A Ferrovia Transnordestina está prestes a inaugurar uma nova fase de desenvolvimento para o Nordeste brasileiro. Com a previsão de início das operações comissionadas para novembro de 2025, em um trecho entre o interior do Piauí e o interior do Ceará, o empreendimento ganha fôlego com o anúncio da construção de entre cinco e sete terminais intermodais ao longo de seu traçado. Apesar de inicialmente chamados de “portos secos”, essas estruturas não terão caráter aduaneiro, mas funcionarão como hubs logísticos capazes de regionalizar o transporte ferroviário, conectar áreas produtivas do semiárido ao mercado externo e impulsionar cadeias produtivas locais.
A estratégia foi apresentada recentemente pelo presidente da Transnordestina Logística S.A. (TLSA), Tufi Daher Filho, em entrevista ao Diário do Nordeste. “Vamos ter um (porto) lá no Piauí em Eliseu Martins. Vamos ter um grande terminal nosso próprio lá. Além do Pecém, vamos ter muito provavelmente em Trindade (PE), por causa do polo gesseiro. Estamos avaliando Missão Velha e Salgueiro (PE), uma delas para se ter um, e provavelmente entre o Porto do Pecém e Iguatu, a gente deve ter mais um, ainda não sabemos em qual será o local”, afirma.
A assessoria de imprensa da Transnordestina afirmou que esses terminais intermodais serão específicos para cargas como grãos, minérios, combustíveis e calcário, tanto para o mercado interno quanto para exportação e importação. “Vamos operar diretamente na maioria dos casos, com possibilidade de operação por terceiros em alguns pontos”.
Expressão “portos secos” causa confusão de significado
Apesar da confusão inicial com o conceito de porto seco, os terminais anunciados não terão status de estação aduaneira interior (EADI), que exige autorização da Receita Federal. Segundo o professor Paulo Resende, professor e coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral, portos secos são infraestruturas fundamentais para descongestionar os portos marítimos.
“Eles são estações aduaneiras do interior, onde as cargas não precisam ser imediatamente liberadas nos portos. Elas recebem um documento de trânsito aduaneiro que permite que tenhamos a liberação mais rápida das cargas nos portos indo para o interior. A partir disso, quando chegam nos portos secos, essas cargas são liberadas. Isso gera uma série de reduções de custos, a partir do momento que descongestionam os portos marítimos e sobretudo tem-se uma diversidade maior das atividades logísticas no interior do país. Então, em geral, essas estações aduaneiras são muito positivas”, explica.
Interiorização com impacto nacional
A interiorização da logística ferroviária tem um potencial transformador no Nordeste. Tradicionalmente excluída dos principais corredores de exportação do país, a região poderá agora conectar seus polos produtivos, como o polo gesseiro do Araripe (PE), a bacia leiteira do Piauí e o agronegócio do Matopiba, diretamente ao mercado externo. A estrutura permitirá o transporte de grãos, fertilizantes, minérios e outros insumos de forma mais eficiente, sustentável e com menor custo.
“A rede logística integrará o Nordeste aos principais mercados mundiais, seja com exportação de grãos, calçados e outros, ou com a importação de insumos como fertilizantes”, confirmou a Transnordestina.
Para Paulo Resende, essa mudança poderá corrigir um dos grandes gargalos logísticos do país: a excessiva concentração da movimentação de cargas em portos do Sul e Sudeste. “O Brasil é um país que concentra muito da sua movimentação em poucos portos. Apesar de nós termos 8 mil quilômetros de costa, a nossa concentração ocorre em pouquíssimos portos. Então, para o caso do Nordeste, por exemplo, nós temos várias cargas que não chegam nos portos de lá. Muito pelo contrário, a maioria chega nos portos do Sul e do Sudeste, principalmente Santos. Portanto, se bem feito, se bem localizado, se bem instalado, existe uma vantagem que chega a acontecer em várias situações: a redução de custos logísticos”, explica o professor.
Multimodalidade e sustentabilidade
Ao investir em integração entre modais ferroviário, rodoviário e portuário, a Transnordestina se alinha a uma tendência crescente no setor logístico: a multimodalidade sustentável. A ferrovia é considerada um dos meios de transporte mais eficientes do ponto de vista energético e ambiental, e sua combinação com estruturas intermodais pode viabilizar novos hubs logísticos regionais, dinamizando economias locais.
“A integração entre modais é fundamental para que nós tenhamos a logística do Brasil melhorada. O país precisa avançar muito nessa integração entre os modais. Cada modal tem as suas peculiaridades, vantagens comparativas, competitivas, e elas são sinérgicas. Então, o que é vantagem numa rodovia, pode ser complementada numa ferrovia e assim sucessivamente”, explica o professor da FDC.
Garantia de demanda é um dos principais desafios
Apesar do otimismo, há obstáculos a superar. Um dos principais é garantir demanda consistente para os terminais intermodais. A ferrovia depende da certeza de carga para se viabilizar economicamente. Isso exige um mapeamento detalhado das vocações produtivas ao longo da linha férrea e incentivos concretos para atrair operadores logísticos e indústrias para essas regiões.
“É preciso haver um mapeamento bastante específico e detalhado que ocorrerá uma demanda de cargas a serem liberadas nos portos secos onde é que eles existem”, aponta Resende. A escolha dos municípios que abrigarão os terminais será decisiva nesse sentido.
Se bem-sucedida, a estratégia da Transnordestina poderá reposicionar o Nordeste como um protagonista na malha ferroviária e logística do país. A iniciativa representa uma oportunidade histórica de romper com a lógica centralizadora que ainda domina a infraestrutura nacional, levando desenvolvimento, eficiência e competitividade ao interior do Brasil.