Jornalismo econômico para a inovação no Nordeste -
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11 de setembro de 2025 12:09

10 propostas que devem emergir na COP 30 e como o Nordeste pode ajudar a cumpri-las

10 propostas que devem emergir na COP 30 e como o Nordeste pode ajudar a cumpri-las

Das medidas mais tecnológicas as mais humanas, as pautas do congresso podem ser enriquecidas por medidas que o nordeste já vem tomando
Foto: Agência Pará

Com a realização da COP 30 em Belém, o Brasil entra no centro dos debates climáticos mundiais. Mas o que exatamente deve ser discutido? E como o Nordeste, historicamente marcado por vulnerabilidades, mas também por inovação social, pode se posicionar como protagonista desse novo capítulo da sustentabilidade?

A seguir, reunimos 10 propostas centrais que devem aparecer com força nas negociações da conferência e explicamos de que forma o Nordeste já tem soluções, desafios e potencial de liderança.

  1. Adaptação às mudanças climáticas

Uma das principais pautas da COP será o fortalecimento de políticas que aumentem a resiliência das comunidades frente aos efeitos extremos do clima — como secas, enchentes e ondas de calor. Em 2024, o Brasil viveu dois extremos: as enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul e, meses depois, queimadas intensas por todo o território nacional, com foco na Amazônia.

Nesse cenário, não há espaço para omissão. O país precisa se posicionar com clareza sobre estratégias que mitiguem os danos e preparem a população.

É justamente nesse ponto que o Nordeste ganha força. Carlos Magno, integrante da coordenação do Centro Sabiá, destaca que o semiárido brasileiro acumulou, ao longo das últimas décadas, um conhecimento valioso sobre como conviver com os impactos do clima.

A região, que representa cerca de 12% do território nacional e abriga mais de 28 milhões de pessoas, é marcada por contrastes. A seca é intensa, mas também há períodos de chuvas torrenciais que revitalizam a vegetação e reabastecem os reservatórios de água.

Por isso, o semiárido brasileiro tem sido reconhecido como exemplo mundial de adaptação climática. Um marco recente foi o Intercâmbio Latino-americano de Soluções Climáticas no Semiárido, realizado entre 28 de outubro e 8 de novembro de 2024. Jovens de países como Colômbia, El Salvador e Guatemala vieram ao Brasil conhecer de perto essas experiências; e saíram com aprendizados que podem ser aplicados em outros territórios vulneráveis do planeta.

  1. Preservação de florestas e biodiversidade

Outra frente importante da COP 30 será o estabelecimento de metas concretas para a proteção e recuperação de biomas estratégicos. A Amazônia estará, como sempre, no centro das discussões, mas é fundamental que a Caatinga também ganhe visibilidade.

O único bioma 100% brasileiro tem enfrentado pressão crescente, mas também tem dado sinais de reação. Com o fortalecimento do Fundo Caatinga, os estados nordestinos buscam captar recursos para combater o desmatamento, recuperar áreas degradadas e garantir sustentabilidade econômica para as populações locais.

A biodiversidade da Caatinga é única, e seus serviços ecossistêmicos são essenciais para o equilíbrio do clima e da vida no semiárido. Proteger o bioma não é apenas uma demanda ambiental — é uma urgência social, econômica e estratégica.

  1. Redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE)

Estabelecer metas mais ambiciosas de descarbonização até 2030 será inevitável. E, nesse ponto, o Nordeste tem muito a contribuir. A expansão das fontes eólica e solar faz da região uma referência em energia limpa. Só em 2024, os financiamentos do Banco do Nordeste para geração centralizada devem evitar a emissão de mais de 18 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

O Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (ETENE) aponta que os 47 grandes projetos financiados pelo FNE representam o equivalente a seis anos de emissão da frota de carros de São Paulo.

Segundo José Aldemir Freire, diretor de Planejamento do BNB, o investimento de R$ 250 mil por tonelada evitada demonstra a importância estratégica da instituição no avanço da transição energética. “Além de infraestrutura para novas empresas, estamos contribuindo para que o Brasil reduza em quase 70% as emissões até 2035”, afirma.

No entanto, ainda existem obstáculos. A agropecuária segue como principal fonte de emissão de gases de efeito estufa em mais de 65% dos municípios nordestinos — especialmente no Maranhão e na Bahia. Em 2018, o setor emitiu 69,5 milhões de toneladas de CO2e. A abertura de novas áreas para pecuária e soja, aliada ao crescimento das capitais, pressiona o sistema.

A boa notícia é que o caminho da transição já está em curso. Com mais incentivos a projetos de hidrogênio verde, mobilidade elétrica e uma agropecuária regenerativa, o Nordeste pode consolidar sua posição de liderança em sustentabilidade.

  1. Financiamento climático

A COP 30 será, para o Nordeste, uma vitrine estratégica. Diante da urgência global por mecanismos de financiamento climático, a região se prepara para mostrar que não lhe falta projeto, mas apoio. Iniciativas como o Fundo Caatinga ganham força e se consolidam como ponte entre o potencial ambiental nordestino e a captação de recursos internacionais voltados à mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.

Bioma exclusivamente brasileiro, a Caatinga ocupa mais de 10% do território nacional e tem capacidade de captura de carbono superior à de florestas tropicais, funcionando, quase o tempo todo, como um verdadeiro sumidouro de CO₂. Com isso, torna-se um ativo ambiental estratégico para o Brasil nas negociações multilaterais. Mas preservar exige investimento. Por isso, programas como o “Caatinga Viva” — parceria entre BNDES, Banco do Nordeste e o FUNBIO — já garantiram R$ 8,8 milhões para financiar projetos de restauração ecológica em unidades de conservação e territórios tradicionais da região.

As expectativas são altas. A secretária do Meio Ambiente do Ceará, Vilma Freire, afirmou que a Caatinga será um dos eixos centrais da participação do Consórcio Nordeste na COP. A missão é clara: convencer investidores e lideranças globais de que financiar a preservação da Caatinga é uma decisão de impacto climático, econômico e social. Além da conservação em si, os projetos envolvem fortalecimento de cadeias produtivas locais, inclusão de agricultores familiares e soberania alimentar — numa abordagem que conecta clima e desenvolvimento.

  1. Transição energética justa

A transição energética é uma das maiores apostas do Brasil para os próximos anos — e o Nordeste, por sua vez, é a região que mais tem a ganhar e a oferecer nesse processo. Com mais de 80% da geração eólica e solar fotovoltaica do país, o território nordestino reúne as melhores condições naturais, tecnológicas e políticas para liderar essa virada verde. Mas é preciso ir além da produção de energia: a transição precisa ser justa, conectada às demandas sociais e capaz de gerar empregos de qualidade, renda e inclusão nos territórios que mais sofrem com a desigualdade.

Hoje, o desafio não é apenas técnico, mas estrutural. Uma transição energética justa envolve garantir que os benefícios da descarbonização cheguem a todas as camadas da população. Isso significa investir na qualificação profissional, na redistribuição dos lucros gerados pela energia limpa e no fortalecimento das cadeias produtivas locais. O potencial de crescimento é imenso: só com o programa Nova Indústria Brasil (NIB), estão previstos R$ 300 bilhões em investimentos para projetos como geração renovável, biocombustíveis, bioinsumos e redução de emissões industriais.

Em eventos recentes, como o seminário promovido pelo Correio Braziliense em parceria com o Banco do Nordeste, especialistas reforçaram o protagonismo que a região pode exercer na neoindustrialização do Brasil. Há um entendimento crescente de que, com apoio técnico e financeiro, o Nordeste pode converter seu potencial natural em desenvolvimento social concreto — usando a energia como vetor de transformação econômica, sem repetir modelos extrativistas do passado.

Emergência climática afeta anualmente o Nordeste |Foto: Reprodução.

A COP 30 será um palco estratégico para mostrar ao mundo que o Nordeste não é apenas um reservatório de vento e sol, mas uma região preparada para conduzir a transição energética com protagonismo, equidade e responsabilidade. Para isso, o papel dos bancos de fomento, como o BNB e o BNDES, é fundamental para garantir que os financiamentos estejam alinhados a projetos sustentáveis, inclusivos e enraizados nos territórios.

  1. Valorização da tecnologia ancestral e inovação social no semiárido

A agenda climática precisa reconhecer que os saberes tradicionais dos povos originários e comunidades do semiárido são tecnologias legítimas, com soluções práticas e sustentáveis para o enfrentamento das mudanças climáticas, e isto será pauta da COP 30, segundo Mikaelle. O Nordeste é um território de inovação social que mistura conhecimento ancestral e ciência moderna, capaz de oferecer respostas eficazes para a adaptação e mitigação, sobretudo no semiárido brasileiro. “Valorizar esses saberes é fundamental para que políticas públicas sejam inclusivas e conectadas às realidades locais”, afirma a ativista climática.

Integrar a cultura à agenda climática é também garantir que recursos e políticas cheguem a quem está na linha de frente da crise. O patrimônio cultural, os conhecimentos indígenas e as tecnologias sociais tradicionais são ferramentas essenciais para proteger territórios, promover a economia verde e assegurar um futuro resiliente para o semiárido e para todo o planeta.

  1. Inovação científica

A transição para uma economia sustentável depende da capacidade de inovar, e o Nordeste tem um papel estratégico nesse processo. A região concentra parques tecnológicos, universidades e centros de pesquisa que lideram estudos fundamentais para viabilizar a sustentabilidade ambiental e econômica. Áreas como armazenamento de energia, agroecologia e produção adaptada ao clima semiárido são foco de pesquisas que podem transformar desafios em oportunidades concretas.

Um exemplo desse avanço é o VII Simpósio da Rede de Recursos Genéticos Vegetais do Nordeste (RGVNE), que será realizado em outubro de 2025, na Universidade Federal do Piauí (UFPI), em Teresina. Com o tema “Mudanças climáticas e combate à fome: desafios para os bancos genéticos e comunidades rurais”, o evento reunirá especialistas para discutir como os recursos genéticos podem ajudar a adaptar a agricultura às mudanças do clima, protegendo a biodiversidade e garantindo a segurança alimentar.

O simpósio promete fomentar o intercâmbio de ideias e estratégias inovadoras, com palestras e mesas-redondas que abordarão as dificuldades enfrentadas pelas comunidades rurais, além dos avanços científicos necessários para mitigar os impactos ambientais. A organização conta com um time qualificado de pesquisadores que reforça o protagonismo acadêmico do Nordeste nessa área.

Com iniciativas como essa, o Nordeste mostra que não apenas acompanha a agenda global, mas pode liderar a inovação científica voltada à sustentabilidade, consolidando-se como polo de conhecimento e tecnologia para enfrentar os desafios climáticos com soluções locais e globais.

  1. Gestão de resíduos sólidos e economia circular

O Nordeste ainda enfrenta desafios estruturais importantes na coleta seletiva e na destinação adequada dos resíduos sólidos. Contudo, iniciativas locais, como cooperativas de catadores, consórcios públicos e projetos comunitários de compostagem, demonstram o enorme potencial da economia circular para promover inclusão social e sustentabilidade ambiental. A COP 30 representa uma oportunidade única para impulsionar políticas integradas no setor, com financiamento internacional e troca de experiências entre cidades nordestinas e outras regiões do mundo.

Em entrevista, Giulianna Coutinho, diretora Comercial e Institucional da Ambipar, ressaltou que “o setor de gestão de resíduos no Brasil apresenta um grande potencial de crescimento, podendo gerar entre 197 mil e 244 mil empregos”, conforme aponta um relatório da Fundação Dom Cabral e do Instituto Atmos. Ela enfatizou a importância dos investimentos para estruturar o setor, destacando que “com uma cadeia de reciclagem estruturada e eficiente, a atividade pode injetar até R$ 10 bilhões na economia, além de viabilizar a criação de mais de 200 mil empregos ao longo do tempo”.

Coutinho detalhou que, apesar do Brasil gerar cerca de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano, apenas entre 2,4% e 8,3% são efetivamente reciclados, o que representa uma perda econômica anual estimada em R$ 14 bilhões. “O relatório sugere ações essenciais para aprimorar a separação e o reaproveitamento dos resíduos, como ampliação da infraestrutura, adoção de novas tecnologias e incentivo a iniciativas culturais e educacionais”, explicou.

A Ambipar atua na gestão de resíduos pós-industriais com soluções completas baseadas nos princípios da economia circular e da política de aterro zero. “Valorizamos os resíduos ao reinseri-los na cadeia produtiva, reduzindo a extração de recursos naturais e promovendo uma economia de baixo carbono”, afirmou. A empresa investe em pesquisa e inovação, possui patentes para valorização de resíduos e desenvolve processos como reciclagem, compostagem, tratamento, geração de biometano e transformação de resíduos plásticos e eletrônicos em novos produtos. A infraestrutura inclui plantas de trituração, estações de tratamento de efluentes e operações especializadas em resíduos de saúde.

  1. Cidades sustentáveis e inclusivas

Às vésperas da COP 30, cresce a urgência por políticas urbanas que aliem justiça social e enfrentamento das mudanças climáticas. No Brasil, o Nordeste emerge como território estratégico, onde inovação e adaptação se cruzam. Capitais como Fortaleza e Recife já implementam planos climáticos, ampliam o transporte público de baixo carbono e apostam em soluções como arborização urbana e mobilidade ativa. A região, marcada por contrastes sociais e alta exposição climática, pode se tornar referência global para cidades médias em países tropicais.

Em São Gonçalo do Amarante, no Ceará, a Smart City Laguna se consolidou como a primeira cidade inteligente inclusiva do mundo. Integrando moradias acessíveis, infraestrutura de qualidade e espaços voltados à inovação social, o projeto abriga mais de 200 famílias e deverá atender até 20 mil pessoas. “O foco principal é oferecer uma infraestrutura de alto padrão que vai desde o masterplan até o saneamento, energia e pavimentação”, explica Rafael Santana, gerente de marketing da Planet Smart City.

A proposta vai além da moradia: são oferecidos cursos gratuitos, biblioteca, cinema, coworking, oficinas e uma plataforma digital que conecta os moradores à gestão da cidade. Desde 2016, mais de 10 mil pessoas participaram de ações comunitárias promovidas pela empresa, que também atua com base em nove Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A meta é clara: urbanismo que combina dignidade, tecnologia e impacto social em larga escala.

Além do Ceará, projetos semelhantes se expandem em Natal (RN), Aquiraz (CE) e em bairros de São Paulo, consolidando um novo modelo de cidade. A CEO da empresa na América Latina, Susanna Marchionni, destaca que o Brasil está entre os cinco países com maior déficit habitacional do mundo e que o conceito vem sendo bem recebido. Na prática, o Nordeste aponta caminhos para cidades mais humanas, conectadas e preparadas para um futuro climático cada vez mais exigente.

10.Educação ambiental e engajamento da sociedade civil

A educação ambiental tem se consolidado como um instrumento fundamental para a construção de um futuro mais sustentável no Nordeste. Ao integrar conhecimento formal com expressões culturais, saberes tradicionais e tecnologias sociais, ela mobiliza comunidades inteiras em torno da preservação ambiental e da justiça climática. Mais do que uma ferramenta de sensibilização, a educação climática tem formado cidadãos críticos, capazes de compreender os impactos das mudanças climáticas em seus territórios e de propor soluções concretas a partir da realidade local.

Nesse cenário, o ecoturismo, o turismo de base comunitária e as economias criativas emergem como caminhos possíveis para geração de renda aliada à preservação ambiental. Quando incorporada às políticas públicas, a educação ambiental estimula o empreendedorismo sustentável, o fortalecimento da biodiversidade e a gestão democrática dos recursos naturais. A atuação de escolas, universidades e movimentos sociais tem sido essencial para levar esse debate aos espaços decisórios e incluir a população nas estratégias de adaptação climática.

Outro elemento central nessa construção é a valorização dos conhecimentos ancestrais e das práticas tradicionais que, há décadas, aplicam os princípios hoje defendidos pela sustentabilidade. A preservação de territórios, a agricultura familiar, a economia de subsistência e os rituais coletivos demonstram que é possível manter vínculos com a terra sem abrir mão da inovação. Essa sabedoria popular, quando aliada a metodologias pedagógicas e ferramentas tecnológicas, impulsiona formas de viver e produzir que respeitam os ciclos da natureza e desafiam o modelo predatório vigente.

O Nordeste, longe de ser um território à margem da transição ecológica, tem mostrado que soluções climáticas eficazes podem surgir das margens, dos centros comunitários, dos quintais e dos territórios criativos. A educação ambiental que floresce na região não apenas denuncia desigualdades, mas aponta saídas: resgata histórias, reinventa práticas e projeta futuros mais justos e sustentáveis. Em tempos de emergência climática, são essas ações locais que desenham os caminhos possíveis para uma transformação sistêmica.

 

Este texto integra a série especial de reportagens do Investindo Por Aí sobre a COP30.

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