Os cenários apresentam divergências, mas a maior parte dos especialistas consultados afirma que uma taxa básica de juros próxima de 5% nos EUA (Fed Funds) seria suficiente para causar no mínimo uma forte desaceleração da atividade global e, consequentemente, uma reversão dos preços de commodities, com prejuízos ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Hoje, os juros americanos estão entre 0,25% e 0,5% ao ano. Na quarta-feira, 4, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deve elevar a taxa em mais 0,5 ponto.
Ao mesmo tempo, a aversão ao risco reduziria os fluxos de capitais para países emergentes e tenderia a provocar um processo de enfraquecimento do real, com impactos sobre a inflação brasileira. Em um cenário de dólar mais forte e Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pressionado, o Banco Central (BC) teria de no mínimo postergar o início do ciclo de cortes da taxa Selic, previsto pela maioria do mercado a partir do segundo trimestre de 2023.
O Credit Suisse foi a primeira casa a alertar para o potencial de deterioração do cenário brasileiro caso o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) conduza um aperto mais forte. Em relatório divulgado esta semana, o banco pontua que uma alta dos Fed Funds até o nível de 4,5% – acima do cenário-base, de 3,25% – seria suficiente para aumentar o IPCA de 2023 dos 4,4% agora estimados para 4,9%, acima do teto da meta (4,75%).
“Eu estou vendo uma chance crescente de o Fed ter de apertar a política monetária mais do que está sendo precificado pelo mercado”, alertou a economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Nas contas dela, um aperto mais intenso dos Fed Funds, até o nível de 6%, já seria suficiente para produzir um IPCA acima do teto da meta também em 2024.
A percepção de chance crescente de uma disparada de juros nos EUA, com consequências graves para a inflação – e atividade – no Brasil, é compartilhada pelo economista-chefe da Santander Asset, Eduardo Jarra. Embora o cenário-base da gestora ainda aponte para juros terminais de 3,5% em 2023, o analista reconhece que a confiança na premissa hoje é de “média para baixo.”
“Quando a gente vai pensar no nosso posicionamento, damos um peso considerável ao que seria o cenário alternativo”, diz Jarra. Neste cenário, os Fed Funds avançariam a um nível próximo de 5%, suficiente para provocar estagnação ou recessão dos EUA no ano que vem. A desaceleração da atividade global geraria alívio dos preços de commodities, mas, com o enfraquecimento esperado para o real, o efeito líquido deveria ser inflacionário.
Enquanto a tendência seria de um IPCA acima do atualmente previsto pela gestora em 2023 – de 4,2%, com viés de alta -, o economista afirma que a combinação de commodities para baixo, PIB global mais fraco e ambiente mais hostil para emergentes teria impactos negativos para a atividade. A piora do quadro inflacionário também poderia ao menos atrasar o ciclo de corte da Selic, atualmente com início previsto no segundo trimestre.
“Isso é claramente um grande sinal negativo para o nosso PIB aqui dentro. Se isso ainda reverbera em cima de inflação, e talvez seja o motivo para o prognóstico de inflação ser mais carregado, é um duplo sinal negativo para a atividade”, explica Jarra, que espera alta de 1% do PIB no ano que vem. “Isso certamente me levaria a revisar para baixo esse número.”
Para o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, um aumento dos juros norte-americanos a um nível “moderadamente contracionista”, em até 4%, poderia ter efeitos benéficos para o controle do IPCA, devido ao componente de inflação “importada” pelo País. Mas um aperto muito mais forte, a um patamar acima de 5%, deveria gerar pressões de preços no Brasil e um sinal para baixo na atividade.
“O nível de juros nos EUA passa a ser muito alto, tem impacto no fluxo de capitais, e a rodada de depreciação de ativos e de desvalorização cambial no Brasil passa a ser relevante”, diz Megale, para quem o dólar poderia voltar ao nível de R$ 5,50. Esse cenário, diz o analista, limita o espaço para cortar a Selic no ano que vem, em meio a um quadro de “recessão global” que também pode prejudicar o PIB brasileiro.
O economista da Constância Investimentos Alexandre Lohmann alerta que o quadro poderia resultar em uma nova rodada de aperto da Selic. “O problema é que o BC já perdeu a meta em 2021, vai perder em 2022 e caminha para perder em 2023. Se a meta é descumprida por muitos anos, tem um incentivo para subir mais os juros”, afirma o analista, que estima, no cenário-base, Selic de 13,25% no fim deste ano e de 10,5% no próximo, com um IPCA de 4,56% em 2023.
Na outra ponta, o economista-chefe da Greenbay Investimentos, Flávio Serrano, afirma que os efeitos de descompressão nos preços prevaleceriam sobre uma depreciação do real, em um cenário de Fed mais hawkish e desvalorização das commodities. Embora reconheça que os juros norte-americanos contracionistas possam levar o dólar a um nível entre R$ 5,20 e R$ 5,30, Serrano afirma que o ambiente é favorável ao BC, por já estar à frente na política monetária, com inflação próxima do pico.
“De fato, o Fed ser mais agressivo pode atrapalhar o câmbio, mas não podemos esquecer que aquele movimento para R$ 4,70 foi muito recente e sequer vimos os efeitos disso na inflação. Não vejo estagflação em 2023 de jeito nenhum. É outro processo. Vamos estar com a atividade de fato desacelerando, mas com uma normalização das condições econômicas”, diz o economista, que prevê IPCA de 7,6% em 2022 e de 3,5% em 2023, com PIB a 0,6% e 0,3%, respectivamente.