Considerada uma das principais infraestruturas de transporte público de Pernambuco, o Metrô de Recife está no centro de uma polêmica que envolve promessas de modernização e críticas sobre os riscos à mobilidade da população de baixa renda. O governo federal avançou com o processo de privatização do sistema, que hoje enfrenta um cenário de precariedade, alto déficit financeiro e queda na qualidade do serviço.
De um lado, autoridades defendem que a concessão à iniciativa privada pode trazer mais eficiência, novos investimentos e estabilidade para um modal essencial ao deslocamento diário de milhares de pessoas na Região Metropolitana do Recife (RMR). De outro, sindicatos, movimentos sociais e usuários alertam para os riscos de aumento das tarifas, redução de acessibilidade e perda da função social do transporte público.
O contexto da privatização
A Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), estatal responsável pela operação do metrô na capital pernambucana, encontra-se inserida no Programa Nacional de Desestatização (PND) nos termos da Lei n° 9.491 de 1997. Agora, o processo de transferência da operação avançou para etapas práticas.
Em nota, a Assessoria Especial de Comunicação Social do Ministério das Cidades afirmou que “atualmente estão sendo desenvolvidos os estudos técnicos para a estruturação da operação de transferência dos ativos da empresa para o Estado de Pernambuco e, ato contínuo, a outorga, por parte do Estado, de concessão à iniciativa privada para gestão, operação e manutenção da rede metroferroviária na Região Metropolitana de Recife. Estas operações conjuntas e indissociáveis visam à continuidade e melhoria da prestação dos serviços à sociedade.”
De acordo com o ministério, esses estudos estão sendo coordenados pela Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (SEPPI) da Casa Civil da Presidência da República e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com acompanhamento do Ministério das Cidades e do Governo de Pernambuco.
Ainda segundo a nota, a transferência dos serviços prestados pela CBTU na Região Metropolitana de Recife para o Governo do Estado de Pernambuco tem por objetivo o alinhamento ao disposto na PNMU, como realizado com o sistema metroferroviário da Região Metropolitana de Belo Horizonte nos anos anteriores.
Cronograma e próximos passos
O processo em Pernambuco está em fase de elaboração de estudos técnicos e, após a conclusão, haverá etapas de consulta pública, análise dos órgãos de controle, lançamento do edital, realização do leilão e, por fim, formalização do contrato.
Confira o cronograma com as datas abaixo:
- Realização de estudos técnicos e consulta pública: 3º trimestre de 2025;
- Aprovação dos órgãos de controle: 2º trimestre de 2026;
- Publicação do edital: 2º trimestre de 2026;
- Leilão: 4º trimestre de 2026;
- Formalização do contrato: 1º trimestre de 2027.
Um sistema em crise
De acordo com dados da CBTU Recife, cerca de 138 mil passageiros usam o Metrô do Recife por dia, sendo 80 mil na Linha Centro, 55 mil na Linha Sul e 2,6 mil na Linha Diesel, com uma tarifa subsidiada de R$ 4,25.
No entanto, o sistema enfrenta problemas crônicos: trens sucateados, falhas constantes, estações degradadas e falta de integração eficiente com ônibus e outros modais.
Para o governo, esse modelo é insustentável. A expectativa é que a concessão atraia investimentos privados capazes de modernizar a frota, melhorar a infraestrutura e garantir a manutenção do sistema.
Apesar das promessas, sindicatos e movimentos de mobilidade urbana questionam a privatização. O maior temor é o aumento da tarifa, que poderia afastar usuários de baixa renda, justamente o público que mais depende do metrô.
Além disso, críticos alertam para o risco de o sistema perder sua função social, já que o transporte público é um direito, não apenas um negócio e, quando a lógica do lucro entra em cena, há risco de redução de investimentos em áreas menos rentáveis ou até de cortes de linha.
Outro ponto sensível é o histórico de concessões no Brasil. Em alguns casos, como nas rodovias federais, os contratos foram questionados por não entregarem o nível de serviço prometido ou por reajustes tarifários acima da inflação.
O que mostram os exemplos de outros estados
O caso mais citado como referência é o de São Paulo, que desde os anos 2000 adota um modelo de parcerias público-privadas (PPPs) para algumas linhas do metrô e da CPTM. Linhas como a 4-Amarela são operadas por concessionárias privadas, com contratos de longo prazo. Essas experiências têm aspectos positivos: maior pontualidade, modernização mais rápida e integração tecnológica. Porém, também enfrentam críticas quanto ao custo dos subsídios pagos pelo Estado e ao preço das tarifas.
Já em Belo Horizonte, a privatização do metrô foi concluída em 2022, com o leilão vencido pelo Grupo Comporte. O contrato prevê investimentos de R$ 3,7 bilhões na ampliação da malha e modernização do sistema, com subsídios públicos para viabilizar a operação. A experiência ainda é recente, mas será usada como parâmetro para o Recife.
Mobilidade como direito social
Um dos desafios centrais no debate é equilibrar sustentabilidade financeira e direito à mobilidade. O Brasil reconhece a mobilidade urbana como direito social desde 2015, o que coloca o transporte público no mesmo patamar de saúde e educação.
Nesse sentido, especialistas defendem que qualquer modelo de concessão deve assegurar tarifas acessíveis, subsídios públicos bem planejados e mecanismos de controle para garantir que a iniciativa privada cumpra as metas de qualidade.
O Ministério das Cidades reforça esse compromisso: “A transferência dos serviços prestados pela CBTU na Região Metropolitana de Recife para o Governo do Estado de Pernambuco tem por objetivo o alinhamento ao disposto na Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Como mencionado, os estudos se encontram em andamento e seguem avançando, e após a sua finalização estão previstas as etapas de consulta pública, aprovação dos órgãos de controle, lançamento do edital, realização do leilão e formalização do contrato.”