O setor de seguros global e brasileiro enfrenta um desafio sem precedentes: como precificar apólices diante da crescente e imprevisível realidade das mudanças climáticas. Eventos extremos – como inundações devastadoras, secas prolongadas e incêndios florestais – estão se tornando mais frequentes e intensos, minando os modelos tradicionais de avaliação de risco.
Essa nova realidade coloca uma pressão crescente sobre o valor dos prêmios de seguro, ou seja, o custo que o consumidor paga pela cobertura. Isso pode gerar instabilidade financeira para as seguradoras, exigindo uma profunda reformulação da lógica atuarial – a ciência que usa matemática e estatística para gerenciar riscos.
De acordo com o relatório Sigma do Swiss Re Institute, as perdas seguradas por catástrofes naturais atingiram US$ 137 bilhões em 2024 e devem chegar a US$ 145 bilhões em 2025, seguindo uma tendência de aumento anual. Esse cenário exige uma nova abordagem atuarial, mais sofisticada e adaptada à realidade climática.
No Brasil, a imprevisibilidade climática dificulta a utilização de dados históricos para o cálculo dos prêmios de seguro. A recorrência anormal de eventos extremos exige que as seguradoras revisem seus modelos de risco, incorporando ferramentas preditivas que utilizem projeções climáticas e dados meteorológicos em tempo real.
Iniciativas importantes já estão em andamento no país. A Confederação Nacional das Empresas de Seguros (CNseg), em parceria com a UNEP FI, publicou o guia “Construindo Seguros Para Transição Climática”. Essa colaboração já resultou no desenvolvimento do “Mapa de Calor de Riscos Climáticos Físicos para o Brasil” e da “Ferramenta de Cenários de Perdas Climáticas por Inundações Urbanas para o Brasil”, auxiliando o setor a compreender e mitigar os riscos futuros.
Nordeste
O Brasil já vive os efeitos dessa transformação. O Rio Grande do Sul, que enfrentou enchentes severas nos últimos 2 anos, preocupa o mercado. “Tenho receio de vermos surgir os chamados desertos de seguro — áreas onde simplesmente não há cobertura. Nos EUA, isso já é realidade em zonas de furacões e incêndios florestais. O Brasil precisa agir antes que isso se torne irreversível”, alertou Dyogo Oliveira, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
“O uso intensivo de dados e inteligência geográfica é essencial para garantir a continuidade do seguro em áreas vulneráveis”, explicou Oliveira. Duas bases de dados já estão em fase final de desenvolvimento no Brasil: uma voltada ao seguro rural, com histórico ambiental e social dos produtores, e outra focada em áreas com risco de inundação.
Outra proposta em discussão é a criação no Brasil, destacou Dyogo à APS, do Seguro Social de Catástrofe — um produto paramétrico de indenização emergencial (R$ 10 mil) para famílias atingidas por enchentes e deslizamentos. A contratação seria acoplada à conta de luz, garantindo capilaridade. “Estamos em articulação com o Legislativo para apresentar o projeto de lei ainda este ano”, afirmou Oliveira.
Além disso, foram discutidas iniciativas como o uso de green bonds pelo Tesouro Nacional, o desenvolvimento de seguros para concessões florestais e a definição da taxonomia sustentável do setor de seguros, com atenção para evitar exclusões arbitrárias de setores produtivos.
Mas os desafios são visíveis. Vão das inundações à falta de água. Em 2024, cinco gigantescas bacias hidrográficas brasileiras foram oficialmente declaradas em “estado de escassez hídrica” pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Foi a primeira vez, em mais de 100 anos de medições de volume, que isso aconteceu. Tal escassez devido à falta de chuvas se deu nos rios Paraguai, Puris, Madeira, Tapajós e Xingu. Foi a maior seca já registrada na região Norte do Brasil, onde estão todos esses rios, com exceção do Paraguai.
Antes, em novembro de 2023, descobriu-se que pela primeira vez temos um deserto em território nacional. Trata-se de uma área que fica no vale submédio do rio São Francisco, centro-norte da Bahia, na divisa com Pernambuco. É um território desértico com cerca de quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Até então não existiam desertos no Brasil, apenas regiões semi-áridas.
Agropecuária
Em se tratando do agronegócio nacional, o desafio de prover seguros ao setor a um preço viável mostra-se delicado em tempos de crise climática. O peso do agronegócio no PIB brasileiro é alto: 21,8% em 2024, segundo cálculo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Como a atividade agrícola se dá, em sua maior parte, ao ar livre, as fazendas são especialmente vulneráveis a intempéries. E o agricultor não tem como determinar, embora possa prever, a incidência de chuva ou sol em sua plantação.
Trata-se de uma atividade econômica muito dependente de fatores sobre os quais ninguém exerce controle. Daí a importância dos seguros. Há no Brasil o subsídio a seguros agronômicos. Trata-se de um apoio financeiro vindo do governo federal para reduzir o custo do seguro rural. O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) arca com parte do custo do seguro.
O poder público pode chegar a bancar 60% do valor total de uma apólice, dependendo do tipo de cultivo agropecuário que se deseja segurar e a disponibilidade orçamentária do governo. O PSR busca ajudar na cobertura de perdas causadas por eventos como secas, geadas e tempestades. Em tempos de crise climática, o agronegócio brasileiro ancora-se no programa.