Discussões sobre meio ambiente e as buscas por transições energéticas para matrizes menos poluentes não são exatamente novidades nas pautas ambientalistas. Assim como também não é novo falar sobre o grande potencial do Nordeste nesse contexto de produção de energia limpa; na atual perspectiva nacional, a região tem se destacado como uma dos principais players do mercado com o desenvolvimento de parques eólicos, energia solar e a geração de Hidrogênio Verde, por exemplo.
Recentemente as pautas ambientais têm ganhado ainda mais força à medida que 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima se aproxima. A COP30, que será realizada no Brasil, em Belém do Pará, em novembro deste ano, deve reunir mais de 40 mil visitantes com o objetivo de discutir temas como redução de emissões de gases de efeito estufa, tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono. O evento pode ser uma boa oportunidade para o Nordeste se mostrar ao mundo como um Hub Verde.
Potencial do Nordeste e COP30
O Nordeste já vem se desenvolvendo em infraestrutura e pesquisa para dar jus a essa fama. Dados do levantamento “Sustentabilidade e Indústria”, divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e conduzido pelo instituto Nexus nos meses de maio e junho deste ano comprovam esse interesse nordestino pelo tema.
Segundo o estudo, seis a cada dez empresas industriais da região já estão investindo em fontes renováveis de energia como solar, eólica e biomassa. Com isso, o Nordeste lidera o ranking nacional, superando Norte/Centro-Oeste (57%), Sul (48%) e Sudeste (44%). Ainda de acordo com a pesquisa, 77% dos empresários nordestinos demonstram interesse em acessar linhas de financiamento voltadas à sustentabilidade.
A liderança da região não é à toa. O Nordeste é beneficiado por condições climáticas favoráveis, o que permite às empresas locais aproveitar recursos naturais abundantes para reduzir custos operacionais e melhorar sua pegada ambiental. Uma prova que mostra a vocação natural da região está em estados como Bahia, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí que concentram grande parte da matriz eólica e solar brasileira.
Outro estado que se destaca na produção solar, e também empurrado por um potencial natural, é a Paraíba, que vem consolidado como um dos líderes na produção de energia solar no Brasil, impulsionada por sua alta incidência de radiação solar com índices que ultrapassam os 5,7 kWh/m² por ano em várias regiões do estado. Esse potencial natural, aliado à regulação segura e transparente da ANEEL, tem atraído investimentos significativos no setor elétrico, com projeções de geração de empregos diretos nos próximos anos.
Em entrevista ao Investindo Por Aí, Rafaela Camaraense – secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado da Paraíba – falou sobre o que o estado deve levar para apresentar na COP. “Uma das pautas que iremos levar será a defesa do Fundo Caatinga, uma iniciativa estratégica voltada ao financiamento de ações sustentáveis e de conservação do Bioma Caatinga, o único exclusivamente brasileiro. O fundo tem como missão apoiar projetos que promovam o uso sustentável dos recursos naturais, a geração de renda para comunidades locais e a preservação da biodiversidade. Além disso, busca fomentar o desenvolvimento sustentável no semiárido, incentivando atividades econômicas compatíveis com a conservação ambiental.”
Já Brígida Miola, secretária executiva da Indústria no Ceará, contou que na COP 30, o estado irá mostrar o trabalho já executado no estado. “Estado do Ceará terá a oportunidade de se destacar pelos seus projetos inovadores e infraestrutura logística, com ênfase no setor de transição energética, como, por exemplo, o caso do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP S/A), detentor do projeto mais avançado de hidrogênio verde no Brasil, com 07 pré-contratos assinados de H2V, com previsão de US$ 24 bilhões em investimentos.”
Entre os estados nordestinos, o Ceará é um dos que mais se destaca quando o assunto é energia renovável. Nos últimos anos, inúmeros investimentos no setor surgiram para viabilizar projetos nesse sentido. Entre eles destacam-se o Hub de Hidrogênio Verde, instalado no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP S/A), além de incentivos à atração de novos empreendimentos do setor, viabilizados por mecanismos legais, como o Fundo de Desenvolvimento Industrial da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará, por meio do programa PIER (Programa de Incentivos da Cadeia Produtiva Geradora de Energias Renováveis).
A secretária também destacou o investimento do estado em estudos técnicos, como é o caso do Masterplan do Hidrogênio Verde, realizado em parceria com a Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece) e Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), responsáveis por destacar as vantagens comparativas do estado, além de compilar informações técnicas como o mapeamento de setores prioritários e planos de ação.
As vantagens naturais do Nordeste para a produção de energias renováveis estão atraindo cada vez mais empresas de capital privado a investirem na região, contribuindo para a ideia que o Nordeste é de fato um hub verde para ser mostrado ao mundo.
Uma dessas companhias é a ENEBRAS, que segundo a própria, é a primeira empresa de energia solar do Nordeste. Localizada no Rio Grande do Norte, a ENEBRAS já soma 15 anos de atuação internacional e 12 no Brasil. De acordo com informações cedidas pela própria instituição, ela é especializada em soluções para projetos EPC (Engineering, Procurement and Construction), que contemplam o desenvolvimento da engenharia, fornecimento de equipamentos e construção de Usinas Fotovoltaicas de qualquer porte. Até o momento, a ENERBRAS já participou da implementação de mais de 10 MW de energias renováveis do Sergipe ao Ceará.
O engenheiro da ENEBRAS, Helder Ferreira, falou ao Investindo Por Aí que a empresa não pensa em mudar o foco da energia solar, no qual é especialista, mas afirmou que a companhia segue atenta aos avanços de movimentos de hidrogênio verde na região, além de destacar as valências nordestinas para a produção de energia limpa. “Obviamente que o Nordeste, até pela sua posição estratégica e geoestratégica no mundo, tem um potencial no desenvolvimento de indústrias renováveis. Em termos eólico e solar, já é uma certeza. Já o Hidrogênio verde, estão sendo desenvolvidos alguns projetos, o que coloca a região à frente, acredito que esse será o próximo passo muito grande aqui no Nordeste.”
Além de destacar as matrizes energéticas já “consagradas”, Helder chamou atenção para o que pode ser um novo caminho no futuro próximo em termos de produção de energia. Tema do seu objeto de estudo no mestrado na Universidade Federal do Rio Grande Norte, a termosolar de concentração é uma tecnologia que usa um jogo de espelhos, a luz do sol e sal para produzir energia a partir da ebulição da água, que gera vapor e aciona turbinas gerando eletricidade. Na avaliação do pesquisador, essa nova fonte possui um potencial grande na região justamente por poder fazer uso dos recursos naturais abundantes do estado potiguar.
“Esse tipo de tecnologia também tem uma inovação, pois ela permite o armazenamento através de sal e como, especificamente, o Rio Grande do Norte possui uma grande produção de sal, pode ser um grande passo inovador ter energia termosolar de concentração aqui no Nordeste, porque tem sol e sal. Em que o sal pode ser fonte de energia noturna, pois o ele armazena o calor durante o dia e durante a noite é liberado para produzir energia de novo”, afirma Helder.
Consórcio Nordeste
Nessa perspectiva de fomento do mercado de energias renováveis, o Consórcio Nordeste surge como um importante articulador entre estados, abrindo espaço para uma colaboração entre iniciativas públicas e privadas. Exemplos desse “meio-campo” estão nas parcerias entre o Consórcio e o Banco Mundial, no qual foram discutidos investimentos voltados à transformação digital na região, e nos inúmeros encontros bilaterais entre os estados nordestinos, governo federal e outros países interessados em parcerias.
Para Rafaela Camaraense, o papel de interlocutor do Consórcio Nordeste tem sido fundamental para a cooperação dos nove estados da região e coordenar políticas públicas, o que inclui atrair investimentos estruturantes nas áreas de energias renováveis, meio ambiente, saneamento, conectividade e inovação. “Através dessa articulação, a Paraíba vem ampliando o diálogo com instituições financeiras e fundos internacionais, fortalecendo seu posicionamento como um território estratégico para o desenvolvimento sustentável no Brasil”.
O professor e pesquisador da Universidade Federal de Campina Grande, José Irivaldo avalia que o trabalho do Consórcio Nordeste tem sido um diferencial para a região, mas também aponta os esforços do governo federal no incentivo em torno das energias renováveis, o que possibilita atração de investidores. “O Governo Central brasileiro tem sido sensível quando sanciona o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono em 2024, dando segurança jurídica nas relações negociais interna e externamente. Isso cria um ambiente regulatório favorável. Existe a perspectiva de um investimento de R$111 bilhões nesse setor, principalmente recursos externos”.
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) tem sido fundamental na articulação entre os governos estaduais, os países Europeus e os Fundos Soberanos do Oriente Médio, principalmente promovendo espaços de negócio em eventos nestes territórios. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o Nordeste corresponde a 90% da geração de energia eólica do Brasil, além de concentrar mais de 40% das usinas solares em operação. Além disso, o Qatar Investment Authority (QIA), fundo soberano do Catar, que é responsável pela gestão de investimentos estratégicos do país em nível global, tem cerca de US$ 450 bilhões em ativos sob gestão. O acordo entre Mercosul e Europa é também estratégico para ampliar as relações comerciais entre o Nordeste e o velho continente.
Os apoios nacionais e internacionais apontam que o Nordeste já se encontra no caminho para se tornar um Hub Verde. Dessa forma, a COP30, se bem aproveitada pelos estados nordestinos, terá um papel de consolidar a região como um dos principais players verdes do país e do mundo.