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10 de outubro de 2025 15:28

“Os povos indígenas são a única saída segura para a crise climática”, afirma ministra Sônia Guajajara

“Os povos indígenas são a única saída segura para a crise climática”, afirma ministra Sônia Guajajara

Na iminência da COP30, MPI busca garantir a participação popular dos povos indígenas nos espaços de decisão, com o desafio de ampliar o financiamento direito de ações dos indígenas nos territórios

Com a proximidade da COP30, a conferência do clima de Belém, o encontro das Nações Unidas na capital paraense em novembro será a primeira reunião multilateral sobre a crise climática realizada no Brasil desde 1992, quando a convenção da ONU que trata do assunto foi assinada, no Rio de Janeiro. Ele ocorre num contexto de desafios logísticos, geopolíticos e domésticos. As expectativas dos povos indígenas e para os povos indígenas parecem tão grandes quanto a capacidade dos povos originários de abrir frente contra a crise climática. 

Alcançaremos resultados práticos que incluam os povos indígenas nas políticas de mitigação das mudanças climáticas? Em uma entrevista exclusiva com a ministra do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Sônia Guajajara, exploramos o papel crucial dos saberes originário e territórios, e como a inédita articulação do MPI busca garantir financiamento direto e protagonismo para essas comunidades naquela que promete ser a maior conferência climática da história.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participa da cerimônia de posse da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara | Foto: Divulgação

Investindo Por Aí: Há a expectativa, externalizada em documentos pré-Cop Indígena, de que a COP30 tenha resultados práticos no sentido de inclusão dos povos indígenas nas políticas de mitigação das mudanças climáticas.

A mais difundida delas, e que a própria ministra tem falado bastante em entrevistas e audiências, é sobre o “reconhecimento formal da importância do conhecimento e dos territórios indígenas na resposta aos desafios do clima”.

Esse reconhecimento passa por equiparar o conhecimento indígena com o conhecimento científico? De que maneira o conhecimento indígena pode ser traduzido em políticas públicas capazes de fazer frente a crise climática?

Territórios e conhecimentos indígenas são, de fato, fundamentais para a mitigação climática porque há um reconhecimento público de que esses espaços são as terras menos desmatadas no Brasil e no mundo. Isso ocorre porque existe alguma política de proteção e, quanto maior essa política de proteção, menos desmatados são os territórios.

E, também, porque existem sujeitos que são os povos indígenas naquele território, que usam seus conhecimentos tradicionais numa relação harmoniosa com a biodiversidade, pelos seus modos de vida que mantêm a floresta em pé. Os povos indígenas comprovadamente são os maiores guardiões desses territórios, são os que mais protegem o meio ambiente, a partir de uma relação natural com o território. Então, é importante proteger esses direitos de quem protege o meio ambiente.

Conhecimentos e territórios indígenas devem ser considerados políticas de mitigação da mudança climática ao impedir o desmatamento e, consequentemente, a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, promovendo o bem viver não só para suas comunidades e povos, mas para todo o planeta.

Basicamente, a essência de várias políticas públicas do MPI parte da valorização e do reconhecimento dos conhecimentos indígenas e da defesa de seus direitos. Alguns exemplos são a PNGATI, que é a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, a recente política de fortalecimento dos territórios desintrusados, que são aqueles que passaram por operações de retirada de invasores e atividades criminosas e ilegais, a elaboração dos protocolos de Consulta Livre, Prévia e Informada, entre outras.

Fortalecer a conexão dos povos com o território e fortalecer os seus projetos próprios contra o desmatamento e sua autonomia, levam certamente a ações de mitigações importantes no enfrentamento à crise climática

Investindo Por Aí: É possível elencar alguns dos conhecimentos tradicionais principais que são capazes de subsidiar estratégias de conservação da biodiversidade e o equilíbrio climático e que podemos usar como exemplos? Você poderia nos dar alguns exemplos?

A Política Nacional de Gestão Ambiental Indígena foi criada e fundamentada na valorização dos conhecimentos tradicionais indígenas para a elaboração de políticas de gestão dos territórios. Ela apoia os povos indígenas na utilização de seus conhecimentos para gerir os seus territórios com protagonismo, com respeito aos seus modos próprios de organização social, aos seus modos de vida e sua autonomia. O MPI e o governo federal buscam financiamento para a implementação dessas ações, e também para apoiar o desenvolvimento e a gestão desses planos com protagonismo indígena.

A conservação da biodiversidade é tão relevante que a própria convenção do Rio, a Convenção da Biodiversidade, tem um órgão subsidiário sobre questões indígenas. Isso porque a convenção já reconhece que os conhecimentos indígenas precisam ser equiparados aos conhecimentos técnicos e científicos.

O MPI está trabalhando para o reconhecimento desses saberes indígenas também pela Convenção do Clima. Nesse caso, para além da conservação da biodiversidade, defendemos o fortalecimento de ações que impeçam o desmatamento.

Como exemplo concreto: a Amazônia sofreu no ano passado, em 2024, com várias queimadas em nível preocupante. Parte desses incêndios florestais foram provocados pela seca e pela mudança de temperatura e outra parte por agentes que de fato queriam avançar sobre a floresta com ações predatórias.

Foi preciso acionar inúmeras brigadas de incêndio para debelar o fogo e, muitas delas, eram formadas por indígenas. Foram os indígenas que trouxeram resultados mais concretos no enfrentamento ao fogo, porque puderam ser acionados mais rapidamente e conheciam os canais da floresta, por onde começava o incêndio, onde ele terminava e como combatê-lo de forma mais efetiva. 

Valorizar esses conhecimentos e garantir meios para o financiamento deste importante trabalho em longo prazo, sem interrupções, colabora para a implementação de medidas preventivas e de enfrentamento dos grandes incêndios com sustentabilidade, que além de influenciarem na queda do desmatamento nos territórios indígenas, também evitam sua ampliação para outras áreas.

Foto: Divulgação

Os indígenas sabem, concretamente, na vida cotidiana, quais medidas precisam ser tomadas em cada território, em cada aldeia, para evitar os efeitos dessas mudanças trazidas pela emergência climática. E sabem também quais as adaptações e soluções são mais efetivas em cada contexto.

Pois esses povos conhecem os territórios e já estão sentindo a mudança da natureza nas suas vidas, refletida nas populações dos peixes e outros animais, na alteração das estações e ciclos hídricos, no ritmo de crescimento das plantas, entre outros. Por isso, precisam ser ouvidos nas definições das políticas públicas porque os conhecimentos que detêm são fundamentais. É preciso valorizar esse conhecimento nas políticas de adaptação, de mitigação e de prevenção climáticas.

Investindo Por Aí: Na COP29, em Baku, o MPI defendeu o financiamento direto para comunidades de proteção dos territórios indígenas. Na mesma linha, a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) indígena pede que o financiamento climático – incluindo recursos do Fundo Verde, Fundo de Adaptação e Fundo de Perdas e Danos – seja acessado diretamente pelas organizações indígenas. Como o MPI pretende avançar nessa articulação dentro da zona azul da COP30, ou seja, com os demais presidentes e ministros?

O Brasil está se preparando e participando de dois grandes anúncios na COP. A COP30 terá vários espaços, com uma agenda de negociação, outra de ação, outra de mobilização social, e tem a agenda dos líderes da reunião dos presidentes.

As agendas de ação e de reunião dos presidentes terão alguns anúncios e estamos empenhados para que o financiamento direto esteja contemplado. O governo federal já tem avançado nesse sentido, uma das iniciativas já anunciadas é o Fundo Flores Tropicais para Sempre, também conhecido como TFFF, que tem reservado 20% dos seus recursos para apoiar os projetos de conservação da biodiversidade para os povos indígenas. Nesse caso, o recurso é direto e os projetos serão coordenados e geridos pelas organizações indígenas.

Outra iniciativa é o Pledge de Glasgow, a promessa realizada na COP26 e que viabilizou recursos de US$ 1,7 bilhões para ações de proteção territorial indígena ao longo de 2021 e 2025. O Governo Federal está trabalhando para que seja renovado num montante que possa apoiar políticas indigenistas de proteção territorial e a estruturação e fortalecimento das organizações. Portanto, seriam dois grandes anúncios.

Além disso, a MPI atua em conjunto com o governo brasileiro no sentido de que seja estabelecida uma meta de financiamento climático ambiciosa que dê conta dos desafios que o mundo tem para enfrentar as mudanças climáticas. Esse é um dos grandes temas da COP30: a definição da meta, de qual a forma de contribuição dos países e como será o cálculo do montante.

O debate sobre como se dá a transferência desses recursos passa pelo acesso aos fundos, como o Fundo Verde para o Clima (GCF, na sigla em inglês), o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) e outros. 

Há uma discussão no Brasil sobre formas para melhorar o fluxo desses recursos internos. Nós apoiamos a posição brasileira, que sempre trabalhou por uma meta quantitativa de financiamento muito ambiciosa. Temos certeza de que teremos avanços nesse ponto.

Também temos avançado em outras frentes, em especial para garantir que lideranças indígenas estejam presentes na Zona Azul e participem efetivamente, levando suas mensagens ao mundo. Um exemplo é o Círculo dos Povos, liderado por mim, para aumentar a representação de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e afrodescendentes junto à Presidência da COP30. A iniciativa é vinculada à Presidência da COP30, e será complementar às instâncias já existentes de participação desses grupos, tem entre seus objetivos garantir que os conhecimentos tradicionais sejam respeitados e fortalecidos na conferência. Este será um dos círculos de apoio à presidência da COP30 em áreas-chave para a conferência.

Os Círculos foram anunciados pela Presidência da COP30 em abril, e têm o objetivo de acelerar a implementação do Acordo de Paris e incentivar a ação climática para além das duas semanas da COP e da Convenção do Clima. Cada grupo atuará de forma independente e paralela às negociações, com trabalhos que auxiliarão a Presidência da COP30.

Dentro do Círculo dos Povos, há a Comissão Internacional Indígena, também coordenada por mim. Essa é uma iniciativa liderada pelo MPI que tem como objetivo garantir diálogo prioritário aos pleitos do movimento indígena na conferência, desde questões de credenciamento às agendas de negociação e ação. A Comissão é composta por representantes de organizações indígenas do Brasil e do mundo que trazem as principais demandas dos povos que estarão em Belém. Entre as nacionais, participam a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Além disso, também destacamos o Programa Kuntari Katu: Líderes Indígenas na Política Global, que vai levar cerca de 30 jovens indígenas para incidência direta no evento. Essa é uma iniciativa conjunta entre os Ministérios dos Povos Indígenas, do Meio Ambiente e Mudança do Clima e das Relações Exteriores, visando a formação de jovens líderes indígenas nos temas relacionados à governança global. O Programa já está em andamento e terá duração de 18 meses, em estilo híbrido, com 6 módulos presenciais, em Brasília, e diversas atividades virtuais, como seminários presenciais e acompanhamento permanente à distância, além de mentoria e aulas de inglês. O MPI garante o custeio para viabilizar a presença e participação dos indígenas do Programa Kuntari Katu nas etapas presenciais em Brasília.

Quatro representantes do Kuntari Katu já estiveram na COP 16 da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, e uma participou da COP 29 do Clima em Baku, no Azerbaijão. Na preparatória de Bonn, 23 alunos do curso participarão para já compreenderem os desafios que encontrarão em Belém. Ampliar as vozes e a presença indígena nesse espaço é imprescindível para resultados efetivos.

Foto: Presidência da República

Investindo Por Aí: Qual é a mensagem-chave que o Ministério dos Povos Indígenas deseja levar para a COP30?

Temos que pensar esse evento como uma agenda global que precisa resultar em decisões urgentes porque já estamos vivendo as consequências da emergência climática.

Nós estamos alinhados com o movimento indígena quando eles dizem que a resposta “somos nós”. A mensagem principal é a necessidade do fortalecimento dos territórios e direitos indígenas e a valorização dos conhecimentos tradicionais indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais como única saída para a mitigação das mudanças climáticas, ao ajudar decisivamente a diminuir o desmatamento e a definir processos de adaptação aos seus impactos.

Essa é a primeira parte da mensagem: precisamos reforçar e defender a importância dos povos indígenas para o futuro do planeta.

A segunda, fruto dessa primeira, é que estamos fazendo a melhor e a maior COP da história em participação popular. Então, a valorização dos conhecimentos dos territórios implica também na ampliação e qualificação da participação indígena nos processos. Isso também exige uma adaptação do próprio sistema de governança nesses espaços, do multilateralismo, de como dialogar com os povos.

E isso está refletido na mensagem da presidência da COP30 e no esforço de se realizar a COP de implementação e do multilateralismo. Para alcançarmos esse objetivo é preciso garantir e ampliar a presença indígena em vários dos projetos. Então, não é um multilateralismo qualquer, mas um que reconheça novos atores, que saiba dialogar e implementar projetos com muita rapidez, valorizando a diversidade e pluralidade de ideias. E isso os povos e as organizações indígenas são capazes.

Por isso, são os povos indígenas os maiores interessados na busca por soluções climáticas, de enfrentamento à emergência do clima. Enquanto, há muitos setores que adotam o negacionismo como narrativa central, os povos indígenas se fundam numa conexão única com a natureza, eles percebem as mudanças climáticas e sabem como enfrentá-las. Valorizar isso e trazer essa visão para o centro das discussões é a grande mensagem.

 

Este texto integra a série de reportagens especiais do Investindo Por Aí sobre a COP30

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