Por Gabriel Roca
Para Valor Investe
Com a perspectiva de menor suporte dos preços das commodities, a época do dinheiro fácil em ações da América Latina já ficou para trás. No Brasil, especialmente, as estimativas de um crescimento fraco da economia em 2022, em meio aos desafios inflacionários e taxas de juros mais altas, justificam uma postura mais cautelosa na seleção de ações e a preferência é por companhias que tenham força para crescer independentemente do cenário macroeconômico.
Essa é a visão do diretor de renda variável para Brasil e América Latina e de pesquisa para mercados emergentes da Schroders, Pablo Riveroll, que conversou com Valor. A gestora, que supervisiona mais de R$ 23 bilhões em renda variável no país, reduziu o peso de Brasil durante a queda recente das ações locais, mas mantém uma visão construtiva, ainda que mais criteriosa, para os ativos.
Valor: Qual a interpretação do senhor sobre os recentes acontecimentos na China?
Pablo Riveroll: A política está mudando, com reformas no setor de educação para limitar a pressão para os pais em termos de gastos. O governo tem imposto limites no setor de crédito para o consumidor e de jogos on-line. Os setores não são muito intensivos em geração de PIB, mas os investidores estão tentando entender quais são as regras e que outros setores podem ser impactados. Isso, junto com os problemas de incorporadoras, pode gerar uma desaceleração da economia. É muito difícil saber se haverá um estímulo importante para compensar essa perda de tração na atividade. Historicamente, o governo gosta de manter
o crescimento da economia elevado. Hoje, as prioridades parecem ser outras.
Valor: Qual o cenário da gestora para América Latina e Brasil?
Riveroll: Nós vimos, nos últimos 18 meses, a maioria dos mercados emergentes performando muito bem, em especial na Ásia e na Europa do Leste, quando as economias começaram a sair da covid-19. No entanto, a América Latina não teve esse desempenho. No geral, estes mercados têm performado pior que o resto dos emergentes. Então, começamos a primeira metade deste ano com o mercado de Latam e Brasil, em particular, muito atrativo em termos de “valuation” [valor dos ativos].
Valor: O que ocorreu?
Riveroll: O mercado pensou que o impacto da covid-19 ia ser pior do que foi. No segundo e no terceiro trimestres vimos empresas surpreendendo em termos de lucro líquido. Do início do ano para cá, vimos também revisões positivas para o PIB. O Brasil começou o ano com previsões de 2% ou 2,5% de PIB e hoje estamos com 5%. Isso pode
ser extrapolado para o resto da América Latina. Sobre essa recuperação, não só tivemos uma base de comparação muito baixa, como um cenário externo muito forte. A força das exportações e dos preços de commodities ajudou a atrair dólares para a região, ajudando a fechar os déficits de conta corrente, e deu suporte às moedas. Esse foi o desempenho na primeira metade do ano. Agora estamos entrando em uma fase diferente.
Valor: Que fase seria essa?
Riveroll: Durante os últimos meses, estávamos com quase todas as commodities com um prêmio gigante de produção. Era um momento de lucratividade para os players. A queda foi causada por uma desaceleração da demanda e por uma limitação na produção de aço na China. E isso pode ser replicado também para outras commodities. Fato é que a América Latina não terá mais esse apoio tão forte dos preços de commodities. Não vemos um argumento forte para a recuperação de preços, porque já estavam muito altos. E, nesses níveis, ninguém está fechando capacidade de produção. Os preços continuam razoáveis para continuar a produção, então a oferta não vai cair.
Valor: Qual é a sua visão para o real?
Riveroll: A moeda tem dois drivers diferentes. De um lado, tem menos apoio das commodities, mas, mesmo assim, tem uma balança comercial fechada e o real não é vulnerável nesse sentido. Precisaríamos ver uma queda muito mais importante nos preços das commodities para ver uma abertura no déficit comercial. Não vemos um risco ali. Além disso, o Banco Central está finalmente respondendo aos problemas locais de inflação. Começamos o ano sem nenhum “carry”, nenhuma compensação para investidores estrangeiros investirem no real, com 2% de Selic. Agora, já há uma resposta bem relevante e a indicação do Banco Central é que há muita vontade de continuar o ciclo de alta de juros, até ter uma inflação estável. Já há algo de “carry” e o valuation da moeda é muito atrativo. A moeda ajustada por inflação local, comparada com uma cesta de moedas internacionais, está quase em suas mínimas históricas, perto dos mínimos de 2002. Pelos fundamentos tem valor, e, do ponto de vista dos fluxos, tem suporte. Mas há uma perspectiva econômica e fiscal ruim que atrapalha a moeda.