Por Gustavo Ferreira
Para Valor Investe
O mercado nacional teve um encontro com a realidade nesta sexta-feira (24).
Depois de passar três dias apagando parte das perdas conquistadas em novembro, investidores tornaram a ver sua carteira de ações sofrer avarias. Seja por força do problema mais recente a lidar na cena internacional, a quebra iminente da chinesa Evergrande, seja por causa do maior problema nacional do momento, ao menos na seara econômica, a inflação, insistentemente, superando as expectativas mais pessimistas a cada divulgação.
Com a queda de 0,69% desta sexta, o Ibovespa acumulou na semana ganhos de 1,65%. Com o índice os 113.283 pontos, perdas de setembro foram reduzidas a 4,63%. Em dólares, são de 7,73%. Desempenho aquém da média dos emergentes representada pelo índice MSCI Emerging Markets. No mês, seu ETF negociado em Nova York acumula queda de 3,11%.
⎮Sobre o primeiro ponto, resumindo bem, a segunda maior empresa imobiliária da segunda maior economia do mundo ameaça dar um calote de US$ 350 bilhões na praça
Na segunda-feira (20), o mercado acionário desabou com um barulho desses. Mas, entre terça (21) e quinta (23), reagia com tudo ao afastar o risco de colapso do sistema financeiro na proporção da crise global de 2008. Ainda que o governo de Pequim se negue a socorrer a companhia, deve dar suporte a quem ficar com o pincel na mão. Estancaria, assim, riscos de quebradeira generalizada.
Mas as incertezas seguem. A Evergrande acaba de deixar passar o prazo de um de seus compromissos. Além do mais, um dos principais motores de crescimento da China – e do mundo a reboque – é o setor imobiliário, que tende a derrapar como um todo. Ainda é cedo para estimar qual será o tamanho do pisão a mais no freio num atividade local já em desaceleração. Mas parece inevitável.
O principal termômetro dessa crise é o preço do minério de ferro, que acentuou o derretimento na segunda com queda de 9%. Mas reagiu com uma disparada de 17% logo na sequência. Esse reação colossal, no entanto, não tirou preços das proximidades dos níveis mais baixos em 15 meses. O que ajuda a quantificar um derretimento de meias de 50% em apenas quatro meses, de US$ 237 a US$ 111 por tonelada. Na semana, preços subiram no acumulado 9%.
- Em meio à essa alta volatilidade, as ações da Vale acompanharam a queda de segunda-feira em maior sintonia que as altas mais forte e persistentes da semana. No acumulado de cinco pregões, depois de caírem 1,55% nesta sexta, tiveram desvalorização de 0,45%. Já as ações da siderurgia não andaram todas juntas. O papel da Usiminas, por exemplo, entrou em disparada. Menos exposta às importações feitas pela China, e provendo muito mais aço ao mercado interno, foram usados por investidores para se defender. E acumularam ganhos de 17,03% na semana. Já as ações da CSN, no bloco do setor as com maiores fatias de receitas vindas da China, teve perdas de 2,58% no intervalo.
⎮Já na cena nacional, não chega mais a assustar quando a inflação surpreende. Mas preocupa. Mais uma vez, números vieram acima do topo das apostas mais pessimistas
Depois do IPCA de agosto, foi a vez do IPCA-15 de setembro, cuja fórmula é a mesma, mas mede a alta do custo de vida entre dias 15, e não meses do começo ao fim. A alta de 1,14% é a maior para o mês desde o Plano Real, ou seja, em nada menos que 27 anos. Veio acima dos 1,13%, aposta mais alta entre as apuradas pelo Valor. E ainda mais da mediana das estimativas, de 1% cravados.
Em 12 meses, a inflação está acumulada em 10,05%. O Banco Central (BC) tem a responsabilidade de entregar em 2021 uma alta do custo de vida de 3,75%, com tolerância para cima até 5,25%. Ou seja, o resultado está agora em quase o dobro do teto da meta. O que torna o comprometimento ferrenho da autoridade monetária em subir juros de 1 em 1 ponto, e não mais que isso, temeroso para a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico.
“A gente segue vendo uma piora na dinâmica da inflação, mês a mês, concentrada na alta de preços nos setores de bens e serviços”, diz. “E são justamente canais que exercem pressão inercial na inflação, ou seja, com capacidade de alimentar a alta de preços nos meses seguintes.“
A piora constante de cenário entre as duas últimas decisões de juros no BC não trouxe a aceleração de passo na alta de juros que vinha sendo apostada como necessária por quase unanimidade pelo mercado. O que teria respaldo no comunicado anterior do BC, quando era dado destaque ao risco inercial da inflação. Que não desapareceu, ao contrário, se agravou. Já o parágrafo que indicava essa preocupação redobrada, curiosamente, foi simplesmente apagado no novo comunicado.
⎮Ou seja, oficialmente, o BC sinaliza que não se preocupa mais com antes. Ainda, também oficialmente, o problema só tenha feito piorar.
Agindo assim, o BC parece ter menos fé nos dados e mais numa temporariedade da inflação que, faz mais de um ano, se prova inexistente. Nega-se a aumentar os esforços que têm sido vãos e aposta fichas no acaso. Diante dessa apatia, já são nove semanas em que o mercado puxa sistematicamente para cima as projeções de inflação para 2022. A décima vez consecutiva deve vir na pesquisa Focus de segunda-feira (27).
“O comunicado anterior do BC parecia correto, assertivo. Demonstrava maior atenção com a inflação, não mais lida como temporária. Já neste último, apesar de tudo ter piorado nas semanas anteriores, o BC insiste em cravar que o ritmo de alta de juros é mesmo de 1 ponto a cada reunião, não importando o que aconteça no meio do caminho. Isso é muito complicado”, diz Damico.
- Ainda que esse tiro possa acabar saindo pela culatra no decorrer dos próximos meses, a pá de cal colocada pelo BC numa aceleração do ciclo de ajuste foi positiva para o mercado de bolsa. Afinal, se é inevitável a perda de atratividade para a renda fixa, será menos veloz do que se especulava. Além disso, parte importante a sustentação do Ibovespa na semana veio do sistema bancário. Se o consumo vai ficar mais restrito com a alta da Selic, será por empréstimos mais caros, o que pode engordar receitas de bancos. O papel ordinário (ON, com direito a votos em assembleias) do Bradesco foi o mais beneficiado no acumulado da semana. Com a queda de 1,33% desta sexta, ficou com ganhos de 2,08% no período;
- Por outro lado, ficou cravada no resultado da semana das ações da B3 a perspectiva de redução do fluxo de investidores de ações em seus pregões. Depois de cair 0,22% nesta sexta, papéis acumularam na semana perda de 2,12%. Entre as varejistas potencialmente afetadas pelo crescimento menor do Brasil via juros, o maior impacto foi sentido pelas ações das Americanas, com 6,86% de perda no acumulado. Bem de perto, as da Magalu apanharam 5,65% no período.
Das 91 ações do Ibovespa, só 243 apontam para cima nesta sexta. Ao todo, tiveram giro de R$ 20 bilhões. Foi um tanto aquém dos dias anteriores da semana, reduzindo a média diária a R$ 24 bilhões. Em cinco sessões, 58 papéis da carteira teórica acumularam ganhos.
“Causa estranheza o BC cravar que a inflação no final do ano que vem será de 3,70% em 12 meses, quando a mediana do mercado está apontando para 4,10%. Ele está certo, mais de cem analistas de todo o Brasil estão errados? E esse número da pesquisa Focus, no meu entender, é até otimista. Eu projetava 4,70% de IPCA em 2022 até a semana passada, mas devo subir já para 4,80% e com viés de alta”, diz Damico.
Para a economista, soa pouco crível o dólar projetado pelo BC em R$ 5,25 ao final de 2022. O que permitiria, defendeu o BC no comunicado emitido na semana, não só sua estimativa de inflação de 3,7% se concretizar, mas a Selic até o fim do ano que vem estar apenas em 8,50%.
Contra esse câmbio desenhado pelo BC para 2022, há o risco fiscal. Que, ao contrário da discurso repentinamente mais brando do presidente Roberto Campos Neto nas últimas semanas, está em franca piora. Sem falar da insegurança que pode ser realimentada a qualquer momento pelo presidente Jair Bolsonaro, que não permite a ninguém colocar a mão no fogo. E cujo principal desafiante das próximas eleições, o ex-presidente Lula, não reza fiscalista consensual do mercado.
⎮O céu de brigadeiro pintado pelo BC tem grandes chances de nublar, diz Damico, também por força do crescimento cadente da economia.
“A falta de crescimento, no meu entender, é um motor ainda mais poderoso do que os juros para determinar o câmbio. A Selic pode até subir, aumentando o diferencial de retorno oferecido pelo Brasil em relação aos outros países. Mas sem crescimento, não haverá porque a atração de dólares aumentar, ao contrário.”
Investidores parecem, em sua maioria, alinhados ao quadro pintado pela economista. E ponderando também a possível alta de juros nos Estados Unidos já no meio do ano que vem, puxaram o preço do dólar nesta sexta em 0,65%, aos R$ 5,3433. Na semana, ficou 1,07% mais cara no Brasil a moeda americana. A despeito da Selic e do apetite por ações em alta.
- Os pontos da curva de juros, apesar do ritmo de alta engatado desde a véspera, ficaram em patamares inferiores aos da semana passada. Tendo de subindo de um dia ao outro de 8,92% a 8,96%, taxas de contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) ficaram inferiores aos 9,04% da última sexta-feira.
- No longo prazo, onde mais vale o cheiro de calote na dívida federal, também tivemos dois dias de alta. Entre quinta e esta sessão derradeira, taxas DI para 2031 foram de 10,82% para 10,89%. Mas é menos que os 10,94% de uma semana atrás.
Fonte: B3 e Valor PRO. Elaboração: Valor Data