Para Valor Econômico – Opinião
Quantos passos para frente são necessários para recuperar um tempo perdido? A pergunta é retórica, mas serve para pensarmos no desenho, adoção e implementação de políticas públicas, além da estruturação e fortalecimento de instituições republicanas. Essas são questões básicas em uma democracia e precisam ser priorizadas pela próxima gestão dos Executivos federal e estaduais, assim como pelo Congresso. E são primordiais para reduzir as desigualdades, combater a intolerância e retomar o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Nos últimos três anos e meio, o governo federal desmontou as políticas públicas nas áreas de Meio Ambiente, Educação, Cultura, Ciência e Assistência Social, entre outras. O que devemos fazer agora é recompor a trajetória histórica deste país. Reestruturar políticas públicas para fazer com que o Brasil retome uma rota de desenvolvimento. Não se trata de simplesmente voltar ao passado, mas de avançar rumo ao desenho de ações intersetoriais e estruturadas, mais integradas e potentes, capazes de superar os desafios atuais e futuros mais velozmente. É preciso não somente recolocar o país nos trilhos – o que na conjuntura atual já seria muito -, mas, também, entender com nitidez os novos caminhos do desenvolvimento socioambiental.
Para tanto, o enfrentamento da desigualdade deve ser visto como compromisso central, que organize a estratégia geral. E aí é fundamental que as políticas econômica, social e ambiental se instituam a partir de uma relação de equivalência – que supere a cultura de subordinação das políticas públicas à política econômica e, por outro lado, rompa com os vetores que constrangem o socioambiental às dimensões compensatórias e à eleição arbitrária de vencedores ocasionais. Impõe, portanto, construir uma política econômica consistente, cujos fundamentos estejam a serviço das políticas sociais, climáticas e ambientais.
Diante da grave crise social atual, uma das piores de nossa história recente, com 33 milhões de brasileiros passando fome, contar com um programa como era o Bolsa Família, que reduzia a pobreza e diminuía sua reprodução intergeracional, é crucial. Temos que avançar para um desenho de redistribuição de renda que atenda aos desafios de uma sociedade que, depois de anos, voltou ao mapa da fome.
Para além da transferência de renda, isso significa, por exemplo, reconfigurar o Cadastro Único (CadÚnico), que se tornou artificial e insuficiente, bem como expandir e fortalecer os serviços do Sistema Único de Assistência Social, para que alcancem quem mais precisa. O CadÚnico precisa ser instrumento de uma moderna agenda social que permita instituir os processos de referência e contrarreferência entre os vários setores sociais e oriente a melhor composição possível de serviços públicos para os mais vulneráveis.
Precisamos, portanto, de uma política social multisetorial e multinível, que identifica situações individuais e familiares complexas, e produz uma agenda integrada entre diferentes áreas capaz de ser modulada às múltiplas configurações de vulnerabilidade. O desafio é combinar, de forma estruturada e operacional, a capacidade de diagnósticos robustos das condições de vulnerabilidade, a qualidade e a plasticidade no desenho das ações, a flexibilidade na implementação adequada aos territórios, o engajamento de todos os setores relevantes, o encaminhamento para trajetórias de inclusão produtiva dos mais vulneráveis, a equidade como referência organizadora da estratégia, o monitoramento e a avaliação como estuário da qualidade e a efetividade como compromisso da gestão.
Trata-se, em suma, de redefinir a estratégia de desenvolvimento social, promovendo espaços, processos e instrumentos que viabilizem uma abordagem que enfrente de forma efetiva nossos complexos desafios. Nesse sentido, é fundamental recolocar a educação básica no rumo e acelerar significativamente sua velocidade de melhoria. O Sistema Nacional de Educação, que aguarda apreciação na Câmara dos Deputados, é peça fundamental nesse esforço, uma vez que organizará as responsabilidades, distribuindo as funções entre entes federados, além de determinar como essas três esferas de governo e suas redes de ensino devem trabalhar juntas.
Em um recorte geracional específico, será necessário uma política nacional de primeira infância com articulação intersetorial das áreas de educação, saúde e assistência social. Além disso, o estabelecimento de uma agenda de alfabetização na idade certa e de redução intensa da evasão e da defasagem idade-ano.
Por fim, uma política para as juventudes, com melhoria relevante da qualidade do ensino médio e articulação do percurso educacional às dimensões que produzem engajamento e sentido para os jovens, aprofundando a capacidade de aprender ao longo da vida e considerando tanto a perspectiva de seguir estudos universitários como as trajetórias técnico-profissionais conectadas ao mundo do trabalho e à sociedade do Conhecimento.
No que se refere à pauta ambiental, é necessário o entendimento que a emergência responsabilidade com a vida, a sociedade e o planeta. E, aqui, o Brasil pode assumir climática não é uma agenda setorial. Ao contrário, é um imperativo categórico de
um papel de protagonismo global, projetando um arranjo de economia verde que
expressa nossos traços e identidade essenciais.
Podemos transformar vantagens
comparativas em vantagens competitivas. A começar pela responsabilidade
soberana de acabar com o desmatamento ilegal em todos os biomas, a Amazônia
em particular. Além disso, promover a bioeconomia de forma articulada a um processo de reindustrialização e, no que se refere aos arranjos urbanos, estabelecer políticas de excelência em saneamento, transporte, energia e habitação. Por fim, o país tem situação privilegiada para realizar a transição energética, explorando de forma eficaz e eficiente suas abundantes fontes renováveis. Nesse sentido, uma abordagem
contemporânea da sustentabilidade orientada a transformações efetivas pode impulsionar um desenvolvimento de baixo carbono, com forte dinamismo socioeconômico, adequado aos desafios de nossa era e comprometido com a justiça climática.
Apesar dos enormes desafios, temos uma oportunidade: a nova Presidência, os
novos governadores de Estado, o novo Congresso e a sociedade civil organizada têm
a possibilidade de, na dimensão da política, promover uma maior coesão em torno
dessa concertação da democracia. Resgatar o desenvolvimento é obra do agora,
marcado pelo sentido de urgência e pelo compromisso com a equidade.
Ricardo Henriques é economista, superintendente-executivo do Instituto
Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral.