Por André Ramalho e Gabriela Ruddy – do Rio
(Colaborou Felipe Laurence, de São Paulo)
Para Valor Econômico
Ao fracassar na tentativa de vender a Rnest (PE), a Petrobras sofreu o segundo revés de seu programa de desinvestimentos do refino. A falta de interessados pelo ativo se soma ao insucesso na alienação da Repar (PR), pela qual a estatal recebeu propostas aquém do esperado. Segundo especialistas, o crescimento do risco de uma interferência nos preços dos combustíveis, à medida que as eleições de 2022 se aproximam, é um dos motivos – mas não o único – que ajudam a explicar a dificuldade da companhia de se desfazer de duas das suas principais refinarias à venda.
Fatores como a compressão das margens no mercado global, incertezas ligadas à transição energética e as instabilidades provocadas pela revisão do marco regulatório do mercado de combustíveis no Brasil também pesam na equação. No caso da Rnest, em específico, a necessidade de investimentos adicionais para concluir a refinaria também pode ter influenciado.
Uma fonte que acompanha de perto a venda das refinarias comentou, sob a condição de anonimato, que o empreendimento opera hoje com metade da sua capacidade planejada, porque as obras de construção do segundo trem da refinaria, do mesmo tamanho do primeiro, ou seja, 130 mil barris/dia, foram interrompidas em 2015, em meio à crise financeira na qual a estatal mergulhou após a eclosão da Lava-Jato.
“Existe uma dúvida de como valorar esse segundo trem. A Petrobras vê valor nesse ativo, que não está concluído, mas para o comprador é difícil valorar, devido às incertezas do custo para concluir o negócio. É difícil mensurar quanto vale uma obra inacabada. O caso da Repar é diferente. Não é problema de falta de interesse, mas de se chegar num valor que faça sentido para as duas partes. É uma refinaria que vale muito para o parque da Petrobras, hoje. Fora isso, a pandemia e a troca no comando da Petrobras também influenciaram [nos desinvestimentos]”, afirma.
Segundo a mesma fonte, os riscos de interferência nos preços, contudo, não podem ser ignorados. Embora eles sejam históricos e estejam presentes, portanto, desde o início dos desinvestimentos, a percepção é de que os riscos se acentuaram após a intervenção do presidente Jair Bolsonaro na troca do comando da petroleira e diante da proximidade das eleições.
O pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio Edmar Almeida acredita que as dificuldades de venda das refinarias passam pelo medo dos compradores em torno de uma eventual competição desleal da Petrobras, num cenário de retomada do controle dos preços. Mesmo se vender as oito refinarias do pacote de desinvestimentos, a estatal ainda manterá metade da capacidade instalada do país.
“É recorrente no Brasil vermos uma tentação forte de usar preços da empresa para fazer política. Isso pode criar uma assimetria muito grande [na competição]”, disse. “Basta o governo de plantão querer controlar preços”, acrescentou.
O risco em torno da intervenção nos preços, historicamente presente no Brasil, é reconhecido pela própria Petrobras.
“Vivemos isso [controle de preços] no passado recente e, hoje, é um dos riscos que não está tornando fácil a Petrobras vender suas refinarias,.. A história do Brasil é longa e, quando se tem alternância de governo, pode ter um outro que acha que é a solução controlar preço”, disse o diretor de exploração e produção da estatal, Fernando Borges, em entrevista recente ao site epbr.
A refinaria Reman (AM), vendida pela Petrobras para o grupo Atem, por cerca de R$ 1 bilhão, por sua vez, está numa região mais isolada e menos exposta aos riscos da concorrência com a Petrobras, sugere Almeida. “Ela consegue importar mais barato, está mais conectada com mercado internacional”, afirma Almeida.
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, destaca que a “espada da intervenção dos preços” ainda permanece sobre o mercado, mas que a dificuldade da Petrobras de vender os ativos reflete também a instabilidade regulatória provocada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pelo governo, nas discussões sobre marco do setor. “Isso gera insegurança jurídica e afasta o investidor”, comentou.
O governo lançou neste mês uma medida provisória que permite a venda direta de etanol entre usinas e postos, sem necessidade de intermediação das distribuidoras; e flexibiliza a tutela regulatória de fidelidade à bandeira, medida que abre espaço para que revendedores vendam combustíveis de outra empresa que não aquela que estampa sua marca no posto.
Para o gerente de análise de preços de petróleo e perspectivas regionais da consultoria S&P Global Platts, Lenny Rodriguez, a demora na venda das refinarias da Petrobras está associada ao ciclo de baixa no mercado global de refino.
“O processo para vender essas refinarias levou muito mais tempo do que a Petrobras desejava. Um dos grandes desafios que a companhia enfrentou foi o ciclo de baixa no mundo para o refino, que está com margens baixas. Vimos muitas refinarias fechando as portas, inclusive nos EUA, mas isso também pode ser uma oportunidade quando os ativos entrarem num ciclo de alta”, afirmou Rodriguez, em evento online promovido pela S&P Global Platts.
Edmar Almeida, da PUC-Rio, acredita que a transição energética para uma economia de menos carbono também pode estar impactando a atratividade das refinarias. “A transição energética cria incertezas sobre horizonte desse mercado, sobre o futuro do consumo.”
A Petrobras assumiu em 2019 um compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para quebrar o monopólio no setor e vender oito refinarias – ou seja, todo o parque de refino fora do eixo Rio-São Paulo. Até o momento, a empresa já assinou contratos para alienação de duas delas: a Reman, para o grupo Atem, por US$ 189,5 milhões; e a Rlam (BA), para o Mubadala, por US$ 1,65 bilhão. Ambos os acordos estão pendentes de conclusão.
A expectativa inicial da Petrobras era concluir a venda de todas as oito refinarias em 2021, mas as negociações atrasaram após a eclosão da pandemia. Em julho, a empresa assinou um aditivo com o Cade para estender os prazos e se comprometeu a assinar o contrato para alienação da Reman até fim de agosto; os contratos da Lubnor (CE), Refap (RS), SIX (PR), Regap (MG) e Rnest (PE) até 30 de outubro; e o contrato da Repar (PR) até o fim do ano. Segundo uma fonte, a Petrobras recebeu propostas vinculantes pela Lubnor, Refap, Regap e SIX e está negociando os contratos com os proponentes que apresentaram as melhores ofertas.
Segundo uma fonte da Petrobras, a companhia ainda está avaliando os motivos da falta de ofertas vinculantes pela Rnest e alinhará os próximos passos, para uma eventual retomada do desinvestimento, junto com o Cade. O executivo vê como “natural” o revés, dada as complexidades intrínsecas da quebra do monopólio do setor.
“São ativos complexos com diferentes naturezas, idades e perfis… Vender refinaria não é fácil, vender refinaria da Petrobras muito menos. Temos toda uma governança própria e estamos sujeitos a uma série de controles. Teve ainda a pandemia, isso acaba gerando a reavaliação dos negócios das empresas e impactando na capacidade de financiamento”, afirmou.
Na avaliação do Credit Suisse, o anúncio da venda da Reman é uma boa notícia, mas a falta de ofertas pela Rnest pode levantar preocupações sobre o processo de venda dos ativos. O Itaú BBA afirmou que, apesar de ser uma notícia negativa, o revés na alienação da refinaria pernambucana não deve ter maiores impactos na ação da Petrobras. O banco destaca que a falta de interesse pela Rnest e Repar é preocupante, mas que a venda de todos os ativos de refino é importante para que a estatal reduza sua exposição ao mercado de combustíveis – fator que ajuda a manter ações da estatal descontadas na bolsa.
“A venda de apenas parte das refinarias não será o suficiente para limitar a influência da Petrobras nos mercados regionais do Brasil”, diz o relatório do Itaú.