Alagoas está escrevendo um novo capítulo na sua trajetória energética, impulsionada por uma floresta de eucalipto. No município de Marechal Deodoro, a planta operada pela Veolia, em parceria com a Braskem, já produziu mais de 900 mil toneladas de vapor renovável em apenas um ano de operação. O projeto, que contou com um investimento de R$ 400 milhões, substitui o gás natural por biomassa florestal, contribuindo para a redução de cerca de 150 mil toneladas de CO₂ lançadas anualmente na atmosfera.
Na prática, isso significa tirar da matriz energética um combustível fóssil (o gás natural) e inserir uma fonte renovável, como o vapor gerado a partir da queima de biomassa de eucalipto. Ao contrário do gás natural, que libera carbono novo ao ser queimado, a biomassa é considerada “carbono neutro”. Isso porque o CO₂ emitido durante sua queima foi previamente absorvido pelas árvores durante seu crescimento. Trata-se, portanto, de um ciclo mais equilibrado do ponto de vista ambiental.
Eucalipto como ativo estratégico
O diferencial do projeto está justamente na escolha do eucalipto como fonte energética. Essa árvore, originária da Austrália, é conhecida por seu crescimento rápido e por apresentar alto rendimento por hectare. Enquanto a cana-de-açúcar, usada tradicionalmente para geração de energia a partir do bagaço, produz em média 10,6 toneladas de biomassa por hectare ao ano, o eucalipto pode chegar a 25 toneladas. Isso torna seu cultivo mais eficiente do ponto de vista energético, especialmente em grandes áreas como as disponíveis em Alagoas.
Ao todo, são mais de 5.500 hectares de plantação de eucalipto sob manejo da Veolia. A madeira extraída é processada para gerar o vapor que alimenta a unidade industrial de PVC da Braskem. Além do eucalipto, a usina utiliza resíduos como bambu, pallets, restos de madeira e estuda o uso de outras fontes locais, como casca de coco. Essa diversidade de fontes reforça a proposta de um sistema energético resiliente, adaptado à realidade da região.
Quando se fala em energia renovável no Brasil, o Nordeste normalmente surge como sinônimo de sol e vento. Estados como Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte são líderes em energia eólica e solar. Mas o caso de Alagoas mostra que há espaço para uma terceira via: a biomassa florestal.
O uso de biomassa é especialmente importante para setores que precisam de calor em grande escala, como a indústria química e a metalurgia. São segmentos onde a eletricidade (de origem solar ou eólica) ainda não é suficiente para substituir os combustíveis fósseis. A substituição de caldeiras movidas a gás por geradores a biomassa permite atender essas demandas térmicas com menor impacto ambiental.
Além disso, esse tipo de energia fortalece o elo entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. O projeto da Veolia e da Braskem gerou mais de 400 empregos diretos durante a construção e mantém cerca de 100 postos de trabalho na operação. Também estimula o setor florestal, o reaproveitamento de resíduos e a integração de cadeias produtivas com a bioeconomia.
A iniciativa em Marechal Deodoro está diretamente conectada às metas climáticas das duas companhias envolvidas. A Braskem estabeleceu como objetivo reduzir em 15% suas emissões de gases de efeito estufa até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Já a Veolia tem o compromisso global de eliminar suas emissões até a metade do século, com foco em três pilares: descarbonização, despoluição e regeneração de recursos naturais.
Na prática, esses compromissos são traduzidos em soluções como o uso de plataformas digitais (como o Hubgrade, da Veolia) que monitoram em tempo real o desempenho da planta. Isso garante mais eficiência, economia de recursos e maior controle ambiental.
O futuro: do vapor ao biometano?
Embora o projeto atual esteja focado na geração de vapor, especialistas do setor já apontam para a possibilidade de produção de biometano a partir da biomassa do eucalipto no futuro. O biometano é um substituto renovável ao gás natural, produzido a partir da decomposição de matéria orgânica em biodigestores.
Associações como a Abiogás defendem que o Brasil tem um enorme potencial para desenvolver esse mercado; especialmente em estados com produção florestal consolidada. Alagoas pode, mais uma vez, sair na frente ao integrar os setores de celulose, energia e bioeconomia em uma estratégia comum de baixo carbono.
O exemplo de Marechal Deodoro mostra que, ao lado do sol e do vento, o eucalipto pode se tornar mais uma engrenagem fundamental na transição energética brasileira – especialmente em regiões onde a indústria ainda depende de fontes térmicas.