
O setor de gás natural está no centro de uma disputa regulatória com impactos diretos sobre tarifas, competitividade e o futuro da matriz energética brasileira. A Gás Week 2025 colocou em evidência os embates entre Governo Federal, transportadoras e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre os rumos do setor.
De um lado, transportadoras defendem que a privatização é essencial para a redução de custos. De outro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, critica o que chama de “privatizações levianas” e cobra uma atuação mais firme da ANP para conter “privilégios” no modelo atual, incluindo os da Petrobras.
“Precisamos que a ANP faça a sua parte e retire os privilégios daqueles poucos que hoje se beneficiam do atual modelo de escoamento e processamento. E que acabe também com o privilégio dos transportadores que se aproveitam da falta da regulação”, afirmou o ministro.
Do ponto de vista das transportadoras, o transporte de gás deve ser visto como parte da solução para a redução do preço da molécula. “O elo do transporte de gás natural é a solução para a redução do preço final da molécula, e não o vilão da falta de competitividade do gás”, defende o diretor Comercial e Regulatório da Transportadora Associada de Gás (TAG), Ovídio Quintana.
“A gente só vai ter bom preço do gás se a gente fomentar o máximo a competição. E o transporte [conexão de diferentes agentes na malha de gasodutos] é um instrumento para induzir a competição. A gente já mostrou isso nos últimos anos, com a abertura de mercado”, disse Quintana, ao participar do painel A Regulamentação do Gás para Empregar, na Gás Week 2025. Ele cita que, desde 2019, quando a TAG foi privatizada, a tarifa de transporte não subiu, em termos nominais (sem considerar a inflação).
A recente decisão do Ministério de Minas e Energia de cancelar o leilão de reserva de capacidade previsto para este mês e preparar um novo certame acendeu o alerta sobre os custos do transporte de gás natural. A medida reabre o debate sobre o impacto dessas tarifas na viabilidade econômica das térmicas e, por consequência, sobre os preços finais ao consumidor.
ANP busca harmonização regulatória
A ANP informou ao Investindo Por Aí que está firmando acordos de cooperação técnica com agências reguladoras estaduais com o objetivo de harmonizar, mesmo que de forma infralegal, as normas estaduais e federais relacionadas ao gás natural. Os acordos seguem a determinação do artigo 45 da Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134/2021) e envolvem parcerias com agências como Agenersa (RJ), Agrese (SE) e Arsepam (AM).
Esses acordos preveem estudos regulatórios, debates sobre o Novo Mercado de Gás e avanços na regulação do uso do biogás, ampliando o diálogo entre União e estados.

Avanços na abertura do mercado
Em nota exclusiva ao Investindo Por Aí, a ANP já vem tomando uma série de medidas com vistas a fomentar a abertura do mercado de gás natural, com aumento da competitividade. Já é possível observar um aumento significativo da participação na produção de gás de produtores independentes, especialmente na região Nordeste, e a efetiva consolidação do mercado livre, que ganhou especial impulso nos últimos 12 meses.
Adicionalmente, o quantitativo de contratos de compra e venda de gás natural tem tido crescimento expressivo, da mesma forma que o número de agentes atuando no segmento de carregamento de gás, na rede integrada, também tem se expandido.
Por exemplo, o número de contratos de comercialização cresceu mais de 10 vezes nos últimos quatro anos, passando de 90 em 2020 e chegando a 996 em dezembro de 2024. De forma semelhante, o número de contratos de transporte saltou de 9, em 2020, para 821 em dezembro de 2024.
Entre 2020 e 2024, o número de agentes autorizados para comercialização de gás passou de 124 para 215. No segmento de carregadores, passamos de 69 para 140 agentes autorizados.
A Agência também vem estudando medidas de desconcentração de oferta e de cessão compulsória de capacidade de transporte, de escoamento da produção e de processamento, bem como programas de venda de gás natural por comercializadores que detenham elevada participação no mercado.
Neste sentido, em 2023, a Agência elaborou a Nota Técnica Conjunta nº 2/2023, disponível no site da ANP, que apresenta o Diagnóstico Concorrencial da Indústria do Gás Natural Brasileira visando à proposta de Programa de Redução de Concentração (Gas Release).
O estudo servirá de subsídio para uma futura análise de impacto regulatório (AIR) sobre eventual adoção de programas que visem à desconcentração da oferta de gás natural e à promoção da concorrência.
Nordeste ganha relevância estratégica
A região Nordeste consolida-se como um polo estratégico na expansão da produção e distribuição de gás natural no Brasil. Desde 2023, a Petrobras tem intensificado investimentos na área, destacando-se o projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP), na Bacia de Sergipe-Alagoas, que visa ampliar a oferta de gás natural e reduzir a dependência de importações.

O SEAP prevê a instalação de duas unidades flutuantes de produção, armazenamento e transferência (FPSOs), cada uma com capacidade de processar até 120 mil barris de petróleo por dia e ofertar até 18 milhões de metros cúbicos de gás natural diariamente. A operação dessas unidades está programada para iniciar em 2026, representando um avanço significativo na infraestrutura energética da região.
Além disso, a Petrobras investiu R$2 bilhões na retomada da produção em campos maduros na Bahia, utilizando quatro sondas de grande porte para perfuração de poços em diversos campos. Esses investimentos reforçam o compromisso da estatal com o desenvolvimento energético do Nordeste.
A infraestrutura de transporte também é destaque, com a Malha Nordeste operada pela Transportadora Associada de Gás (TAG), abrangendo 3.012 km de gasodutos que interligam a maioria dos estados da região. Essa rede facilita a distribuição eficiente do gás natural, promovendo a competitividade e atraindo novos investimentos.
A abertura do mercado de gás no Nordeste é considerada irreversível, com a presença crescente de produtores independentes e regulamentações estaduais eficazes que incentivam a pluralidade de empresas no setor. Essa dinâmica contribui para a redução de preços e o fortalecimento da segurança energética na região
Próximos passos da regulação
A ANP encerrou no dia 1º de abril o período de consulta prévia nº 1/2025 sobre a revisão da Resolução ANP n° 15/2014, que trata da regulamentação das tarifas de transporte de gás natural. O órgão agora avalia as contribuições recebidas e dará sequência ao processo regulatório, que inclui análise de impacto regulatório, consulta pública e audiência pública sobre a nova proposta.