Por Ricardo Palmeira
Exclusivo para o Investindo Por Aí
Uma notícia vinda da Bahia tem feito tremer o futebol brasileiro: é a transformação do Esporte Clube Bahia em Sociedade Anônima, com a venda de 90% de suas ações por R$ 1 bilhão ao renomado Grupo City. Tal montante faz do Tricolor baiano a SAF (Sociedade Anônima de Futebol) mais cara do país, superando clubes do Sul-Sudeste que têm trajetória de títulos e reconhecimento midiático superiores. As outras grandes SAFs do Brasil – que também venderam 90% das ações – são, até aqui: Cruzeiro e Botafogo, cada um por R$ 400 milhões; Vasco, em fase final de negociação por R$ 700 milhões.
Mas, e o que fez do Bahia, para além de sua tradição e fanática torcida, um projeto tão valioso? A resposta já virou até bordão popular: não é apenas futebol. O Grupo City pertence aos mesmos sheiks que controlam o Mubadala Investment Company, um Fundo de Private Equity (investimento em participações) dos Emirados Árabes que possui R$ 1,5 trilhão de ativos em diversos segmentos econômicos mundo afora e que é presidido pelo príncipe e também atual presidente do país, Maomé bin Zayed Al Nahyan. O Grupo City fica a cargo de seu irmão mais novo, Mansour bin Zayed Al Nahyan, e do CEO do Mubadala, Khaldoon Al Mubarak. A ideia é adentrar mercados com potencial pouco aproveitado e descentralizar os investimentos no Brasil, quase sempre limitados ao Sul e Sudeste. Chegaram à Bahia em 2021 e já existem projetos em curso para que se consolide uma grande rede de negócios na região. O futebol é só um ponto dessa rede.
O principal aporte na Bahia até aqui é a Acelen, empresa fundada em 2021 para se tornar uma das maiores refinarias de petróleo do mundo. A sede administrativa fica em São Paulo, mas a refinaria está localizada na região metropolitana de Salvador e movimenta bilhões por ano. A criação da Acelen se deu com a compra em 2021 da Landulpho Alves, importante refinaria – até então da Petrobras – situada no distrito de Mataripe, 50 quilômetros a noroeste de Salvador.
Conhecendo o campo e mirando a rede
O projeto da Acelen, em complemento ao grande lucro esperado, busca fomentar o abastecimento de derivados de petróleo para todo o Nordeste, além de construir integração com outras indústrias da Bahia. Em um ano, praticamente dobrou a operação da antiga Landulpho Alves, com aumento de produção e incremento de portfólio.
O primeiro passo tem sido reativar a capacidade máxima da refinaria, que é processar cerca de 330 mil barris de petróleo por dia, o que corresponde a 14% do total de refino do Brasil e mais da metade do abastecimento de toda a região Nordeste. A refinaria passou os últimos anos sob gestão da Petrobras em desinvestimento até entrar em 2021 operando a cerca de 50% de sua capacidade. A recuperação da agora chamada Refinaria de Mataripe já permite ao Nordeste diminuir a importação de produtos como diesel e gasolina.
A recuperação vai além. Como exemplo, em abril, a Acelen anunciou o gás propano especial como novo produto de seu portfólio. Sua venda chega para suprir a importação, antes feita da Argentina e Bolívia. Entre novos e antigos, a Acelen já ultrapassa um portfólio de mais de 30 produtos, destacando-se, além dos combustíveis de automóveis, querosene de aviação, asfalto, parafinas, lubrificantes, nafta petroquímica e gás liquefeito de petróleo. Até aqui, já foi investido quase R$ 1 bilhão só na revitalização da refinaria, que alcançará a virada para 2023 com 97% da sua capacidade de produção ativa. Para 2023, são previstos investimentos de mais R$ 1 bilhão em modernização, além de existirem projetos para a criação de parques de energia solar e eólica que abasteceriam, entre outros, a própria refinaria.
Avançando ao ataque
Os negócios já começam a alcançar resultados. Em relação a empregos, foram cerca de mil novos gerados, entre atividades-fim e meio da empresa, sendo a maioria circunscrita ao mercado baiano. O avanço da produção, por sua vez, além de diminuir a necessidade de importação, tem permitido uma melhor integração com o maior Polo Petroquímico da Bahia e um dos maiores do Brasil, situado em Camaçari, também na região metropolitana de Salvador.
Incremento de produção e comercialização de subprodutos do petróleo, como variações de borracha e plástico, já são projetados para a partir de 2023. A Braskem, dona da maior indústria do polo petroquímico de Camaçari e pertencente à Novonor (antiga Odebrecht), holding de origem baiana, já avista resultados relevantes. Neste mês de outubro, recebeu uma oferta de compra a cerca de R$ 30 bilhões pelo fundo norte-americano Apollo, parceiro do Mubadala em diversos negócios pelo mundo. O cenário fez as ações da Braskem subirem na Bolsa de Valores em mais de 20% nos últimos dias.
Orbitar em torno destes negócios tem sido atraente e é a meta dos investidores de pequeno e médio porte. Um exemplo é a Gold Key 7, empresa especializada no fornecimento de equipamentos, serviços e tecnologia para o segmento industrial, dirigida pelo empresário baiano e ex-supervisor de operação industrial na Braskem por 14 anos, Sergio Pain. “Eles são recém-chegados ao Nordeste, mas com o tempo começam a descobrir o grande potencial de investimentos e oportunidades daqui. A partir disso, o mais importante é o que já começa a acontecer, que é integrar nossa região ao fluxo de capital árabe e mundial, descentralizando os investimentos no Brasil”, comenta o gestor da Gold Key 7, que já tem serviços prestados, além de negociações em andamento com a Braskem e a Acelen. “Já existe um reconhecimento a respeito dos serviços de alta expertise que são prestados pelos baianos e nordestinos”, completa Pain.
E, de fato, o olho dos árabes para o Nordeste não se resume à Bahia. Outra refinaria já na mira da Mubadala é a Abreu e Lima, em Pernambuco, que também viveu desinvestimento pela Petrobras e hoje opera em subutilização. Para os árabes, a refinaria Abreu e Lima funcionaria como um elo essencial, inclusive, dentro do projeto de abastecer o mercado do Nordeste de derivados do petróleo, fomentando a região e diminuindo a necessidade de importação. “Com a integração da nossa região ao cash flow mundial, as oportunidades surgirão em todos os segmentos. Evidente que os impactos mais rapidamente perceptíveis são nos setores de derivados de petróleo, operações industriais e, claro, os direta e indiretamente ligados ao esporte, pelo que se projeta com o Bahia. Mas o Nordeste e a Bahia, como um todo, ganham com essa rede que começa a se criar”, analisa Pain.
Hora dos gols
Nos negócios, a SAF não só funciona como investimento direto, mas também possui o papel de aproximar sociedades distantes. O Bahia entra com a função de ser mais um ponto dessa rede, integrar os árabes culturalmente ao estado e, também, promover o merchandising midiático do grupo.
O Bahia, clube mais popular do estado, foi o escolhido para fazer parte dos negócios, mas o Vitória também sai beneficiado. A Acelen se tornou, no começo de 2022, uma patrocinadora secundária das duas equipes. A partir de 2023, quando o negócio entre Bahia e Grupo City já estiver em exercício, a projeção é que os patrocínios da Acelen aumentem. Na Inglaterra, o Manchester City, carro-chefe do Grupo City e que conquistou quatro dos últimos cinco campeonatos ingleses, já se beneficia de uma rede assim. Embora Mubadala e Grupo City sejam pessoas jurídicas independentes, as parcerias se integram. O clube inglês possui dois patrocínios volumosos com empresas que fazem parte dos ativos Mubadala: a Healthpoint, no seguimento de saúde, e a Aldar Properties, de construção civil.
O Bahia já foi anunciado pelos seus novos donos como a segunda agremiação mais importante entre as 11 que o grupo possui pelo planeta e, assim, projeta um futuro bem próspero já em curto prazo. A sociedade com os árabes terá duplo benefício. O primeiro será o aporte de R$ 1 bilhão, cujo destino será assim dividido, pelos próximos cinco anos: R$ 500 milhões para contratação de jogadores; R$ 300 milhões para quitar todas as dívidas do clube; e R$ 200 milhões para outras aplicações, como infraestrutura e formação de novos atletas.
O segundo benefício será a requalificação da administração: a partir de agora, em contraponto à gestão profissional, mas também política, o departamento de futebol do Bahia terá à frente a equipe de alta expertise internacional do Grupo City. O gestor principal será o espanhol Ferran Soriano, empresário expert em futebol e CEO do Manchester City. Soriano é o CEO do Grupo City e só assume diretamente um clube do conglomerado quando o tem como projeto de primeira escala. É o caso do Bahia.
O Mubadala ainda estuda possibilidades de investimentos – algo que pode se estender a todo o Nordeste – em áreas nas quais eles já atuam em outros países, como agronegócio, tecnologia, mercado imobiliário e educação. Um destes projetos que começa a ser posto em prática é a criação de uma universidade na Bahia: o grupo comprou, em junho deste ano, a UnisulBahia, com sede em Eunápolis, além da faculdade de medicina da UniFTC, em Salvador. Vai fundir as duas instituições para formar uma nova, a ser gerida pelo Mubadala a partir de 2023, quando viverá um projeto de expansão. A conexão cultural já facilitou, inclusive, que se fizessem recentes reuniões entre os dois governos, nas quais se costuraram acordos de exportação do cacau produzido na região sul da Bahia para os Emirados Árabes.
O fomento ao desenvolvimento profissional e tecnológico também já é realidade. A Acelen aportou, neste ano, R$ 8,6 milhões em algumas unidades do Senai na Bahia. Foram dois contratos. O primeiro, de R$ 4,6 milhões, destinado a um projeto de capacitação, único no país, voltado para a formação de técnicos de operação e manutenção para o refino privatizado. Já o segundo contrato, de R$ 4 milhões para ser gerido em três anos, tem sido voltado para inovações e tecnologias relacionadas à eficiência hídrica, novas ferramentas de análise laboratorial, automação e indústria 4.0.