Por Fabíola Lago
Para Investindo Por Aí
Empresas de qualquer segmento que estavam protelando sua transformação para o mundo digital foram impulsionadas a se adaptar à demanda tecnológica a partir de 25 de março de 2020. Decretada a quarentena, uma verdadeira corrida para manter negócios e serviços foi acelerada com a pandemia. No Nordeste, apenas o e-commerce, segundo levantamento da consultoria NeoTrust, triplicou seu faturamento, na comparação entre 2019 e 2021 – um salto de R$ 2,7 bilhões no quatro trimestre de 2019 para R$ 6,7 bi até dezembro de 2022. Mas outras plataformas cresceram na mesma onda, como soluções para automação de crédito, marketing digital, telemedicina, educação à distância e o surgimento de centenas de startups, chamando a atenção de investidores de todo o país.
Sediada em Recife, a Neurotech, pioneira no uso de inteligência artificial (IA) para operações de crédito, há 20 anos mercado, foi uma das tech que colheu essa safra da pandemia: cresceu 30% em 2020 e repetiu a performance em 2021 com o mesmo índice. Segundo Domingos Monteiro, CEO da empresa, só no ano passado foram um bilhão de transações realizadas em todo o País. Para suportar a demanda, o quadro de pessoal que era inferior a 200 pessoas em 2019, hoje já conta com mais de 300 profissionais.
“Percebemos junto aos nossos clientes, que são tanto do e-commerce como do varejo físico, que era uma corrida contra o tempo, uma nova largada para digitalizar os negócios. Foi necessário recalibrar as operações no novo cenário com aplicação de IA para análise de risco, com novos canais de vendas, como aplicativos de mensagens, por exemplo”, conta Monteiro.
Outra pernambucana, a Tempest, que desenvolve soluções de cibersegurança, aumentou seu faturamento em 42% nos últimos dois anos e ampliou seu quadro de profissionais em 40%, chegando a 500 funcionários. A HubLocal, startup que estreou em 2019 com foco no marketing digital, saltou de 400 para mais de 3.700 clientes até 2021 e já recebeu R$ 2,2 milhões dos investidores no ano passado. Entre eles, Yves Nogueira, CEO da Tynno Venture Capital (um investidor anjo) e a Bossanova Investimentos.
Nogueira avalia que a pandemia trouxe um novo paradigma para a transformação digital, uma nova cultura, que não só mostrou a emergência da transformação digital das empresas, maior volume de investimentos, mas uma quebra de fronteiras. Paradoxalmente, o distanciamento social, com a imposição de relacionamento online, via plataformas como Zoom e Google Meet, por exemplo, acabou por aproximar investidores para as inovações desenvolvidas em outras regiões do país, com destaque para o Nordeste.
“Antes, o investidor da Faria Lima (Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo – atual centro financeiro), por exemplo, optava por conhecer startups do Rio ou de São Paulo, por conta da proximidade. A pandemia mostrou que é possível conhecer centros de inovação tecnológica de outros estados”, analisa o Nogueira.
O CEO gosta de ressaltar que antes de ser investidor anjo, empreendeu no segmento por 27 anos. Nogueira foi fundador da legaltech Kurier e hoje é seu sócio-acionista. É também diretor da Softex, entidade que reúne cerca de 250 empresas de tecnologia em Pernambuco. Ele observa um cenário bastante positivo para o setor. Mas ressalta: juros baixos são fundamentais para atração de investidores, porque trata-se de um capital de risco.
Haim Mesel, da Triaxis Capital, que trabalha com venture capital e investimentos em private equity, concorda: “novos players apareceram em um período de juros baixos. Para a atividade de investimento, isso é muito bom porque esse dinheiro migra para investimentos de risco um pouco maior”. Com escritórios em Recife, Belo Horizonte e Florianópolis, Mesel reforça a tendência de maior atenção à inovação fora dos grandes centros.
“Sem dúvida, o Porto Digital de Recife é um modelo nacional. O Nordeste é um player importante no cenário de tecnologia, incluindo o CESAR (Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife), a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). Depois chegaram os investidores de venture capital, que é o caldo para fortalecer as startups. Os negócios no Ceará também estão se fortalecendo, com muita novidade boa”, analisa Mesel.
Movimento no Ceará
Segundo mapeamento do consultor de inovação e tecnologia Moisés Santos, que presta consultoria inclusive para o Banco do Nordeste, só em 2021 o segmento cresceu 30% no Ceará. “Chegamos a esse percentual a partir do monitoramento de equipamentos públicos, editais e infraestrutura de tecnologia no estado. Infelizmente, as cifras não são abertas, somente em empresas com balanços públicos”.
Santos contabiliza que mais de 50 grandes empresas investiram em ambientes de inovação junto às startups no período da pandemia. Em sua avaliação, isso ocorreu porque estão sobrecarregadas com seus próprios processos como ERPs (softwares integrados de gestão), recrutamento e relatórios. “Seria muito caro contratar um especialista de inovação, especialista em processo, um time focado em TI, e muitas empresas não possuem esse know how. É onde as startups ganham relevância pela sua agilidade”, explica o consultor.
Apesar do panorama otimista, Santos acha que é possível crescer muito mais, mas é preciso contar com mais hubs de inovações que façam a ponte entre startups e possíveis empresas mantenedoras. “Recursos que antes só vinham de investidores anjos ou de investidores de venture capital passaram a vir também das próprias mantenedoras, que percebem que é uma boa oportunidade de negócio”, afirma.
O consultor também destaca as várias aquisições de empresas de tecnologia do Ceará por grandes grupos nos últimos dois anos, a exemplo da compra da Ivia pelo grupo indiano Wipro (estimada pela imprensa internacional em US$ 22,4 mi), da Casa Magalhães (adquirida pelo Grupo Boticário), da Agenda Edu (pela Eleva Educação), do Mercapp (vendido para a LINX), da Mobills (pela Toro), da Unum (pela Bematech/Totvs) e da Green Mile (comprada pela Descartes).
Força Baiana
Bons ventos também impulsionam a Bahia de todos os santos. “Só em novembro do ano passado, cinco startups receberam R$ 79 milhões de investidores”, conta Danjorge Almeida, diretor da Associação Baiana de Startups (ABAS) e líder da comunidade All Saints Bay. Duas delas, fintechs, soluções para o mercado financeiro. Foram R$ 40 milhões para a ZigPay e R$ 30 milhões para a BomConsórcio.
Segundo Almeida, a Associação Brasileira de Startups registra que Salvador é a cidade com o maior número de startups no Nordeste. Otimista, ele destaca que a pandemia, com o incremento das conexões online com investidores nacionais e internacionais, abriu um leque de novas oportunidades para a região.
Outros fatores destacados pelo consultor de inovação são incentivos promovidos na cidade. “Foi criada uma lei de inovação para startups, inclusive com descontos de IPTU na área do Comércio (bairro da cidade baixa de Salvador) e o ambiente regulatório melhorou muito”, destaca o líder da All Saints Bay. No momento, Almeida presta consultoria para o projeto do Sebrae Startup Nordeste. “Tenho conversado com empreendedores digitais da região e já percebemos que existe uma vocação da região para projeto de economia criativa, energia e agronegócio. O clima é de otimismo”, conclui.