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27 de julho de 2024 06:09

Por que mudar o ICMS durante o período eleitoral e no meio de uma crise de oferta internacional?

Por que mudar o ICMS durante o período eleitoral e no meio de uma crise de oferta internacional?

O STF mais uma vez é chamado a buscar solução para uma das maiores crises da federação e da tributação

Após a Constituição Federal de 1988 todos os estados instituíram o ICMS que se tornou a sua principal fonte de receita. Entretanto, após ter crescido sua participação no total arrecadado pelo governo em geral, isto foi revertido e há muito tempo não é verdade. A União e os Municípios cresceram sua participação, porém, os estados, concorrendo entre si, adotaram uma política tributária fraticida que, aliada às mudanças econômicas decorrentes das mudanças tecnológicas foram aos poucos perdendo sua base de arrecadação.

Assim, para fazer frente às crescentes obrigações para prestar serviços principalmente em educação, saúde e segurança pública, por estratégia de sobrevivência fiscal, concentraram sua arrecadação nos segmentos de energia, telecomunicação e combustíveis – espécie de Blue Ships do ICMS – que representam, no mínimo, cerca de 35% do total arrecadado. Este tributo representa cerca de 80% de toda a arrecadação própria de um Estado.

Os Estados focaram esforços nestes segmentos padronizando as normas e medidas de fiscalização por meio de convênios, protocolos e ajustes normativos. Optaram pela sistemática da substituição tributária com uso de um sistema de informação parametrizado e confiável para resolver questões de crédito tributários entre os entes. Foram anos de estudo e negociação com estes segmentos produtivos.

Infelizmente, uma sequência de atos políticos e muita desinformação técnica proporcionou uma das maiores confusões legislativas tributárias que se tem notícia. Tudo feito a toque de caixa, sem debate e avaliação dos impactos das medidas, não só sob o prisma da arrecadação tributária, mas também pela insegurança jurídica gerada e o total desestímulo aos investidores que ousem apostar no Brasil. Tudo em nome de diminuir preços e a taxa de inflação.

A verdade é que há um grande desconhecimento de como funciona um tributo sobre o valor agregado. Ele possui o pressuposto que quando uma parte da cadeia tem benefício tributário, a parte seguinte pagará mais, ou seja, a carga tributária não se altera, muda, apenas, quem vai pagar mais ou menos. No caso dos produtos e serviços objetos das mudanças, os estados aplicam a substituição tributária e, na prática, o que vemos é a mesma coisa só que fica mais evidente pela alteração das margens de lucro na cadeia produtiva.

Com a chegada da LC n°192, os estados como não sabiam como aplicar o normativo sem causar um grande estrago em tudo que foi construído. Buscaram uma solução criativa estabelecendo um preço teto transitório e autorizando cada um dos entes a darem descontos, evitando-se assim que houvesse a subida da carga tributária em, pelo menos, dez estados. Infelizmente, a medida foi mal interpretada pelo legislativo e, na sequência, após judicialização promovida pela AGU – Advocacia Geral da União – foi concedida decisão liminar pelo Ministro do STF, André Mendonça, na ADI 7164. O Congresso, então, inicia a tramitação do PLP 18/22 que, recentemente, foi convertido na LC n° 194. Antes mesmo da promulgação da LC n°194, que teta o ICMS de energia, comunicações, combustíveis e transportes, definindo esses produtos e serviços como essenciais e fixando sua alíquota em 17%, a AGU novamente ajuizou uma nova ação, a ADPF 984 para discutir a essencialidade destes produtos e serviços, e os estados, a ADI 7191 arguindo as inconstitucionalidades da LC 192, sendo que ambas foram distribuídas para o ministro Gilmar Mendes.

Entretanto, até este momento, ninguém sabe como ficará a tributação em 01.07.2022. Como as empresas vão recolher seus tributos? A situação virou um atentado à segurança jurídica no país, pois esses normativos, com a redação que se encontram, além de desestruturar os custos de alguns setores econômicos, acabam por permitir um aumento na margem de lucro ao longo da cadeia produtiva. Uma análise dos demonstrativos contábeis do 1° quadrimestre das empresas distribuidoras de combustíveis e produtoras de petróleo, por exemplo, deixa claro o substancial aumento de suas margens de lucro. Tudo isso apenas devido ao congelamento da base de cálculo do ICMS e a redução dos impostos federais, com a redução da alíquota do ICMS esse efeito se ampliará devido a sistemática da substituição tributária.

Essa medida foi feita para evitar o aumento dos combustíveis, e o que aconteceu? Continuaram a subir, só que agora dando mais lucro para esses segmentos. Tomar medidas tão complexas no afogadilho, visando benefícios eleitorais, trarão sérios riscos institucionais e jurídicos para todas as partes envolvidas: União, Estados, Municípios e empresas. As diversas afrontas federativas e a princípios de competência constitucional tributária, responsabilidade fiscal e estabilidade jurídica agravam demais a insegurança de investidores e de governos. Essas leis sem as devidas modulações e ajustes trarão sérias consequências para a economia e para o futuro do país.

Como pode um ente fixar a alíquota do tributo de competência de outro? É como se fornecedor de trigo obrigasse a padaria a cobrar um valor para seu pão não se importando com as peculiaridades do mercado local e dos custos da padaria. Isso foi feito nas duas leis complementares citadas. Nem ao menos foi dado prazo para implementação das medidas! Os Estados e Municípios têm leis orçamentárias em vigor, inclusive, um Plano Plurianual vigente até o final de 2023. Em todos os documentos legais supracitados não há nem risco contingente de se perder cerca de 15% da Receita Corrente Líquida. E tudo isso em ano eleitoral, onde a legislação expressamente proíbe benefícios tributários desta forma!

Como é difícil empreender num país que não tem regras estáveis, nem mesmo as tributárias, que agora podem ser estabelecidas de forma vertical em tributos de competência diversa. Qual recado mandamos para os investidores?  Só nos resta o STF para colocar as coisas no devido lugar, se possível buscar uma solução que possa conciliar a nação e recolocar nosso país no rumo da segurança jurídica e institucional. Que prevaleça o bom senso e os bons propósitos em tornar nosso país um bom lugar para nossos filhos.

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Uma resposta

  1. A alteração do ICMS é na prática um rompimento da autonomia fiscal dos estados. Demagogia pura que vai pesar no bolso do cidadão por outro caminho.

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