O Brasil se destaca como um dos grandes apreciadores de cerveja em todo o mundo, com uma tendência de aumento anual no consumo per capita. De acordo com o relatório da Kirin Holdings Company, publicado em dezembro de 2022, o país figura atualmente como o terceiro maior consumidor global dessa bebida, com 69,7 litros por pessoa, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Nesse mesmo ano, conforme informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o mercado cervejeiro nacional testemunhou um aumento significativo no número de estabelecimentos, registrando um incremento de 11,6% em relação ao ano anterior. Embora este crescimento represente uma leve desaceleração em comparação com os anos anteriores, quando o aumento foi de 12%, em termos absolutos, 2022 registrou um marco notável, com 180 novas cervejarias surgindo, superando as 166 do ano anterior.
Contudo, esse crescimento ainda se situa abaixo do pico observado em 2016, quando houve um impressionante aumento de 48,5% no número de estabelecimentos. O crescimento observado ocupa a 18ª posição na série histórica observada no gráfico. Tal desaceleração pode ser explicada pelo grande crescimento do setor observado no período estudado, já acumulado em 4.222,5%.
Cervejarias do Nordeste
O cenário nacional revela uma distribuição ampla, com 722 municípios brasileiros contando com pelo menos uma cervejaria registrada, o que equivale a 1 em cada 8 municípios do país. Apesar disso, no âmbito regional, o Nordeste, embora tenha visto um aumento de 7,1% no número de cervejarias registradas em 2022, mantém-se como a região com menor crescimento relativo.
A Bahia se destaca como o estado com o maior crescimento na região, com um aumento de 3 unidades em relação a 2020, contabilizando um total de 30 estabelecimentos. Alagoas, Maranhão e Pernambuco mantiveram o mesmo número de estabelecimentos registrados em 2022 que tinham em 2021. Demais estados aumentaram em 1 o número de estabelecimentos registrados.
Estado | Total de Estabelecimentos | Crescimento em relação a 2020 |
Bahia | 30 | 3 |
Pernambuco | 14 | 0 |
Maranhão | 10 | 0 |
Alagoas | 7 | 0 |
Ceará | 20 | 1 |
Rio Grande do Norte | 20 | 1 |
Paraíba | 8 | 1 |
Piauí | 6 | 1 |
Sergipe | 5 | 1 |
O crescimento do mercado cervejeiro brasileiro tem sido acompanhado por um ambiente propício para empreendedores interessados no setor. Em resposta a essa demanda crescente, o Sebrae, em colaboração com a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), conduziu o 2º Censo das Cervejas Independentes Brasileiras. Este estudo, realizado entre maio e setembro de 2021, contou com 306 respostas de produtores atuantes em diversas modalidades, representando 7% do total.
Uma análise desse censo revelou que 87% dos entrevistados consideram sua produção como artesanal, refletindo a identificação predominante dos participantes com esse segmento. Embora não exista uma definição estrita para cerveja artesanal, a maioria dos produtores se alinha dentro dessa categoria, destacando a relevância e a diversidade do cenário cervejeiro nacional.
De acordo com a Abracerva, um novo Censo do setor, em parceria com o Sebrae, está sendo produzido e deve ser publicado no início do segundo semestre deste ano.
Cervejarias independentes, as chamadas “artesanais”
As microcervejarias e importadoras estão ganhando destaque no mercado nacional, abrangendo as cervejas especiais, que incluem as artesanais, importadas e industriais de categoria “premium”, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil).
Embora não haja uma definição legal precisa, uma empresa precisa produzir até 500 mil litros por mês para ser classificada como microcervejaria, segundo a Abracerva. Geralmente, os produtores de cervejas artesanais não atingem esse volume, mas o setor tem crescido significativamente nos últimos anos.
“No Brasil, contamos com 1729 cervejarias independentes certificadas pelo MAPA, mas sabemos que esse número pode dobrar, considerando as pequenas cervejarias ainda na informalidade, com potencial para formalização e crescimento”, comenta Vicente Scalia, Analista de Competitividade do Sebrae Nacional. As cervejas especiais representam apenas 4% do mercado nacional de cervejas, conforme a CervBrasil.
O aumento do consumo de cervejas artesanais é impulsionado principalmente pela disseminação entre os consumidores. Enquanto a classe C tende a preferir as grandes marcas, as classes A e B buscam produtos que se diferenciam, característica encontrada nas cervejas artesanais.
Desafios competitivos
Apesar disso, as cervejas artesanais enfrentam dificuldades em competir com as cervejas em larga escala devido à falta de volume, embora ambas tenham uma carga tributária semelhante, em torno de 56%. Além disso, as bebidas especiais geralmente utilizam matérias-primas mais caras, muitas vezes importadas, o que resulta em um preço final mais elevado, chegando a ser mais de cinco vezes maior do que o das cervejas tradicionais.
“Neste momento crucial, a situação tributária molda não apenas o destino financeiro do país, mas também o futuro da indústria cervejeira para as próximas décadas. Com uma carga tributária atualmente inviável, superando 50%, é imperativo que, enquanto associação, nossos pleitos delineados são: primeiro, pedimos que todas as indústrias de bebidas não sofram reincidência de imposto seletivo; segundo, caso o imposto seletivo seja aplicado, que seja avaliado com base no teor alcoólico”, afirma Gilberto Tarantino, Presidente da Abracerva.
Qual o perfil dos empreendedores?
Em sua maioria masculino (90%), os empreendedores de pequenas cervejarias têm uma idade média de 45 anos e apresentam um alto nível de escolaridade. Cerca de 32% possuem ensino superior completo, enquanto 44% estão em algum nível de graduação. A busca por especialização é uma característica proeminente entre esses proprietários.
Em termos de distribuição geográfica, São Paulo é o estado líder, com 38% dos entrevistados, seguido por Minas Gerais (15%), Rio Grande do Sul (11%) e Distrito Federal (10%).
A maioria dos negócios é recente, sendo que 75% foram fundados nos últimos seis anos. Normalmente conduzidas por um, dois ou três sócios, a maioria das cervejarias emprega de um a dez funcionários diretamente nas operações.
E como funciona a produção e capacitação?
Muitas cervejarias independentes que possuem sua própria linha de produção têm uma capacidade variada, com algumas podendo produzir até 5.000 litros por mês. Entre elas, 37% têm a capacidade de produzir até 10.000 litros e 14% podem chegar até 30.000 litros. Além disso, aproximadamente 45% dessas cervejarias também prestam serviços de produção para terceiros, ajudando a reduzir a ociosidade em suas instalações.
No caso das cervejarias itinerantes, 45% delas têm uma capacidade de produção de até 500 litros, com uma média mensal de produção de 1.661 litros.
Em relação à formação dos empresários, a grande maioria (81%) já participou de cursos relacionados à tecnologia e/ou produção de cerveja, seguidos por cursos sobre estilos, harmonização e sommelier.
Um exemplo é Fábio Valente, dono da Donkey Head Cervejaria, em Fortaleza (CE). Depois de frequentar cursos de sommelier, ele e mais dois amigos entusiastas de cerveja decidiram começar a produzir cerveja em casa. O resultado da primeira produção foi surpreendente: uma cerveja excelente. Após receber elogios de amigos e especialistas, surgiu a ideia de comercializá-la. O interesse demonstrado foi o ponto de partida para o empreendimento.
O que se espera do setor?
Apesar do crescimento no número de cervejarias independentes, observa-se que a maioria dos empreendedores (64%) ainda reconhece margem no mercado para a inserção de novos negócios, ressaltando a persistente ampliação e vitalidade desse ramo.
“Como um dos maiores consumidores de cerveja do mundo, o Brasil oferece um vasto horizonte para crescimento. Fomentar a cultura cervejeira é criar um ambiente de oportunidades em que todos tenham sucesso juntos”, destaca Fábio Valente, proprietário da Donkey Head Cervejaria. “Quanto mais cervejarias, mais gente provará cerveja artesanal. E uma vez que alguém experimenta, dificilmente não fica fã. Afinal, temos um leque de sabores: frutadas, escuras, claras, vermelhas, com especiarias…E não tem limites para o que podemos criar”, complementa.
Os desafios impostos pela pandemia não foram negligenciáveis. O fechamento de diversos pontos de venda e a entrada agressiva de grandes cervejarias no segmento artesanal provocaram uma guerra de preços, forçando todo o mercado a se readequar, rever custos e operação, para voltar a crescer. Para enfrentar esse cenário adverso, a Cervejaria Duvália, primeira cervejaria artesanal de Olinda e uma das pioneiras em Pernambuco, adotou uma série de estratégias voltadas para a retomada do crescimento pós-crise.
Mário Rodrigo Acioli, proprietário e administrador da Cervejaria Duvália, relata: “Após a pandemia, onde tivemos uma dispersão muito grande de clientes e público geral interessado, o mercado voltou a mostrar sinais de crescimento. Implementamos ações como vendas diretas através de ecommerce, delivery e loja física, além de eventos próprios, como a Corrida Cervejeira Duvália RUN, visando atrair um público diversificado”.
A estratégia de expandir o portfólio com novas receitas de cerveja para diversificar nossa oferta também foi adotada. Essas mudanças refletem a nova exigência e perfil dos consumidores, que agora buscam experiências e produtos de qualidade. O empresário acredita que este é um movimento irreversível, semelhante ao mercado de vinhos de anos atrás, indicando um vasto potencial de crescimento.
As oportunidades não param por aí
Dado o apreço dos brasileiros por cerveja, uma variedade de oportunidades de negócios surge nesse mercado.
Uma opção é tornar-se franqueado de uma marca já estabelecida. Além do suporte da empresa franqueadora, o empreendedor inicia o negócio com um produto que já tem aceitação no mercado.
A expansão do setor tem impulsionado negócios em toda a cadeia produtiva. A área de distribuição, por exemplo, tem visto um aumento significativo na quantidade de quiosques e lojas especializadas.
Empresários de bares, restaurantes, pubs e similares podem aumentar o consumo desses produtos expandindo a variedade de cervejas em seus estabelecimentos. Uma maneira de encontrar novos fornecedores é participar de feiras do setor, onde é possível conversar diretamente com os produtores e estabelecer parcerias.
Vicente Scalia, Analista de Competitividade do Sebrae Nacional, ainda comenta: “Na busca por um crescimento sólido, estamos concentrando nossos esforços nas regiões Nordeste e Norte, onde vemos um potencial de expansão significativo, refletido no aumento das cervejarias certificadas. Comprometidos em promover a cultura da cerveja artesanal, conectá-la ao turismo e à economia criativa, agregando valor e oferecendo experiências únicas aos consumidores é um caminho que tem sido seguido. A diversificação de produtos e experiências, como harmonizações e eventos culturais, amplia o apelo do setor cervejeiro”.
No mundo digital, surgem negócios baseados em modelos de assinatura, nos quais os clientes adquirem produtos ou serviços por um período determinado, com frequência variável, como semanal, quinzenal, mensal, etc.
De acordo com Scalia, a venda de produtos “premium” por meio desse modelo de assinatura tem sido bem recebida pelos consumidores.