O mercado de carbono já é uma realidade na Europa, e o Brasil avança para criar sua própria regulamentação por meio do Projeto de Lei 412/2022, em tramitação no Congresso. Essa legislação é considerada fundamental para selar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, que pode atrair investimentos da ordem de R$ 564 bilhões para o país até 2030. A expectativa é aprovar o PL antes mesmo da realização da COP 28, agendada para dezembro deste ano.
Diante desse contexto, o Nordeste é reconhecido por especialistas como uma região com grandes chances de liderar o processo de monetização do mercado de carbono, tema essencial nos acordos internacionais. A diversidade de biomas na região contribui fundamentalmente para esse potencial, incluindo a Amazônia Legal (norte do Maranhão e Tocantins), a Mata Atlântica no litoral baiano e a caatinga no sertão, todas áreas de rápida restauração florestal.
As ações projetadas no Nordeste para explorar o potencial de produção de energia limpa, como a eólica, a solar e o hidrogênio verde, incluem políticas de fomento à Integração Floresta Pecuária Floresta (IFPL), tornando a região um laboratório para o mercado de carbono.
Segundo Rafael Borgheresi, Head da Future Carbon Energy, em termos de energia renovável e transição energética para uma economia de baixo carbono, o estado do Ceará tem se destacado como um hub de conhecimento e negócios na produção de hidrogênio verde. “Produzido pelo processo de eletrólise a partir de fontes renováveis de energia, como solar ou eólica, o hidrogênio possui um potencial significativo como alternativa limpa aos combustíveis fósseis. Além das condições geográficas favoráveis para energia renovável, o Ceará possui uma região portuária com ótimo acesso aos mercados consumidores, como Europa e Estados Unidos”, destaca Borgheresi.
Por falta de metodologias internacionalmente reconhecidas, ainda não é possível gerar créditos de carbono a partir de projetos de hidrogênio verde, segundo o consultor. “Diante de seu grande potencial, o Brasil deve tentar atuar na vanguarda do desenvolvimento dessas metodologias”.
Para Renata Rentería, co-líder da Força Tarefa Mercados de Carbono da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, a questão fundiária deve também ser levada em conta na produção e comercialização de créditos de carbono, especialmente diante de recuperação ou conservação de áreas florestais. Um dos grandes desafios desse processo refere-se à identificação da terra. Mas o potencial do Nordeste é inegável, segundo ela. “Porque o mercado de carbono se desenvolve em áreas arbóreas e não arbóreas, como a caatinga ou a Mata Atlântica. Também será preciso desenvolver tecnologia e uma metodologia de certificação para geração do hidrogênio verde, o que deve trazer um futuro brilhante para a região”, avalia Rentería.
Em sua avaliação, a articulação promovida pelo consórcio dos governadores do Nordeste para o desenvolvimento de políticas ambientais e do mercado de carbono é muito positiva. Para Rentería, Pernambuco é um dos estados mais avançados com um plano estadual muito sério e bem organizado de descarbonização. “Essa mescla de energias renováveis, florestas e tecnologias é única no Brasil. O foco em silvicultura (restauração de florestas que contempla demandas de mercado), e a IFPL (Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta) são outros pontos fortes da região”.
Segundo Salete Alves de Moraes, pesquisadora da Embrapa Nordeste, os benefícios ambientais da ILPF estão relacionados ao aumento da sustentabilidade na atividade pecuária, incluindo a restauração de pastagens degradadas, com a inclusão de componentes arbóreos nessas áreas. “A ampliação dos terrenos com sistemas ILPF faz parte das metas brasileiras voluntárias assumidas no Acordo de Paris e, desde então, foram criadas várias políticas públicas em níveis estadual e federal, além de programas de incentivos financeiros específicos em agências financiadoras. Entre eles, o Programa ABC (Programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), que é uma linha de crédito delineada em 2010/2011, que disponibiliza recursos com juros mais baixos e prazos diferenciados para financiar projetos que adotem práticas de baixa emissão de carbono”, explica Moraes.
Desde a implantação da política nacional de ILPF, a Embrapa desenvolve estratégias específicas para os diferentes biomas brasileiros, especialmente para a caatinga, onde a prática de agricultura de baixo carbono e as determinações de subsídios para serviços ambientais são tão importantes. Na avaliação da pesquisadora, a regulamentação do mercado de carbono por meio do PL 412 pode beneficiar produtores que cultivam de forma sustentável e adotam práticas de agricultura de baixo carbono.
Todas essas ações envolvem outro grande desafio, na opinião de Rafael Borgheresi: convencer governantes, empresários e a população sobre a vantagem de uma floresta em pé, o que exige uma transformação cultural. Isso inclui conscientizar e educar sobre a importância da preservação ambiental, da geração de benefícios econômicos e sociais a partir de atividades sustentáveis, e do combate às pressões econômicas que levam ao desmatamento e à degradação florestal. “É fundamental fortalecer a governança ambiental, promover o diálogo entre diferentes setores da sociedade, incentivar a participação privada por meio de incentivos e regulamentações adequadas. Por fim, é necessário buscar a cooperação internacional para apoiar a conservação e o desenvolvimento sustentável na região Nordeste, envolvendo as comunidades locais, os povos indígenas e demais atores sociais na tomada de decisões em projetos para a preservação das florestas”, enfatiza o consultor da Future Carbon.