Por Danielle Santoro
Para Investindo Por Aí
No próximo dia 13 será realizado o segundo leilão para concessão de serviços privados de saneamento básico de Alagoas na sede da B3, em São Paulo, colocando o estado à frente da corrida por investimentos que poderão atender à meta de universalização desses serviços, conforme previsto em lei.
Alcançar, pelo menos, 90% da população com coleta de esgoto e 99% com acesso à água potável é uma previsão legal desde o ano passado, estabelecida pelo Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/2020).
O imenso interesse do mercado por este e outros leilões de saneamento será o tema de uma série de reportagens que o Investindo por Aí publicará ao longo desta semana.
Desafios
De acordo com o Instituto Trata Brasil, o país ainda tem um caminho longo pela frente, especialmente quando são analisadas as estatísticas longe das principais capitais. Estima-se que 83,7% dos brasileiros possuem hoje acesso à agua tratada, o que deixa de fora cerca de 35 milhões de pessoas. Apenas 26% entre as cem maiores cidades contam hoje com 100% de sua população atendida com água potável.
Os leilões que estão sendo realizados já desde o ano passado tentam avançar sobre esses números, uma vez que a meta da universalização depende de investimentos estruturais, portanto, mais longos.
O desafio é ainda maior para universalizar o acesso à coleta de esgoto, já que apenas pouco mais da metade da população brasileira (54,1%) é atendida por esses serviço em suas residências, conforme o Trata Brasil. O número equivale a 100 milhões de pessoas desassistidas e vulneráveis a inúmeros problemas de saúde, como epidemias e doenças gastrointestinais, entre tantos outros. A mudança desse cenário deverá demandar investimentos estimados entre R$ 500 bilhões e R$ 700 bilhões até 2033, o que equivale a, no mínimo, R$ 38 bilhões aportados no setor a cada ano nesse intervalo de tempo.
Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, em 2019, a região Nordeste só estava melhor do que a região Norte quanto à população atendida com rede de esgoto (25,8%, contra 12,3% no Norte). A discrepância desse número em relação ao Sudeste chama a atenção, onde 79,21% dos habitantes já contava com o serviço naquele ano.
Leilões: Alagoas na dianteira
Diante do compromisso de reduzir essa desigualdade e encontrar alternativas para os investimentos necessários no setor, o governo de Alagoas saiu na frente e realizou o primeiro leilão de concessão da Casal, a estatal de saneamento do estado, ainda em 2020. O modelo incluiu a divisão em blocos ou lotes de municípios. Em setembro de 2020, a BRK Ambiental arrematou o bloco A que inclui 13 cidades da região Metropolitana de Maceió, alcançando 1,5 milhão de pessoas.
O leilão previu investimentos de R$ 2,6 bilhões ao longo de 35 anos, prazo do contrato da concessão. Desse montante, R$ 2 bilhões serão aportados já nos primeiros seis anos. A BRK pagou ágio de 13.182% (cerca de R$ 2 bilhões) sobre o lance mínimo pela outorga da região, disputada também por outras seis empresas. Pelo modelo de contrato, a empresa investirá os recursos previstos em infraestrutura, enquanto a estatal Casal continuará responsável pela captação e tratamento da água. O produto já tratado será vendido para que a BRK distribua aos usuários.
Na próxima semana, Alagoas dá mais um espaço para a execução do modelo de concessão que foi considerado um sucesso pelo mercado. Entre as empresas que apresentaram interesse na concorrência durante a fase de reuniões para esclarecimentos de dúvidas sobre o certame, estão Iguá, Equatorial, BRK Ambiental, Aegea (investida da Itaúsa) e Águas do Brasil.
Dois blocos de Alagoas estarão em disputa: o primeiro inclui 37 municípios nas regiões Agreste e Sertão, com lance mínimo de R$ 33 milhões pela outorga; o segundo, com 24 cidades do litoral e da Zona da Mata, tem valor mínimo de R$ 32,4 milhões. Novamente, o contrato será de 35 anos de concessão e vencerá a empresa que oferecer o maior preço pela outorga em cada lote. Os dois blocos abrangem aproximadamente 1,3 milhão de habitantes (o equivalente a 39% da população alagoana).
A previsão é de que o(s) vencedore(s) deverão aportar R$ 2,9 bilhões em investimentos durante o contrato nos dois blocos. De acordo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os contratos permitirão a universalização do acesso à água nessas regiões em cinco anos, além de redução de perdas pela metade em 12 anos – um importante resultado ambiental, além dos ganhos evidentes em saúde, produtividade, valorização imobiliário e na atividade turística. Quando ao acesso à rede e coleta de esgoto, a previsão é de universalização nas regiões licitadas em até 11 anos de contrato.
Ganhos esperados
De acordo com Fábio Abrahão, diretor de Concessões e Privatizações do BNDES, o modelo inaugurado por Alagoas é o principal referencial de viabilidade da concessão para outros estados do Nordeste, mas também do Brasil. Ele destaca que, além de todos os ganhos resultantes dos investimentos em saneamento, há um imediato resultado na geração de empregos em obras a serem executadas pelos vencedores do leilão. Está prevista a abertura de, pelo menos, 2.500 empregos para a implementação das obras exigidas nos contratos.
Para o secretário estadual da Fazenda de Alagoas, George Santoro, que capitaneou o processo, o modelo de leilões que já se torna exemplo para o resto do país envolveu uma preparação cuidadosa entre estado e municípios. Coube ao governo de Alagoas fazer investimentos essenciais (construção de uma grande estação de tratamento de água e esgoto na região de Maragogi) previamente à realização dos leilões. Além disso, qualquer valor de ressarcimento ou indenização referente a serviços autônomos será assumido pelo estado. Isso permitiu não só maior atratividade aos leilões, como também garante que o total do valor da outorga a ser pago pelos vencedores será destinado aos municípios que integram cada lote.
As cidades, por sua vez, firmaram um Convênio de Cooperação com o Governo de Estado para integrarem cada bloco licitado, o que demonstra uma integração política e um pensamento econômico alinhado com as necessidades locais.
Outros estados do Nordeste
Além de Alagoas, a expectativa é que o governo do Ceará realize seu primeiro leilão em 2022, seguido por Pernambuco e Paraíba, cujos estudos já foram iniciados. No Ceará, onde as tratativas estão mais adiantadas, o BNDES deverá entrar com financiamento de R$ 6,4 bilhões para as obras a serem realizadas pelos vencedores. Na Paraíba, cujo edital está em formatação, a proposta é abranger regiões da capital João Pessoa e outros municípios do litoral, que receberão, aproximadamente, R$ 4 bilhões em investimentos.
O bloco inicial a ser licitado incluirá a região metropolitana de Fortaleza e a região do Cariri, somando 23 municípios e uma população de 4,17 milhões de pessoas. No Ceará, o modelo deve incluir a formação de uma parceria público-privada (PPP) entre o investidor privado e a estatal Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará) para a execução dos investimentos e o controle da concessão. De acordo com o BNDES, o Ceará está entre os seis estados brasileiros com menor índice de cobertura de água potável e coleta/tratamento de esgoto. A expectativa, ainda segundo o hub de projetos do BNDES, é de que o leilão seja realizado no primeiro trimestre de 2022, com previsão de R$ 6,4 bilhões em investimentos. O projeto encontra-se na fase de consulta pública
Sudeste
Ainda em 2021, o BNDES e o mercado seguem de perto as movimentações em torno de um novo bloco a ser novamente licitado no Rio de Janeiro. A Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) realizará no próximo 29 de dezembro um novo leilão de seu terceiro bloco licitado, já que a tentativa anterior não obteve interessados. A licitação envolve a concessão para a Zona Oeste da capital e outros vinte municípios, que deverão receber pelo menos R$ 4,7 bilhões em investimentos. A outorga mínima será de R$ 1,16 bilhão.
Em abril desde ano, o leilão de três blocos promovidos pela Cedae alcançou um resultado histórico de R$ 22,59 bilhões em outorga. Dois blocos foram arrematados pela Aegea e um pela Iguá. As empresas deverão investir R$ 27,1 bilhões em 29 municípios do Rio (onde vivem 11,7 milhões de pessoas) ao longo de 35 anos. O município fluminense de Teresópolis também realizará leilão ainda em 2022.
Outro leilão realizado pelo hub de projetos do BNDES no Sudeste foi no município de Cariocica, no Espírito Santo, com investimentos estimados em R$ 580 milhões, também no formato de uma PPP.
Demais regiões
Além do leilão vencido pela Equatorial Energia para assumir investimentos de R$ 3 bilhões em obras de saneamento em 16 municípios no Amapá (região Norte), a intensa movimentação de investidores no setor aguarda a publicação dos editais da Prefeitura de Porto Alegre e do governo do Estado (RS), que deverão demandar, respectivamente, R$ 2,2 bilhões e R$ 4,4 bilhões.