está entre os mais vulneráveis ao risco de desertificação do semiárido brasileiro, o que pode resultar em redução da disponibilidade de água e queda na produção de alimentos.
Uma alternativa promissora surge através de estudo do Instituto Escolhas, lançado na terça-feira (8/7), que propõe a implementação de sistemas agroflorestais em áreas de preservação permanente nos assentamentos da reforma agrária do Rio Grande do Norte.
A pesquisa identificou que dos 33.389 hectares em áreas de preservação permanente nos 275 assentamentos federais do estado, 11.509 estão desmatados e podem ser recuperados produtivamente. A recuperação dessas áreas pode gerar 50,4 mil empregos, produzir 3,04 milhões de toneladas de alimentos e remover 843,5 mil toneladas de CO2 da atmosfera.
“As matas, nas beiras dos rios e nascentes, protegem as águas. São um remédio contra a desertificação”, afirma Rafael Giovanelli, gerente de Pesquisa do Instituto Escolhas.
O cenário de iniciativas se fortalece com a aprovação, em 11 de junho, do PL 1990/2024 pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. O projeto institui a Política Nacional para a Recuperação da Vegetação da Caatinga e cria mecanismos para uma estratégia eficaz de recuperação imediata e produtiva da vegetação nativa.
O texto, de autoria da senadora Janaína Farias (PT/CE) e elaborado com apoio técnico do Instituto Escolhas, prevê a criação do Programa Nacional de Recuperação da Vegetação da Caatinga, participação de comunidades locais em atividades de restauração e capacitação de trabalhadores.
Potencial econômico da recuperação
Os números apresentados pelo Instituto Escolhas demonstram a viabilidade econômica da recuperação sustentável. Com investimento de R$ 285 milhões nos três primeiros anos e R$ 1,11 bilhão ao longo de 30 anos, a receita líquida prevista é de R$ 3,27 bilhões, representando retorno de quase três vezes o valor investido.
A convergência dessas iniciativas sinaliza uma mudança de paradigma na abordagem da questão ambiental na região. Ao combinar recursos financeiros, políticas públicas e pesquisa científica, as ações demonstram que é possível aliar preservação ambiental com desenvolvimento econômico e social sustentável na Caatinga.