Por Pedro Diniz
Para Exame, de Caruaru
Em sua coleção de verão, apresentada no verão passado, a Prada lançou uma sandália rasteira feita de couro trançado, ao preço de 850 euros. A peça logo causou furor, e não apenas pela beleza. “Da feira de Caruaru!!! Brasil!”, postou a atriz Regina Casé. Sim, o calçado é idêntico ao feito por artesãos da cidade do agreste pernambucano, onde um par é vendido na feira local por 60 reais. Como Luciano Bezerra, que soube do caso por seus filhos. “Essa marca é da Itália, não é?”, perguntou. “É, essas coisas sempre acontecem”, afirmou depois, entre risos.
Intelectuais, internautas e celebridades logo apontaram o que, na prática, poderia ser o primeiro caso de apropriação cultural envolvendo o Brasil, com repercussão. O termo consiste no ato de pegar referência de um produto de um local desprivilegiado, sem dar crédito nem retorno aos apropriados. A reportagem apurou que, antes de a peça ser retirada de circulação, houve muita discussão dentro do conselho da grife. Concluiu-se que o modelo poderia ter inspirações egípcias, marroquinas ou ameríndias.
Para além da discussão, o fato é que o artesanato brasileiro tem sido cada vez mais valorizado no exterior e por uma parcela de consumidores brasileiros, ainda que parte dos artesãos não tenha o devido reconhecimento. Enquanto a indústria da moda vive a era do design artesanal, as décadas de exposição em feiras e projetos vinculados ao turismo local não foram suficientes para proteger os pequenos fabricantes da míngua financeira.
Parte da indústria atentou para o problema. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) apresentou neste mês a varejistas o projeto Calçados do Brasil, um marketplace que faz a ponte entre marcas e donos de lojas para estimular a compra desses produtos dentro do país. No segmento de couro, a maior parte das marcas é das regiões Sul e Sudeste. Pela proximidade com os curtumes locais e com a tradição desses estados em empreender no segmento, as empresas conseguiram formar parques que produzem em escala.
Mais artesanais e com apelo estético, porém, são as marcas abrigadas no programa Brasil Fashion Now, uma iniciativa que reúne, além da associação calçadista, as de têxtil, confecção, estilistas e a agência brasileira de exportações, a Apex-Brasil. Em conjunto com a plataforma de vendas diretas Blanc Fashion e por um valor de 1.600 dólares por uma vitrine de seis meses na plataforma, marcas autorais que tenham métodos manuais em sua essência ganham projeção para fechar negócios.
Entre as etiquetas de lá estão as de rendas da estilista homônima Martha Medeiros, a de ráfia e palha nordestina Akra Collection e a de acessórios de couro Cabana Crafts. O leitor mais atento perceberá que as duas últimas carregam nomes em inglês, e isso diz muito sobre o cliente que mais valoriza o design originário brasileiro — fabricantes, e não só os grandes, muitas vezes precisam apostar no mercado internacional para manter os custos.