A adesão ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) sofreu uma retração de quase 34% no primeiro trimestre deste ano, segundo dados divulgados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. A redução no número de contratos tem gerado preocupação entre os agricultores, especialmente no Nordeste, onde a atividade agropecuária é marcada pela alta vulnerabilidade climática e forte dependência de crédito subsidiado. O cenário tem levantado alertas sobre o risco de paralisação de parte da produção e os impactos econômicos para a região.
O Proagro funciona como um seguro para proteger pequenos produtores de perdas decorrentes de fenômenos naturais como seca, enchente e pragas. Ele também é uma exigência para que agricultores familiares tenham acesso a linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). A queda na contratação do seguro rural, portanto, compromete diretamente o financiamento da produção no campo.
De acordo com entidades do setor, as mudanças recentes nas normas do Conselho Monetário Nacional (CMN), que passaram a exigir a comprovação de regularidade fundiária e ambiental para a adesão ao Proagro, têm dificultado a liberação de crédito para milhares de agricultores. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirma que os novos requisitos têm se mostrado incompatíveis com a realidade da agricultura familiar em diversas regiões do país.
No Congresso Nacional, parlamentares ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária discutem a possibilidade de rever as normas, mas ainda não há consenso sobre a revogação das resoluções. O deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS), integrante da Comissão de Agricultura, defende uma revisão urgente do modelo. Segundo ele, o rigor burocrático está “interditando o acesso ao crédito rural” e poderá comprometer o planejamento das próximas safras.
A situação é especialmente delicada no Nordeste, onde a maior parte dos agricultores familiares enfrenta dificuldades para regularizar terras e cumprir exigências ambientais, muitas vezes por ausência de assistência técnica ou entraves nos cartórios. A escassez de chuvas e os efeitos das mudanças climáticas tornam o seguro rural ainda mais essencial para a sobrevivência da produção local.
Especialistas em política agrícola alertam que a continuidade dessa tendência pode levar a uma retração significativa da produção de alimentos básicos, como milho, feijão e mandioca, com efeitos em cadeia para o abastecimento regional e a geração de renda. “O Proagro tem papel estratégico para a segurança alimentar e para o equilíbrio econômico das áreas mais frágeis do país”, avalia um pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que acompanha o tema.
Exigências ambientais em xeque
Em entrevista ao Investindo por aí, o produtor rural Carlos Iran Teles Santos, que atua na região do Sealba — área que compreende partes de Sergipe, Alagoas e Bahia — relatou os desafios enfrentados com a contratação do Proagro neste ano. Segundo ele, embora não tenha tido dificuldades em anos anteriores, em 2025 o custo para adesão ao programa se tornou excessivamente alto.
A instabilidade climática da região é outro fator de preocupação. Carlos explica que, por conta do atraso na liberação dos recursos, o plantio muitas vezes é feito fora do período ideal de chuvas. “Estamos em uma região de alto risco climático, com incerteza no período de chuva, que é o inverno. Às vezes, devido à demora na liberação do recurso, acaba se plantando um pouco tarde, e consequentemente se pega uma janela de chuvas menor, aumentando ainda mais o risco para o produtor. Devido a essa redução, iremos diminuir a área plantada.”
Sobre as exigências ambientais impostas recentemente pelas normas do Conselho Monetário Nacional, ele diz que muitos produtores foram pegos de surpresa. “A regra ambiental, principalmente no BNB, nos pegou de surpresa pelas exigências. Foi uma mudança rápida, em que poucos têm domínio. Usam um sistema que, na grande maioria, poucos têm acesso. Soube que até o pessoal do Ibama não tem conhecimento de alguns alertas. E daí vai e solta a caneta dizendo: ali não se pode financiar, pois tem um alerta no Prodes. Seria muito bom isso ser revisto e dar um prazo ao produtor para adequação ambiental.”
Carlos também comentou sobre a escassez de seguradoras privadas na região. “Sealba é uma região de alto risco climático, onde não temos seguradoras particulares para poder dar segurança às lavouras financiadas.”
Resolução à vista?
Questionado sobre o que poderia ser feito para melhorar o acesso ao seguro rural, ele sugeriu ações específicas voltadas à realidade regional. “É preciso fazer uma análise das culturas por região. Hoje, o Sealba é um dos maiores produtores de grãos do Nordeste. É necessário revisar as alíquotas, capacitar os peritos de forma mais profissional, tornar as instituições financeiras mais ágeis nos processos de financiamento e readequar o zoneamento agrícola de várias regiões do Sealba”.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário informou, por meio de nota, que acompanha o debate sobre o Proagro e mantém diálogo com o Banco Central e o Ministério da Agricultura para avaliar ajustes nas regras. A pasta também destacou que pretende ampliar o acesso ao seguro rural com foco em pequenos produtores e regiões de maior vulnerabilidade social.
Diante do impasse, agricultores e entidades representativas têm mobilizado audiências públicas e solicitado a intervenção de governadores e prefeitos para pressionar o governo federal. A expectativa é que, nas próximas semanas, o tema seja debatido em reunião do CMN, que reúne representantes da Fazenda, do Banco Central e do Planejamento. Enquanto isso, no campo, cresce a incerteza sobre o próximo ciclo de plantio.